O parque das irmãs magníficas, lançado no Brasil em 2021 pela editora Tusquets, é um romance autoficcional escrito pela argentina Camila Sosa Villada. O livro recebeu o prêmio Sor Juana Inés de la Cruz, conferido pela Feria Internacional del Libro de Guadalajara (FIL) e foi traduzido para português por Joca Reiners Terron.
A história se desenvolve a partir da mudança de Camila da pequena cidade de La Falda para Córdoba, onde iria estudar Comunicação Social. Por ser travesti e residir com um pai alcoólatra e conservador, Camila ouve desde muito nova o que poderia ser entendido como um alerta, um sinal de preocupação ou a manifestação de um desejo:
Um dia vão bater nessa porta para me avisar que te encontraram morta, jogada numa vala.
Já em Córdoba, Camila passa a frequentar o Parque Sarmiento, local conhecido pela presença de travestis e prostitutas. Ali a autora encontra a irmandade que protagoniza o desenrolar das histórias a serem contadas no livro, narradas de modo não linear e atravessadas pela fúria travesti e pela festa que há em ser travesti.
Camila encontra naquele grupo seu lugar de pertencimento, o alento necessário para resistir à realidade de medo, violência e precariedade. É junto de Tia Encarna, María e tantas outras que Camila encontra o afeto familiar que lhe foi negado ao longo de toda vida. E para além disso, é ali que aquele grupo transcende a própria noção do vínculo familiar, pois:
[…] o título de família era insuficiente para eles. O deles era um amor muito maior, era toda a compreensão de que era capaz o ser humano.
Todo esse afeto ganha corporeidade com a adoção de Brilho nos Olhos, uma criança resgatada por Tia Encarna em uma noite no parque. O parque das irmãs magníficas se desenvolve a partir da transitoriedade entre o parque Sarmiento e a pensão de Tia Encarna. Esses locais também ganham forma a partir dos laços ali construídos, ou seja, quando a relação entre elas está fortalecida, aquele ambiente se torna um refúgio contra as violências externas. Era através de Tia Encarna que elas eram estimuladas a acreditar na felicidade e no amor. Que, apesar de tudo, essa também poderia ser uma realidade possível.
O realismo mágico aparece ao longo da história e se apresenta como uma necessidade de transformar em palavras realidades e modos de existência diversos. Afinal, como diria a própria Camila, “alguma vez chegaram a pensar que a poesia podia ter forma tão concreta?”.
O parque das irmãs magníficas foi meu primeiro contato com a autora e esse se tornou um dos melhores livros que já li. É difícil escrever algo que esteja à altura das 208 páginas do livro. Camila afirma que aqueles que o lerem saberão onde os tocarão. A experiência de leitura com certeza gerará inúmeros sentimentos contraditórios e conflitantes, mas também nos permite ampliar a visão sobre existências que a sociedade insiste em designar o lugar de abjeto.
Somos isso como país também, o dano sem trégua contra o corpo das travestis. A marca deixada em determinados corpos, de maneira injusta, casual e evitável, essa marca de ódio.
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