Se deus me chamar não vou é um livro escrito pela brasileira Mariana Salomão Carrara e publicado pela editora Nós. O livro se debruça sobre os pensamentos de Maria Carmen, uma criança de 11 anos que acredita estar enfrentando a “pior idade do universo”, afinal “existem crianças mais solitárias que os velhos”. A história é narrada em primeira pessoa, dando um toque maior de pessoalidade e fazendo com que me sinta íntima da Maria Carmen desde as primeiras páginas, ao perceber o mundo ao seu redor a partir de sua ótica.
Nessa trama poética que flerta com o melancólico, beirando o trágico-cômico em alguns momentos, somos apresentados à ingenuidade de Maria Carmen, que se encontra em um espiral de dúvidas sobre a vida, o corpo, a aprovação, o amor, a vergonha, a morte e a solidão. Seus pais não estão mais entusiasmados em responder suas perguntas porque estão presos em seus próprios espirais. Isso a faz chegar à conclusão de que eles tiveram muita pressa em tê-la, mas agora sequer têm algo a dizer a ela.
Com isso, ela sai desbravando o seu mundo e se encantando (ou não) com todos os mistérios da vida. Como uma boa aprendiz de escritora, enxerga tudo que a atravessa a partir da lente poética. Ao escrever um livro para a aula de redação, a poesia que perpassa todos os seus gestos fica cada vez mais nítida, me proporcionando durante o exercício da leitura a sensação cômica-trágica-melancólica.
Poderia escrever que meus pais estavam ali tomando café da manhã juntos, porque era domingo, mas é o meu livro e enquanto eu não for escritora sou obrigada a dar minha própria versão das coisas. Meu pai estava ali, como sempre amando minha mãe daquele jeito como nenhum homem jamais me amará em toda minha vida, e eu apareci, feito um bloco de solidão, que é a minha consistência.
A relação com os pais é amorosa e ao mesmo tempo distante, uma vez que ela se perde em seus pensamentos com frequência e está tentando sair um pouco das asas protetoras deles, mostrar que é responsável e que, apesar da idade, pode tomar decisões importantes. Ela os ajuda a cuidar da “loja para velhinhos” quando não está na escola, o que proporciona inúmeras reflexões a Maria Carmen sobre o envelhecimento e a morte.
A morte é uma coisa que avisa, que arma um escândalo na rua, no bar, que apita no hospital, que telefona na casa de todos os parentes, e eles saem correndo como se agora adiantasse, a morte pra mim era assim. Mas daí, esse ano eu descobri que a morte pode ser silenciosa, muito mesmo. E tóxica.
Aliás, as reflexões dela são descritas da melhor forma, sempre abordando situações do cotidiano que passam despercebidas e são normalizadas quando envelhecemos. Os pensamentos de Maria Carmen acerca de suas vivências na escola e em casa proporcionam leveza em meio a tantos temas importantes que são abordados: o terror de estar crescendo e não saber como enfrentar isso sozinha, o bullying e as cicatrizes permanentes, entre outros. O fato de ser a visão de uma criança de 11 anos sobre o mundo deixa tudo mais genuíno, real e sensível.
A autora, Mariana, faz um ótimo trabalho, conseguindo captar a essência ingênua de uma criança, na fase dos porquês e no meio do caminho para a adolescência, onde se começa a perceber que nem tudo se é como os desenhos. Se deus me chamar não vou é um livro de 107 páginas que me marcou de um modo que não esperava. É leve e pesado, cômico e poético, e mais importante: verdadeiro.
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