A Netflix tem investido seus recursos e esforços para também promover e produzir conteúdo que esteja fora da bolha estadunidense, e isso tem trazido grandes surpresas. Noite Adentro (Into the Night), a primeira série belga do serviço de streaming, é um exemplo disso. É inspirada no romance polonês de ficção científica The Old Axolotl, por Jacek Dukaj.
Imagine que é noite e você está normalmente pegando seu voo para visitar algum parente em São Paulo ou no Rio de Janeiro. Você faz check-in, passa pela revista, entra no avião e aguarda todo aquele checklist que já está cansado de saber antes de o voo começar. Você tomou seu assento e está vendo os outros passageiros entrarem, guardarem suas bagagens e sentarem em seus bancos. Absolutamente do nada você escuta gritos distantes e seu coração começa a acelerar, porque aquilo não é uma cena comum de ocorrer dentro de um aeroporto. Um barulho mais próximo, alguém de botas militares, subindo a escada que dá acesso ao avião. Pausa total na respiração de todos que estão ali. É um militar da OTAN armado ordenando ao piloto que levante voo e vá sempre para oeste: “A radiação solar está matando pessoas ao redor do mundo e é preciso sempre viajar em direção à noite”. O piloto, com medo, inicia os procedimentos e ergue voo. O que primeiro vem à sua mente?
Se você achou totalmente louca e inusitada a cena acima, saiba que é com essa premissa que Noite Adentro “levanta voo”. A série conta com o estilo já conhecido de juntar personalidades diferentes convivendo entre si em um pequeno espaço fechado, então tem de tudo aqui. Uma menina que viaja para jogar as cinzas do seu namorado de uma montanha, um árabe que trabalha no aeroporto, um mulher que leva seu filho para fazer uma cirurgia na Rússia, uma enfermeira e seu paciente, a aeromoça que tenta manter tudo calmo, uma blogueira histérica, entre outros…
Após os ânimos se acalmarem e os passageiros de fato perceberem que a situação bizarra é real, o senso de necessidade e urgência é ativado: “PRECISAMOS SOBREVIVER”! Entretanto, coordenar situações de sobrevivência com pessoas que não se conhece é difícil e espinhoso. Cada personagem ali possui língua, cultura e costumes diferentes; e os conflitos éticos-morais naquela sociedade anárquica dentro do avião tomam pressupostos diferentes.
O formato da série é curto, são 6 episódios de 40 minutos, e a sensação é de se assistir a um filme longo, quando se maratona. Muito desse aspecto tem a ver com o corte de montagem da direção. Cada episódio começa exatamente onde parou o anterior, remontando essa sensação de continuidade sem quebra de enredo. Eles têm como título o nome de cada um dos personagens e mostram, em seu início, um pouquinho da vida pregressa do personagem intitulado do episódio – e essa é uma das poucas ambientações fora do avião.
Embora Noite Adentro tenha um enredo ficcional, seu preâmbulo quase não é debatido ou abordado dentro da série – talvez para uma segunda temporada. Isso tudo corrobora, na minha opinião, para a tese de que a série deseja mostrar ao telespectador o foco no experimento social ocorrido dentro do avião, bem aos moldes BBB.
A partir desse entendimento, a série dialoga com você ao passo que você se coloca na posição de cada personagem, sentindo suas dores e angustias, e tomando partido daquele(a) que mais se parece em personalidade com você. O espaço do avião e o fato de estar sempre noite tornam o ambiente intimista em meio ao caos que acontece lá dentro.
Noite Adentro é uma daquelas séries-bomba, feitas para serem assistidas em um dia. Eu não aguentei não assistir, e o enredo me fez acabar um episódio e começar imediatamente outro. A 1° temporada desse drama noturno estreou no dia 1 de maio de 2020 e ainda não temos data para uma 2° temporada que certamente irá acontecer.
A série ainda termina com uma indagação filosófica pelo ar: a imposição autoritária de forçar o piloto a levantar voo noite adentro é um sequestro ou um salvamento?
P.S. Boa pedida também para quem se interessa em mudanças de fuso horário, geografia, aviação e curiosidades desse tipo.
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