Talvez você já tenha ouvido falar que esse é o livro favorito do ano de muita gente, inclusive aqui no nosso Puxando da Estante. Aclamado no exterior, Os sete maridos de Evelyn Hugo (The Seven Husbands of Evelyn Hugo) de Taylor Jenkins Reid, foi trazido ao Brasil pela Companhia das Letras, no selo Paralela. Antes do lançamento oficial, o livro também foi enviado pela TAG Inéditos em parceria com a editora.
Evelyn Hugo foi uma das maiores estrelas de Hollywood desde a década de 1950, mas sua vida e sua figura sempre estiveram cercadas de um certo mistério. Tudo o que se sabia sobre ela, praticamente, era que teve sete maridos. Agora, com quase oitenta anos de idade, Evelyn entra em contato com a jornalista desconhecida Monique Grant com uma proposta: ela conta tudo e, depois de sua morte, Monique publica uma biografia.
Por que, depois de tanto tempo, contar tudo agora? Por que Monique, uma jornalista desconhecida? E quem, afinal de contas, foi o grande amor da vida de Evelyn Hugo?
Os sete maridos de Evelyn Hugo é narrado, a princípio, do ponto de vista de Monique. Pelos olhos (e pesquisas) dela, conhecemos a tão misteriosa personagem que dá nome ao livro. Sob o pretexto de um leilão de vestidos e uma entrevista, Evelyn convida Monique a sua casa, depois revela que quer contar sua “verdadeira história” e que precisa ser ela a publicar uma biografia.
O tempo inteiro, Evelyn diz que não é uma boa pessoa e que tem motivos específicos para ter escolhido Monique para publicar sua história — e que, caso decida não aceitar a proposta, a história morre com ela. É compreensível que inicialmente a jornalista fique receosa, hesitante e cheia de dúvidas. Mas aceita o desafio ainda assim. Um trecho é especialmente marcante:
Ela beberica a água, engole e me olha bem nos olhos. “Quando a gente terminar, você não vai ter mais nenhuma pergunta a fazer”, ela diz. “Tudo isso que você está tão desesperada para saber, prometo que vou esclarecer antes de acabarmos nosso trabalho. Mas só vou falar sobre essas coisas quando eu quiser. Sou eu quem dá as cartas por aqui. E é assim que vai ser.”
(Os sete maridos de Evelyn Hugo, p. 32)
A partir do momento em que a estrela começa a contar sua história, a narração alterna entre as duas personagens, mas como se fosse uma grande entrevista. No presente, vemos as coisas pelo ponto de vista de Monique; no passado, pelo ponto de vista de Evelyn. Em alguns momentos, há inserções de artigos de jornais e revistas antigos, e até de alguns blogs atuais, complementando o que as duas protagonistas nos contam. A narrativa é realmente impecável e faz um ótimo trabalho ao entrelaçar a jornada das duas, revelar os mistérios e amarrar todas as pontas soltas, do começo ao fim.
Cubana-americana, Evelyn Herrera sonhava em ser uma estrela de cinema e estava disposta a fazer o que fosse preciso. Casar para mudar de cidade. Mudar seu sobrenome. Mudar a cor de cabelo. Fazer algumas inimizades. Usar seu corpo como moeda de troca, afinal, era isso que pareciam querer dela. Fazer de sua vida pessoal um espetáculo — e ao mesmo tempo seu maior segredo. E é aqui que chegamos em um ponto-chave da história.
Como até comentamos no cast, um dos efeitos das inserções de artigos da imprensa no livro é mostrar quão pouco sabemos sobre os outros, especialmente quando se trata de alguém famoso. Como bem disse Taylor Swift no prólogo do reputation (2017):
“Achamos que conhecemos alguém, mas a verdade é que só conhecemos a versão da pessoa que ela escolheu nos mostrar. (…) Podemos ouvir rumores sobre alguém e acreditar que sejam reais. Podemos algum dia conhecer a pessoa e nos sentir idiotas por acreditarmos em fofocas sem fundamento. (…) Se você não viu uma foto, não pode ter acontecido, certo?”
(a partir daqui, pode conter alguns spoilers)
Os sete maridos de Evelyn Hugo usa como pretexto a única coisa que se sabe sobre a protagonista, que é o fato de ter tido sete maridos, e entrega a história de uma mulher latina, bissexual, complexa e completamente imperfeita. Os tais dos maridos servem mais como marcação de tempo do que qualquer outra coisa, cada um com um “apelido” provavelmente escolhido pela própria Evelyn: “Don Adler, o Maldito” (ou “o Arrombado”), “Rex North, o Esperto” ou “Harry Cameron, o Brilhante, Generoso e Sofrido”. E, entre eles, o verdadeiro amor da vida dela passou quase despercebido por quem não as conhecia. Acreditar que ela e Celia St. James eram grandes rivais parecia mais fácil do que a verdade.
A própria Evelyn agora parece querer compensar o tempo perdido e deixar claro desde o começo que Celia é quem importa nessa história — e tá tudo bem, porque é o que nós queremos também. Não que as duas sejam um casal perfeito, afinal Celia podia ser tão bifóbica e possessiva quanto muitos homens por aí, além de diminuir o talento de Evelyn em várias ocasiões. Mas torcemos para que as duas se resolvam e se encontrem novamente a cada passo errado. Afinal, lá vamos citar Taylor Swift e o prólogo do reputation mais uma vez:
“O negócio é que, apesar da nossa necessidade de simplificar e generalizar absolutamente tudo na vida, os humanos são intrinsecamente impossíveis de simplificar. Nunca somos apenas bons ou apenas maus. Somos mosaicos de nossas piores versões e de nossas melhores versões (…).”
Muitos acreditavam que tivesse sido Harry Cameron o tal do “grande amor” de Evelyn. De fato, é dele que gostamos. Foi quando esteve casada com ele que Evelyn foi feliz. Foi ele o pai de sua filha, Cameron. Ele foi seu melhor amigo e maior aliado desde o começo, e os dois faziam o impensável para protegerem o outro. O casamento em si pode ter sido uma grande fachada, pelo fato de eles nunca terem sido um casal, mas em muitos aspectos foi o mais verdadeiro.
Ela decide contar sua história real nesse momento porque, segundo ela, não havia mais quem proteger: Celia, Harry, e até Cameron já estavam mortos. Em breve, ela estaria também. Essa é uma obra que provavelmente não existiria se não houvesse homofobia e bifobia, porque não seria preciso proteger ninguém de coisa nenhuma. Mas foi preciso. E, convenhamos, Evelyn Hugo não gosta de fazer nada nos termos de outra pessoa que não os seus, então ela evidentemente gostaria de ter o controle da própria narrativa e ser a única fonte viva garante esse poder.
É difícil acreditar que essa mulher não existiu.
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