Mesmo sem ter estreado no Brasil, Palm Springs tem causado um certo frisson na comunidade cinematográfica. Como já abordado no PuxadinhoCast, as comédias românticas (doravante, romcom) têm encontrado seu lar nos serviços de streaming e, mesmo parecendo que tenham sumido como estilo nas salas de cinema, no Video On Demand (VOD) são as obras mais celebradas e assistidas. Com um elenco estrelado por Andy Samberg (Brooklyn 99) e Cristin Milioti (Fargo), essa nova romcom traz realmente um frescor para o gênero e para as demais obras do estilo?
Antes disso, vale ressaltar que não é uma romcom pura. Palm Springs também apresenta o elemento de loop temporal que já foi brilhantemente abordado por O Feitiço do Tempo (1992). Pode-se dizer que é uma versão millennial do Feitiço, trazendo questões mais modernas de relacionamento e niilismo perante o sentido da vida. Mesmo não aprisionados em uma espiral temporal, é fácil de nos relacionarmos com as ideias e desencantos apresentados.
A história gira em torno de Nyles (Andy Samberg), um cara aparentemente displicente sobre a vida, que sem querer arrasta Sarah (Cristin Milioti) para o loop temporal em que ele está preso. Esse loop repete toda vez o dia 9 de Novembro, dia do casamento da irmã de Sarah, no qual Nyles é apenas o namorado de uma das madrinhas. A grande questão desse loop é que ele é eterno, independentemente de sua morte, de você dormir e acordar ou entrar em uma viagem de alucinógenos. É inescapável. Pelo jeito, Nyles está nesse dia há anos e, acidentalmente, Sarah entra na caverna que a prende nessa maldição.
O grande ponto é que Nyles, por estar já cansado da rotina, desistiu de tentar algo. E, ao permitir-se compreender que nada importa, vive um dia após o outro em uma rotina na qual ele já sabe o que irá acontecer e age sempre em um piloto automático. Nisso, a geração atual de jovens adultos pode se relacionar, pois se assemelha à rotina entediante na qual boa parte das atividades não são realizadas por um significado, mas por uma necessidade. E essa obrigatoriedade torna também nossa rotina algo sem relevância, fazendo-nos questionar sobre se o que fazemos realmente importa para nós ou se um dia realmente faremos algo que tenha um significado que quebre o ciclo do piloto automático.
O ponto de quebra da rotina de Nyles, que estava absorto na solidão de ser o único nessa prisão, é a entrada de Sarah nesse universo. E aqui vem um importante ponto: Sarah não está conformada com a situação e, para ela, todo dia parece ser um incômodo. A partir disso, ela busca a mudança e gera a mudança em Nyles e em suas atitudes. A posição do filme é abordar isso pelo lado romântico e do amor, mas pode-se também levar para a questão de que o incômodo e fatos novos podem ser forças motivantes para sair de seu próprio marasmo e da desistência de ter um propósito ou significado.
Possivelmente o grande trunfo da obra seja a atuação dos protagonistas. Samberg é, com sua cara de tonto e displicente, o Nyles perfeito, entregando o cinismo e imaturidade em um tom correto para um personagem que “não se importa”. Já a Milioti tem uma ótima expressão facial, conseguindo transmitir as emoções sem texto, dando a gravidade necessária para os momentos certos. Vale ressaltar as participações especiais, como de J.K. Simmons (Whiplash), Camila Mendes (Riverdale) e Tyler Hoechlin (Supergirl), trazendo dramas paralelos interessantes e ampliando outros questionamentos sobre casamento, amor, família e adaptabilidade perante um problema insolúvel.
Sobre a parte técnica, é um filme tradicional de romcom para VOD: maior gasto em elenco e economia em produção. Tem poucos cenários ― podem ser contados, por cima, apenas 7 em todo o filme. Além disso, as escolhas de cores de efeitos são corretas, mas nada complexas. Pode-se afirmar que Max Barbakow é competente, mas não é brilhante, e, nesse filme, talvez possa ser caracterizado como genérico. Ele apenas realiza o necessário para o filme acontecer. Mas é um bom trabalho, tendo em vista que custou apenas US$ 5 milhões e a distribuição foi vendida para a Hulu por US$ 17,5 milhões.
Palm Springs tem a força em si nos assuntos que são possibilitados pelo roteiro e pelo tropo que apresenta, apesar não ser o mais inovador. O seu hype talvez realmente seja porque dialoga com uma nova geração que não pode ver O Feitiço do Tempo ou que não conhece Questão de Tempo (2013). Tem ótimas atuações e é uma boa pedida para um sábado à noite. E deixo aqui a pergunta central do filme: o que falta para você quebrar o loop temporal (o piloto automático) de sua vida, ir para frente e se encontrar?
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