Quando lançada em 2016 pela Netflix, Stranger Things surgiu de maneira acachapante no mundo das séries e logrou de imediato seu local na cultura pop. Recheado de referências aos anos 1980, vasta influência de autores renomados como H.P. Lovecraft e Stephen King e um elenco de talento ímpar, não demorou para conquistar seu espaço naqueles que estavam nostálgicos pelo clima e ambiência dos filmes de sua infância e de uma aventura/terror em formato seriado. Entretanto, o que aparentava uma unanimidade entre o público, deu a parte da crítica um conjunto de alertas: seria a série vazia e apenas um conjunto de referências? Teriam seus produtores fôlego para o desenvolvimento da história? O teste de fogo ficou para 2017, com a segunda temporada anunciada para o Halloween desse ano.
O marketing produzido para a nova temporada anunciava um clima ainda mais soturno do que o da temporada anterior. O trailer lançado ao “voice” do clip de Thriller de Michael Jackson, os cenários e cortes referenciando o monstro à moda Cthulhu, a tensão crescente derivada das brechas deixadas pela temporada anterior e a data de lançamento alavancaram a ansiedade de seus fãs em que o nível de expectativa atingia a espera de uma temporada, ao menos, mais “adulta” e tensa que a anterior.
Porém, o que recebemos na verdade foi um conjunto de repetições e saturação de fórmulas em uma trama cujos núcleos quase não se conversavam e as histórias paralelas por vezes não serviam para a trama da temporada em si. Em primeiro lugar, os minutos iniciais do primeiro episódio prometiam uma expansão de universo intrigante, com a possibilidade de outras crianças com poderes em novas cidades, novas possibilidades e ainda não anunciado pelo marketing. Uma surpresa que acabou se tornando na decepção do sétimo episódio. Não que esse capítulo esteja abaixo dos outros da temporada, mas, sejamos francos, serve apenas para costurar a história lançada no primeiro episódio, que não é citada em mais nenhum outro, desenvolver a Eleven e dar uma pausa na tensão construída que se vinha construindo nos anteriores. Tal quebra de ritmo e expectativa serviu apenas para, nessa temporada, a chegada da Eleven como salvadora em um momento que foi inutilmente telegrafado, quebrando qualquer possibilidade de surpresa ou de temor pelos personagens.
Apesar do caso da Eleven e sua história paralela ter sido um dos pontos mais problemáticos da temporada, por justamente parecer um recorte de algo que ainda virá a ser abordado na série e não se conectar com a trama principal, elas não foram as únicas coisas que não funcionaram. No núcleo adolescente, Nancy e Jonathan protagonizam o maior marasmo em uma história de denúncia conspiratória que não faz sentido, senão para uni-los, referenciar alguns estereótipos dos filmes da época e agrada o fandom da #justiceforbarb. O período em que eles permanecem na casa do detetive/ativista anti-governo é assustadoramente desprovida de noção dos roteiristas, dando a tal personagem uma personalidade caricata e totalmente esquisita, chegando ao ponto de oferecer vodka a menores e incentivá-los a terem relações sexuais em sua casa. A esquisitice do personagem é compreensiva, mas seu excesso de boa vontade com os personagens nem tanto.
E é nesse ponto que chegamos ao terceiro ponto de fragilidade da trama. Todos os personagens são comovidos a auxiliar as crianças e adolescentes. Nesse quesito, inclui-se o médico que supostamente seria o vilão humano, os policiais, os caminhoneiros, as gangues de rua de Boston, etc. O único vilão em si é o Mind Flyer, que pouco faz a não ser mandar seus minions –Demodogs-, importunar o Will e sua família como os espíritos do exorcismo de Emily Rose e gerar grandes prejuízos para os agricultores de Hawkins. O vilão em si prometia mais nas divulgações e logo no início da temporada. Atormentar uma criança e apodrecer abóboras não era algo que necessariamente estávamos esperando para toda a ação de um monstro de proporções cósmicas.
Enaltecer, até o momento, esses pontos negativos pode aparentar que a segunda temporada falhou em seus principais pontos. Não é de todo verdade. O elenco juvenil mantém uma qualidade impressionante, em destaque a acertada decisão de dar mais espaços para Noah Schnapp atuar. A interpretação dele como Will em diversos momentos demonstram a capacidade que o garoto tem de interpretar as várias facetas das emoções humanas, da tristeza, para a coragem, lampejos de felicidade e, especialmente, o terror. Talvez tenha sido o maior destaque positivo da temporada. Dustin e Lucas continuam muito carismáticos, e o triângulo amoroso deles com a nova integrante Max é um grato acerto. E, talvez, vem da inusitada dupla Dustin e Steve a redenção do núcleo adolescente, especialmente pela evolução deste personagem, demonstrando a evolução dele na série em decorrência dos ocorridos na temporada anterior. A inserção de Max e seu irmão na temporada adicionam pontos interessantes, mas, ainda assim, não muito relevantes para a trama. Max move o núcleo infantil e os separa: ficando Will e Mike resolvendo as questões do Mind Flyer e Dustin e Lucas os Demodogs. Já o irmão da Max é apenas o valentão da temporada, com crises de relacionamento com o pai em casa, fornecendo uma forte cena de repressão familiar, representando a canalização da opressão daquele que é oprimido em casa e reproduz esse comportamento na sociedade para se afirmar e extravasar seus sentimentos.
Por fim, o núcleo dos adultos tem a feliz adição de Bob, Sean Astin, representando os nerds dentro da série. Ele é o salvador e mártir da temporada, infelizmente retirado para, além de outros quesitos, juntar o Hopper e a Joyce. O núcleo, em si, manteve a média da temporada anterior: Hopper relutante, mas colaborativo e incansável e Joyce com a preocupação concernentes aos problemas do Will. Em termos técnicos, a série evolui em quesito de fotografia e direção, tendo belíssimos planos do Upsidedown. Nota-se facilmente a evolução de orçamento, não apenas pela computação gráfica, mas pela produção em si das cenas e direção de arte.
De modo abreviado, a série manteve seu foco e recheio de referências aos anos 1980. É inócuo citá-los aqui, pois outros já o fizeram com exaustão – links abaixo. A série, entretanto, não cumpriu necessariamente o que prometeu. A ampliação do universo e aprofundamento da trama foi escasso e o enredo da temporada foi, em realidade, circular, não avançando para uma evolução da própria história. Como posto acima, foi uma repetição daquilo que já havíamos experimentado na primeira temporada, mas com “esteroides” de produção. A amplificação dos feedbacks positivos apenas serviu para repetir a trama da primeira temporada, tornando, em realidade, em uma obra repetitiva e previsível. Felizmente a terceira temporada, já confirmada a produção, provavelmente se passará nos anos 1990. Se não evoluírem a trama, ao menos a década não será mais a mesma e causará menos fadiga ao assistir a série.
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