A guerra não tem rosto de mulher é um livro que aborda a perspectiva feminina da Segunda Guerra Mundial (1930–1945). Ele foi lançado pela primeira vez no ano de 1985. Eu li uma edição em português, lançada pela Companhia das Letras em 2016. Escrito por Svetlana Aleksiévitch, uma autora bielorrussa vencedora do prêmio Nobel de Literatura do ano de 2015.
Não é um livro de uma história só, mas de inúmeras, de mulheres que ocuparam diversos postos na guerra e que tinham realidades tão diferentes até desaguarem na eclosão da Segunda Guerra Mundial. De repente, todas elas estavam imersas em uma realidade que não era a delas e para a qual não estavam preparadas.
Em um dos relatos, uma entrevistada fala justamente sobre isso. Os homens são usualmente preparados para usar uma arma se necessário, uma mulher não. É justamente nesse ponto que o livro se desvia de tudo o que eu já li sobre guerras, todos os exemplares, todas as histórias eram escritas e vividas por homens. Nesse caso, não. Vez ou outra, os maridos das entrevistadas tentavam repassar as coisas da guerra para que elas contassem a “história correta”, numa tentativa de mostrar sempre uma perspectiva heroica.
Em nenhum livro sobre a Segunda Guerra – e não foram poucos os que eu li – o cheiro do sangue foi tão pungente, as feridas eram tão repugnantes e a dor repetitiva que era infligida a cada uma dessas mulheres foi muito dolorosa de se ler. Todos sabemos o que ocorre na guerra, momento em que o pior da raça humana se mostra, sabemos dos estupros, das mutilações, da tortura e das mortes covardes, mas sentir tudo isso é diferente e este livro me proporcionou uma imersão na vida dessas mulheres, marcadas a ferro pela guerra.
A perspectiva masculina quase sempre retrata a guerra como um meio de se alcançar e defender a honra e os ideais, como algo heroico, memorável e desejável. Ser um guerreiro é sempre visto como um ato nobre, lavar a própria honra com sangue sempre parece algo bom. Ainda que contem das atrocidades que ocorrem, eles sempre fazem parecer que todo o sacrifício sempre se sobrepujará à dor de voltar ao lar e nunca mais ter uma noite tranquila de sono – quando voltam.
Eu digo sempre que é preciso se preparar para ler esse livro, mas é simplesmente impossível estar realmente preparada. Em nenhum outro livro a guerra me foi tão próxima quanto em A guerra não tem rosto de mulher, o fato de ser mulher deve ajudar bastante. Mesmo que eu compreendesse a crueldade pela qual os homens passavam, me imaginar no lugar de qualquer dessas mulheres foi um exercício doloroso e cruel. Isso principalmente porque várias das meninas – não mulheres – que eram levadas à guerra tinham a minha idade, meu peso e minha altura. Eu tinha 19 anos quando li o livro, 1,56m e 47kg. Ao pensar que um equipamento militar completo pesa cerca de 30kg, isso era, com certeza, mais do que seria possível de carregar em condições normais, mas não nesses dias, não havia opção.
Elas realizavam atividades rotineiras, consideradas simples, mas extremamente repetitivas. Imagine lavar roupas embebidas em sangue seco, lama e o que mais se imaginar que poderiam ter. Quando tudo secava, o tecido mais parecia com lâminas, de tão duros. É preciso admitir a coragem dessa autora ao buscar todas essas mulheres para tais relatos, e, ainda mais, a bravura dessas mulheres de se abrirem e se permitirem contar tais histórias e abrir as feridas deixadas.
Acredito que, até hoje, o relato que eu nunca vou esquecer é de quando uma mãe precisou afogar seu bebê recém-nascido. Ele chorava muito e havia muitos outros refugiados com ela, o barulho poderia atrair a tropa inimiga, que os mataria no ato. A partir desse dia, toda a nobreza da qual se falava em relação a qualquer guerra que fosse havia sido jogada na lama. A repulsa por qualquer coisa que efetivamente incitasse à guerra tomou conta de mim e nunca mais me deixou.
A guerra não tem rosto de mulher é um exemplar que vale cada página, recomendo muito.
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