Muitos foram os relatos de assédio em Hollywood que emergiram nos últimos anos – principalmente em 2018 e 2019 – com casos envolvendo atores, produtores e diretores famosos como Kevin Spacey, Harvey Weinstein e Brett Ratner (produtor de Mulher-Maravilha). Essa cultura obscura, que até então estava embaixo do pano midiático das produções, começou a ser revelada pelas mulheres vítimas desses inescrupulosos criminosos. Grandes produções sofreram pressões das atrizes principais para exterminar esses senhores dos sets, com consequências de saírem das milionárias produções com o barco andando. Nem sempre, porém, parece ter pesado o fato de se fazer justiça, mas sim o de perder milhões em contratos e vendas de filmes comprometidas com possíveis mudanças de personagem – a exemplo de Gal Gadot, que só continuaria gravando Mulher-Maravilha caso seu produtor fosse demitido. Motivações financeiras ou não, é uma nova fase em Hollywood para as mulheres, e mais ainda para produções baseadas em fatos reais que explorem essa triste realidade. E todo esse prólogo é para falar disso. Nosso filme, O Escândalo, e uma história que tem tudo a ver com toda essa afável mudança.
O Escândalo (Bombshell, no original) é um filme do diretor Jay Roach (Trumbo) que retrata o ambiente machista vivido por jornalistas da rede americana Fox News. A premissa do filme se baseia numa história real vivenciada por três mulheres funcionárias do canal de TV: Megyn (Charlize Theron), Gretchen (Nicole Kidman) e Kayla (Margot Robbie). Megyn é uma expressiva e antiga âncora de um programa da Fox que, ao questionar Donald Trump em um debate presidencial sobre a relação dele com as mulheres, sofre uma enxurrada de perseguições vindas do próprio presidenciável via Twitter, com dizeres machistas e antiquados, e da sua bancada e eleitorado. Gretchen também é âncora da Fox, e é jogada de escanteio na emissora após tratar de temas femininos ao vivo. Por fim, temos Kayla, uma recém-contratada que tenta galgar passos acima utilizando de oportunidades e networking. Todas essas três histórias são interceptadas por Roger Ailes (John Lithgow), que é o chefão da TV e controla tudo autoritariamente, objetificando a figura e o papel feminino na empresa.
O mais interessante aqui é que o diretor consegue montar três linhas no roteiro (com cada personagem) que se encontram implícita ou explicitamente no final para o mesmo fim. Mérito do diretor em conseguir montar histórias particulares dentro do próprio filme e trabalhar cada meandro, cada personalidade e cada relação entre gêneros de forma diferente. Todas as três sofrem do mesmo mal, mas de formas diferentes, por motivos diferentes e por fim tomam ações iguais para desvencilharem-se disso.
O poder feminino é que segura de fato esse filme, ele está muito ancorado na força e na história das três protagonistas. Não é à toa que duas delas foram indicadas ao Oscar de Melhor Atriz e Melhor Atriz Coadjuvante (Charlize Theron e Margot Robbie, respectivamente), além de terem ganhado o Oscar de Melhor Maquiagem e Penteados. O Escândalo não é um filme fácil de engolir, porém é deveras necessário para entender as relações de poder e como funciona o assédio em grandes corporações. As atuações aqui são muito boas e, como eu disse, cada personagem reage de um jeito a tudo aquilo. Tem aquela que é forte e dá a cara a tapa para ir atrás de justiça, enquanto outra tem receio de perder a carreira e a outra só consegue chorar e não possui reação diante daquilo tudo.
Todo mínimo detalhe aqui interessa e coopera para que esse tipo de crime se reverbere de forma minuciosa e silenciosa. Quem assiste se coloca a todo momento na pele das personagens e se questiona sobre tudo e todos a cada minuto.
O Escândalo consegue noticiar um avanço no tratamento da “normalidade” bem entre aspas, da relação entre o homem no poder e a mulher abaixo dele. Entretanto, queríamos ter visto mais, visto ainda mais impacto no resultado final do que o filme se propõe a mostrar. Ao fundo de cada filme, sempre há uma história a dizer. Faltou dizer mais, O Escândalo, mas veremos melhores filmes no futuro.
P.S. Dica para você que já assistiu ou ainda não: tente entender a escolha de três atrizes loiras que são parecidas entre si e que estampam o cartaz/capa do filme. Para minha referência – ainda que de homem escrevendo – é que, independentemente da mulher e do que ela está se propondo a fazer, ela sempre vai parecer igual e objetificada aos olhos machistas dos assediadores. Me diga se você percebeu outra coisa ou ainda se discorda de mim, por favor!
P.P.S. Ainda há uma crítica por parte de muitas mulheres ao fato de o roteiro ter sido escrito por um homem. O principal argumento é que não havia ninguém melhor do que uma mulher para poder expressar o que é ser assediada quase que diariamente ao sair de casa e ir a qualquer lugar. Enfim, discuta isso com pessoas ao seu redor e tirem suas próprias conclusões.
É isso!
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