No dia 25 de maio, é celebrado em todo o mundo o Dia do Orgulho Nerd, ou o Dia da Toalha. Ainda que hoje talvez não pareça tão relevante ou própria de uma cultura urbana específica, por muito tempo a data funcionou como símbolo de uma comunidade que se mantinha dentro de cidadãos que cresceram com as mais diversas obras de cultura pop. Essas pessoas, que se tornaram advogados, economistas, tradutores, políticos, empresários, garçons — ou seja, que tiveram de se tornar profissionais e amadurecer dentro de nossos padrões de sociedade—, saíam portando uma toalha para seus afazeres nesse determinado dia. Um ato singelo, porém cheio de significado. Um sigma conhecido por seus pares e ninguém mais. Um sinal de reconhecimento entre si, uns aos outros e em reverência a Douglas Adams.
O Dia da Toalha é também reconhecido como Dia do Orgulho Nerd, pois a toalha é o objeto mais útil do universo, segundo o Guia do Mochileiro das Galáxias, principal obra de Adams:
“[V]ocê pode usar a toalha como agasalho quando atravessar as frias luas de Beta de Jagla; pode deitar-se sobre ela nas reluzentes praias de areia marmórea de Santragino V, respirando os inebriantes vapores marítimos; você pode dormir debaixo dela sob as estrelas que brilham avermelhadas no mundo desértico de Kakrafoon; pode usá-la como vela para descer numa minijangada as águas lentas e pesadas do rio Moth; pode umedecê-la e utilizá-la para lutar em um combate corpo a corpo; enrolá-la em torno da cabeça para proteger-se de emanações tóxicas ou para evitar o olhar da Terrível Besta Voraz de Traal (um animal estonteantemente burro, que acha que, se você não pode vê-lo, ele também não pode ver você -estúpido feito uma anta, mas muito, muito voraz); você pode agitar a toalha em situações de emergência para pedir socorro; e naturalmente pode usá-la para enxugar-se com ela se ainda estiver razoavelmente limpa.”
(Douglas Adams — O Guia do Mochileiro das Galáxias)
Essa rememoração a tal obra não é gratuita nem ocorre apenas por representar algo obscuro dentro da comunidade nerd. É, sim, talvez o maior dos símbolos, uma lembrança anual para o gênio da comédia e da cultura pop. O Guia, que deu origem ao filme de 2005 estrelado por Martin Freeman (Bilbo de O Hobbit), é uma “trilogia de cinco livros” que narra as desventuras do humano Arthur Dent ao escapar da explosão da Terra e vagar pelo universo.
Muito mais que uma space opera e mais completa que uma leviana comédia, a série do Guia do Mochileiro das Galáxias traz com acidez o melhor do humor britânico da geração. Uma geração que tinha Monty Python, talvez o maior símbolo da comédia do Reino Unido, que também contou com a participação de Adams em alguns episódios. O sarcasmo e audácia das piadas carregava em seu conteúdo o peso de reflexões filosóficas sobre a vida, a sociedade e a ciência.
Em alguns momentos, discutia-se a finidade e brevidade da vida, como no momento em que uma baleia tomava consciência de sua existência e morria segundos depois, ao cair no chão. Ou no momento em que a resposta da pergunta fundamental sobre a vida, o universo e tudo mais seja, apenas, 42. Ou no que uma das principais raças existentes na Terra, que nos vigiava e nos via como bárbaros, eram os ratos.
Apesar de parecer sem sentido — talvez um dos principais traços do humor desse período—, o caráter de extrapolar uma questão para o absurdo levava a uma maior compreensão e crítica de certos padrões e limites que impomos a nós mesmos por conta, também, da sociedade. Aos olhos de Adams, não temos limites para nossa capacidade e existência. O destino fazemos nós mesmos, ele está em nossas mãos.
Esse tema recorrente em sua obra é retratado, justamente, por Douglas Adams ter sido um amante ávido da ciência e um inveterado ateu. Essa sua militância era traduzida em seu texto como a desconfiança em forças maiores e absolutas, deixando o mero acaso ser, muitas vezes, a causa para tudo. Essa aparente descrença pode ser melhor interpretada como uma forte crença no indivíduo e no conhecimento. Não que o conhecimento apenas por ele mesmo seja salvador ou milagroso — não existem milagres quando se trata de Adams. O que há é a possibilidade de lidar com o absurdo de maneira leve, e superar os obstáculos que aparecem no caminho ao superarmos nós mesmos os desafios com as armas de que dispomos.
Esses temas tratados não apenas no Guia, mas também na passagem de Adams por Dr. Who, são, como já afirmado, ingeridos de modo suave por conta do modo cômico que nos é apresentado. As referências à ciência, às séries clássicas dos anos 1960 e ao cotidiano não foram os únicos elementos que tornaram Adams e o Guia um símbolo para os nerds. É a visão de que podemos mais do que pensamos, de que os desafios que o destino nos dá não são impossíveis. Podemos encarar os dilemas e problemas com aquilo que os nerds mantêm em si como característica: imaginação e dedicação.
Mesmo que tudo que tenhamos seja um universo de problemas e apenas uma toalha.
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