Existe uma pergunta que sempre faço quando estou conhecendo alguém: você tem medo de morrer? Se há algum amigo meu lendo, é bem provável que já tenha feito essa pergunta a você. O livro They Both Die at the End de Adam Silvera vai além desse singelo questionamento ao me deixar pensando o que eu faria se fosse morrer durante as próximas 24 horas. O que você faria?
Viver é a coisa mais rara do mundo. A maioria das pessoas só existem.
(Oscar Wilde)
A premissa do livro já nos deixa curiosos o bastante para continuar a leitura. Mesmo sabendo como irá terminar a história, a esperança de que haja um fim diferente para os dois protagonistas, e até mesmo o desenvolvimento tão natural da relação de todos os personagens do livro, te prende sem esforço algum.
Adam Silvera demonstra, novamente, por que é um autor best-seller do New York Times. Ele desenvolve bem todos os personagens de uma forma cativante e admirável, onde coadjuvantes que aparecem narrando um ou outro capítulo têm um impacto espantoso no leitor. A sua desenvoltura para abordar assuntos importantes como diversidade e sexualidade é impressionante. Ele consegue fazer com que o leitor sinta a emoção junto com o personagem – a narração em primeira pessoa ajuda bastante nesse feito.
O enredo de They Both Die at the End é guiado por Mateo Torrez e Rufus Emeterio, dois jovens que acabaram de receber a ligação do Death-Cast para dizer que eles irão morrer até o fim do dia. Eles conhecem como funciona: se você recebeu a ligação, não há escapatória; de algum modo você irá morrer durante as próximas horas.
O Death-Cast é algo cuja gênese ninguém sabe, mas que liga para você no exato dia em que você vai morrer para avisar. Isso permite que você possa se despedir das pessoas próximas, faça um funeral ainda vivo, viva intensamente as últimas horas ou se arrependa de tudo que fez até então, entre em um espiral gigantesco e se sinta injustiçado. Todas essas possibilidades conseguiram existir para Mateo e Rufus em algum momento após receberem a ligação do Death-Cast.
Mateo e Rufus não se conhecem, e por diferentes razões baixam o aplicativo chamado Last Friend, onde você pode fazer um novo amigo para viver o seu último dia com você. Ele pode ser alguém que recebeu a ligação do Death-Cast ou não. Assim, Mateo e Rufus têm suas vidas cruzadas no dia em que irão morrer para tentar viver de forma inesquecível esse último dia de suas vidas.
Mateo é a típica pessoa que salvaria uma formiga de afogamento, porque ele é completamente altruísta, sempre pensando nos sentimentos de todos os que o cercam e dando prioridade a eles, não importa o que aconteça. Vivendo através dos seus livros, ele se perde facilmente em seus próprios pensamentos. Enquanto Rufus é a pessoa, de certo modo, aventureira, sociável, permeada de alguns bons amigos, aos quais ele recorre para fugir de suas dores. É um tanto impulsivo, agindo quase sempre antes de pensar sobre as consequências dos seus próprios atos.
Mesmo sendo diferentes e, em certos pontos, em níveis elevados, eles conseguem ser o que ambos precisam no dia: um excepcional amigo. Eles conseguem viver o dia tão intensamente que às vezes faz você esquecer que o livro todo se passa, literalmente, no intervalo de um dia.
Doze horas atrás eu recebi a ligação que me disse que eu morreria hoje, e estou mais vivo do que estava naquela hora.
Mateo e Rufus são atravessados pelo mesmo pavor que todo mundo tem em algum momento na vida: ser vulnerável. Correr riscos. Com isso, Mateo encontra em Rufus a possibilidade de não só existir, mas terminar a vida vivendo. Ao passo que Rufus encontra em Mateo alguém com quem ele se sente acolhido, confortável para expressar todas as dores sentidas outrora por toda historicidade que o acompanha. Mas, mais que isso, eles encontram amor um no outro. Como uma pessoa que pensa demais e espera o momento certo para tomar qualquer pequena decisão, me identifiquei muito com o Mateo ao perceber o seu medo de correr riscos, seu medo de ser julgado por ser diferente, por ser vulnerável. Com a relação de Mateo e Rufus se desenvolvendo, percebemos a importância de ser corajoso, não esperando o momento certo para fazer as coisas porque, se pararmos para pensar um pouco, não temos esse luxo todo de tempo. Então, é preciso, assim como Mateo e Rufus, libertar-se de tudo que nos prende para permitir-se ser.
Não importa quantas vezes olhamos para os dois lados. Não importa se não pulamos de paraquedas pela segurança, mesmo que isso signifique que nunca vamos poder voar como meus super-heróis favoritos. Não importa se abaixamos a cabeça quando passamos por uma gangue em uma rua esquisita. Não importa como escolhemos viver, nós dois morremos no fim.
PS: Por enquanto, o livro ainda não está disponível em português, mas a editora Intrínseca já anunciou o lançamento no Brasil para o segundo semestre de 2021!
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