A farsa de Guinevere, de Kiersten White (trad. Lavínia Fávero, Plataforma21), foi o livro enviado pelo Turista Literário em março de 2020. É o primeiro volume de uma trilogia e uma releitura da famosa história do Rei Arthur, mas com Guinevere como protagonista — ou, na verdade, não exatamente.
Guinevere não é Guinevere. A Guinevere de verdade está morta, e a jovem de dezesseis anos que chega a Camelot para se casar com o Rei Arthur é uma impostora. Mas vamos, a partir de agora, chamá-la de Guinevere mesmo, porque não sabemos seu nome. Só quem sabe que ela é uma impostora são ela mesma, o próprio Arthur e o pai dela, o feiticeiro Merlin, agora banido de Camelot em uma medida para manter toda magia longe do lugar. Em teoria.
Na verdade, o casamento foi arranjado para que ela, que ninguém (além dos três) desconfia também ser uma feiticeira, possa proteger o Rei Arthur de uma ameaça mágica. Ela abandonou toda sua vida em nome dessa missão e foi recebida de braços abertos na nova terra. O rei, a dama de companhia Brangien e alguns cavaleiros como Mordred, sobrinho do rei, se tornam amigos com os quais Guinevere pode contar. Inclusive para salvar sua vida em mais de uma ocasião.
A ameaça mágica, porém, é um grande mistério. Guinevere não sabe exatamente o que pode estar à espreita, só sente a magia em alguns momentos e lugares. O que, afinal, ela precisa impedir? Como proteger o marido/amigo e seu reino?
Se você conhece bem a lenda do Rei Arthur —ou, como eu, só leu Avalon High da Meg Cabot—, já tem ao menos uma pequena ideia de quem são alguns personagens e também de algumas coisas que podem acontecer, mas a forma que elas acontecem ainda é surpreendente nessa releitura. A presença feminina na narrativa é muito forte, e a adição de representatividade LGBT+, mesmo que de leve, é muito bem-vinda. Como em toda fantasia, o início da leitura é um pouco mais lento para construir a ambientação, mas não senti que ele demora a prender a atenção.
É uma mudança interessante que o foco da história seja, desta vez, em Guinevere, especialmente levando em consideração que ela sempre está escondendo algo dos outros ao seu redor. Ela não é apresentada como uma heroína indefesa e ingênua. Apesar disso, você não duvida em momento algum de que as intenções dela sejam positivas. A farsa de Guinevere é narrado em terceira pessoa, mas da perspectiva da protagonista, com acesso a seus pensamentos e sentimentos.
Quase todas as perguntas que você se faz no início da leitura —ou que os próprios personagens fazem ao longo da narrativa— são respondidas, exceto uma. Além disso, as revelações e novas perguntas apresentadas no final de A farsa de Guinevere criam um gancho forte para o segundo volume da série.
Não é de hoje que Kiersten White é, com bons motivos, uma das autoras queridinhas dos leitores. Sua primeira trilogia, uma fantasia urbana (Paranormalcy, Supernaturally, Endlessly), era uma das favoritas de quase todo blog literário no início da década. No Brasil, porém, demorou um pouquinho mais a acontecer: foi só quando a Plataforma21 assumiu a publicação da autora em 2017 com sua Saga da Conquistadora (Filha das Trevas, Dona do Poder, Senhora do Fogo).
A Record até tinha lançado o Paranormalcy por aqui, anos depois, mas a edição foi tão diferente que aposto que muita gente nem soube. As sequências nunca foram lançadas. Ou seja, obrigada, Plataforma21, por assumir a publicação.
Os brindes da viagem do Turista Literário a Camelot foram um quadrinho de madeira no estilo de uma flâmula medieval, lenços antissépticos inspirados no banho mágico a seco da protagonista e um jogo americano com arte exclusiva:
Na página de conteúdo extra, uma entrevista com a autora, a já clássica playlist —desta vez, num clima medieval e alta fantasia— e algumas indicações de obras para continuar viajando por Camelot.
Foi divertido e empolgante voltar a Camelot nessa releitura, muito bem acompanhada pela rainha Guinevere-que-não-é-Guinevere. Vi vários leitores, especialmente de fora do Brasil, comentarem que não curtiram o final, mas eu não senti o mesmo. A autora tinha mais de uma opção para resolver o grande gancho, e me parece que qualquer uma poderia ser bem explorada na sequência — e, mais do que a escolha, acho importante ver como ela seria desenvolvida.
Por isso, já posso dizer que estou oficialmente na fila para a continuação de A farsa de Guinevere. The Camelot Betrayal (A traição de Camelot, em tradução livre) sai em novembro e deve chegar ao Brasil no primeiro semestre do ano que vem.
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