Pantera Negra desde seu anúncio gerava grandes expectativas. As razões eram claras. Além da perspectiva do Universo Marvel a partir de um personagem negro, tinha-se a perspectiva de se ver um novo contexto dentro do conhecido e previsível mundo Marvel, de como seria a mistura de magia com tecnologia de Wakanda, além da grande recepção que o personagem-título recebeu ao ter sido utilizado no Guerra Civil. E, já adiantando, as expectativas geradas foram em sua maioria cumpridas.
O primeiro ponto de destaque do filme é o belíssimo design de produção. Os detalhes dos tecidos do figurino, composição de Wakanda e a mistura de tecnologia futurista com as raízes africanas foi de um deslumbre visual impactante. O colorido, as danças, os cantos, todos os elementos que fazem o país parecer mágico e, ao mesmo tempo, crível. Uma utopia dentro do planeta, caso que guiará os principais conflitos dos filmes, esses todos baseados: devemos nos abrir, ou nos isolar para manter nossa utopia?
Esse debate marca um dos três principais debates políticos do filme, que perpassam pelo mesmo grau e tom de intervenção que um país no cenário internacional e o ganho de liderança pela legitimidade via lei ou pela legitimidade via aceitação. O debate inicial de se abrir ou não é um reflexo de um humanitarismo assistencialista que é debate dentro dos países desenvolvidos, entre auxiliar e receber aqueles que necessitam, enxergando eles como iguais – no caso do filme como iguais de cor de pele – e se abrindo para a ajuda dentro de suas causas. Já o outro ponto de vista é o receio desses que chegam, que “trazem seus problemas com eles” para dentro da nação, já que eles não são iguais pelos olhos destes, não do mesmo país. A solução desse dilema é curiosa, um meio-termo: não abrimos para refugiados, mas criamos centro de educação e tecnologia em outros países. Curiosamente, os Estados Unidos é o primeiro país que recebe esse auxílio.
O segundo debate do enredo em si é sobre que tipo de intervenção o país deveria ter nos outros países. As alternativas apresentadas são duas que os próprios Estados Unidos – e a maioria dos Estados capazes – aplicam: pelo poder brando e pelo poder duro. O poder brando é pela via produção cultural, influência e convencimento, podendo vir por meio de auxílio, cooperação e liderança. Já o poder duro deriva da pressão militar, patrocínio de golpes e ataques militares e também via pressão econômica, ou seja, pressões tradicionais e de caráter mais coercitivo para fazer valer sua dominação. No mundo real, todos os Estados usam os dois tipos dependendo, claro, da capacidade de utilizar um na maior medida que o outro. Já no filme, esses dois modos de se inserir internacionalmente são apresentados como antagônicos, representados pelo herói e vilão, respectivamente. Outra parte desse debate demonstrado em cena é a estratégia dos países de desestabilizar as políticas dos países e produzir golpes que produzem governos favoráveis a seus interesses. É escancarada a apresentação desse modus operandi nos filmes, obviamente de modo simplório e expositivo, mas com um certo grau de crítica.
E, a partir desse segundo debate, surge o terceiro grande ponto político que é abordado no próprio filme. A questão da liderança e legitimidade vem pelo debate, a grosso modo, dos aspectos de juri e de facto do exercício de poder e como exercê-los. Killmonger exerce o poder de modo legítimo no perfil das leis de Wakanda e exercendo esse poder baseado no poder das normas e do medo. Apesar de se apresentar como um ditador, novamente, nada mais é que uma caricatura do que os países exercem em suas intervenções nos países: por um líder via a legitimidade local que derrube um líder que lhe gerava oposição. No filme, entretanto, mesmo tendo as normas e o medo ao seu lado, a legitimidade sempre lhe é questionada, facilitando um golpe dentro do golpe. Já a legitimidade de T’Challa é, além da de juri, no momento final para a de facto, exercida pelo poder que o mesmo carrega mesmo que não amparada pela lei. Isso gera o conflito da batalha final.
A questão da liderança e tradição é o grande pilar do debate clássico shakespeariano que a Disney tem grande apreço de demonstrar. É o duelo interno do próprio T’Challa que compõe ele assumir o local do pai e tentar emulá-lo, enxergar o pai como modelo intocável. Entretanto, a sombra paterna gera a angústia e dúvida no próprio personagem, o que o leva a duvidar de sua própria capacidade para ser rei. E, quando o mesmo percebe que seu pai era tão falho quanto qualquer outro e que o seu papel ainda não era definido, há o grande amadurecimento. Não se é para viver à sombra do passado, e sim levar sua identidade consigo e fazer o que lhe é certo. Esse ponto de amadurecimento interno, de um filho que deixa de ter esse papel para ser o protetor e pai de uma nação é poderoso e a própria Disney já o havia explorado em Rei Leão – pegando de Hamlet -, agora utilizando em um live-action.
Mesmo com um enredo recheado de temas políticos e interpessoais, Pantera Negra apresenta alguns pontos fracos. O que é mais notório é a fraca computação gráfica (doravante, CG). Todos os fãs estão acostumados com a impecável tecnologia da Marvel em produzir cenas épicas digitais. Em Pantera Negra, as cenas que utilizam CG para batalha são semelhantes a cut scenes de jogos do Playstation 3, o que quebra, e muito, a imersão e tensão das batalhas que dependem desse recurso técnico. Ainda mais se comparadas com as cenas de ação que não dependem da CG para funcionarem, sendo aceitavelmente coreografadas – se levarmos em relação que o diretor foi o mesmo de Creed. Outro ponto fraco do filme é a parca exploração do universo de Wakanda. O país é só explorado em cenários: o laboratório da Shuri, as cataratas de batalha e a réplica de São Francisco tribal para representar a cidade no chão. Esse último ponto é o mais deprimente, sendo apenas uma rua mostrada 4 vezes no filme. Será que a cidade principal de Wakanda não teria mais a mostrar?
Apesar do forte enredo, o roteiro em si é simples. Não esperem nada além de uma fórmula Marvel com maior requinte. Há piadas, há lutas e ação. O que diferencia é um maior teor político do filme e o elenco estrelado. Aliás, talvez o mais estrelado retirando os filmes de grupo da Marvel. A qualidade dos atores é inquestionável, desde os coadjuvantes até os principais, com destaque para Danai Gurira roubando todas as cenas. Outro destaque é Michael B. Jordan, que transforma um vilão que poderia ser trivial e caricato – apenas o reflexo mal do herói – mas que o dá forte personalidade e presença, mais papel do ator que do roteiro em si. A única pena é a curta participação de Andy Serkis, cujo vilão é bem carismático.
Por fim, Pantera Negra é um filme da Marvel que vale a pena assistir. Depois do fraco ano de 2017 do estúdio, Pantera Negra dá um novo frescor, não inventa a roda e pasteuriza os elementos artísticos a sua fórmula e modelo de venda. Entretanto, apresenta mais conteúdo que muito dos outros filmes do catálogo, com o claro poder político do longa e tendo até crítica à Trump nas cenas pós-créditos. O importante é esperar os outros filmes do ano e que tenha mais Pantera Negra no futuro.
Mais sobre FILME
Puxadinho Cast #106 | Netflix TUDUM 2023
O TUDUM é o evento realizado pela Netflix para anunciar seus grandes lançamentos, trazer artistas para ter contato com o …
Opinião Sincera | A Pequena Sereia (2023)
Após muitas expectativas, finalmente, em maio de 2023, foi lançada a adaptação para live action de A Pequena Sereia (The …