O período de pandemia que nos assola foi e é o evento que mais impactou o chamado mundo moderno. Ainda que as duas grandes guerras tenham feito muito mais vítimas, nenhuma delas atingiu o mundo em sua homogeneidade como o triste vírus causador da COVID-19.
Muitas homenagens singelas estão sendo feitas para quem combateu na linha de frente as consequências do coronavírus. Desde já somos gratos a todos os profissionais que se expuseram para que pessoas comuns como eu e você pudessem ter mais tranquilidade durante esses meses. Dito isso, diante desse cenário caótico que estamos vivendo, a série brasileira Sob Pressão resolveu – como uma forma de homenagem – lançar 2 episódios que se passam em um hospital de campanha montado para tratar os casos mais graves da doença.
Com tudo isso eu quero dizer que a intenção dos idealizadores da série é muito nobre, e o mote desses episódios, também. Acho que talvez eles tenham se equivocado em alguns pontos, que diferiram bastante do que estávamos acostumados a ver nessas 3 temporadas já lançadas. Um alerta que eu preciso dar aqui é de que não podemos confundir, ou nos deixar levar, por todo o emocional que estava envolto na série. A análise feita desses episódios especiais pode parecer fria e insensível, mas de maneira alguma ela diminui a intenção da homenagem nem tampouco diminui a condição que o mundo todo passa agora. É preciso deixar isso claro para evitar maiores problemas ou comentários desavisados.
Contextualizando um pouco o enredo da trama, Carolina, Evandro e o grupo de profissionais já conhecido pelos fãs da série estão trabalhando em um hospital de campanha montado no Rio de Janeiro. É dentro dele que se passa basicamente todo o desenrolar dos episódios.
O roteiro vai tratar das situações que mais ouvimos na pandemia: histórias de hospital, vítimas, sintomas e consequências sociais. São muitos arcos que coexistem dentro da espinha dorsal do roteiro, que tem uma linha central sólida “amarrando” os dois episódios. Então vemos paciente que furou a pandemia para ir a festas, falta de leitos, conflitos médicos éticos, licitações fraudulentas, falta de respiradores, distanciamento entre familiares contaminados, mortes que acontecem “de uma hora para outra” e morte de pessoas “saudáveis”. Além disso, vemos a inclusão de novas situações na rotina de um hospital comum, como chamadas de vídeo para contato entre amigos/parentes e uma maior sensibilização entre equipe de saúde e pacientes – como se cada dia fosse o último dia de vida.
A direção trabalhou para juntar esses arcos todos e conseguir expressar sensibilidade a quem assiste e retratar a agonia e tensão dos profissionais de saúde. E conseguiu. Andrucha Waddington – mesmo diretor das outras temporadas – fez um bom trabalho de direção aqui. A única falha foi um deslize que talvez pouca gente tenha notado, mas que não passou despercebido pelos meus olhos de lince: uma cena em que a esposa de um paciente se encontra fora do hospital querendo saber notícias do marido. Ela conversa com uma enfermeira, que a atualiza do seu estado de saúde, e lhe oferece uma torta salgada para um lanche lá dentro do hospital. A primeira coisa que vem à minha cabeça de não-profissional da saúde é: nada pode entrar no hospital sem estar totalmente esterilizado. Mas não é isso que acontece aqui, pois a enfermeira pega o vaso com a comida pela grade e o leva lá para dentro. Acho que, dentro de protocolos sanitários, isso não poderia ocorrer. Bola fora para a direção.
Entretanto, bola dentro para a direção das atuações da série. Como já conhecemos de trabalhos anteriores, Marjorie Estiano está mais uma vez incrível. A Doutora Carolina consegue expressar raiva pelo descaso ao mesmo tempo em que alinha problemas pessoais, juntando tudo isso com uma sensibilidade a tudo que é nítida e fica estampada no rosto dela. Tenho certeza de que muito dos profissionais de saúde se viram nela, se viram em situações que passaram durante os piores meses da pandemia. A cena em que ela chora com o rosto todo marcado pelos equipamentos de segurança é primorosa. Marjorie, você é uma das melhores atrizes desse país.
Júlio Andrade, no papel do Doutor Evandro, concentra o arco principal e clímax da série. Ele tem o papel de ser paciente e médico, de ser a cura e o que precisa ser curado — tensões distintas que ele conseguiu equilibrar muito bem. Detalhe também para a volta do Evandro raiz do Hospital Nossa Senhora das Dores, fazendo suas gambiarras médicas para salvar as pessoas, em uma cena nostálgica.
O ponto negativo das atuações fica para um estreante, Doutor Mauro. A fala dele é muito robotizada e as ações dele não inspiram a mesma naturalidade que esperamos numa dramaturgia. Parece mais o que encontramos em uma peça de fim de ano do grupo de teatro do colégio.
Outro fator que foi assunto nas redes sociais foi a crítica quanto aos papéis dos enfermeiros na série. O Conselho Regional de São Paulo até foi a público afirmar que houve muitos equívocos quanto às funções de uma equipe clínica. Os médicos basicamente faziam o trabalho que é de competência do enfermeiro, o que gera um “ar” heroico-salvador apenas para o grupo de médicos da série. Se eles procuraram seguir à risca o que estava sendo feito na vida real quanto à COVID, por que não fazer também um trabalho melhor na pesquisa sobre as funções de um corpo de saúde em um hospital? Fica a crítica.
Ainda teve tempo, nessa singela homenagem da série, para uma homenagem musical. A produção da série uniu Chico e Gilberto Gil – dois baluartes da música popular brasileira – para escreverem uma canção inédita, totalmente dedicada ao combate ao vírus pelos profissionais de saúde. A música se chama Sob Pressão e, passado todo esse momento que estamos vivendo, com certeza ela ficará como registro histórico deste momento singular da vida humana, como ficaram a Coração de Estudante de Milton Nascimento e as Diretas Já.
Por fim, Sob Pressão conseguiu com proeza manter a pegada de roteiro de uma série intensa, com direção afiada, e conseguiu o grande trunfo de ser mais do que entretenimento comum. Ela impetrou em 2 episódios, com extrema sensibilidade, a homenagem a todos os profissionais de saúde e as condolências por todas as vítimas da COVID-19.
A você, que trabalhou por todos esses meses salvando vidas enquanto nós podíamos estar em casa, a nossa imensa gratidão e carinho. Vocês fazem parte da história, e só conseguiríamos passar por isso tudo graças ao seu trabalho e dedicação pela vida humana. Queremos contar aos nossos filhos que passamos por tudo isso e lembrar como vocês foram primordiais.
A voz de um barco à bordo da alvorada
(Sob Pressão, de Chico Buarque e Gilberto Gil)
O sol da aurora secando o pulmão
Ano passado se eu morri na estrada
Vai que esse ano não morro mais não
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