A fantasia fantástica, desde o início dos anos 2000, tem ganhado cada vez mais espaço midiático e comercial. São sucessos como Harry Potter, Senhor dos Anéis e Guerra dos Tronos que alcançam níveis acima do esperado em um aspecto comercial transmidiático. São filmes, games e livros que movem mercados bilionários e milhões de fãs por todo o planeta. Mesmo assim, sempre surge uma questão. Será que o Brasil é capaz de produzir literatura fantástica de qualidade? Será que temos essa capacidade imaginativa de transpor e reinterpretar a realidade, seja presente, passada ou futura, a um nível relevante cultural e interessante ao público? A resposta é sim! E nesse texto apresentamos três obras brasileiras que não fazem vergonha a nada do que já é estabelecido internacionalmente.
1. Teatro da Ira – Diego Guerra (Draco)
Teatro da Ira, primeiro livro da série Chamas do Império, é uma das mais gratas surpresas de 2016. Escrito pelo Diego Guerra, o autor demonstra certa bagagem e domínio sobre o tipo de literatura no qual se insere, havendo uma clara influência de George R. R. Martin e outros escritores de fantasia com teor mais político. Personagens “cinzas” – não completamente bons ou maus -, com motivações claras e uma certa complexidade em suas ações fazem com que a leitura crie um ritmo rápido e que, ao fim, lhe faça querer mais. Entretanto, o ponto alto do livro em si não são apenas os personagens, mas sim o universo que Guerra criou para ambientar esse teatro. As interações entre raças, ranços históricos e a formação de mitos e lendas desse mundo nos são postos de maneira concisa, que se enquadra tanto como background para o que ocorre no livro, e tanto quanto estabelece o espaço para futuras continuações, prequels e spin-offs – além de ser muito interessante o universo criado. Se fosse para dar uma nota entre 0-10, seria um 9 e, como não existe 4,5 estrelas, 5 caem bem. O ponto problemático é a dificuldade de se prender a muitos dos personagens, que, mesmo quando correm perigo, não nos dão a sensação de urgência ou empatia para que nos preocupemos. Ansiosamente já esperando o segundo e todos os outros que virão. Outro excelente ponto da obra é que o autor tem um blog onde disponibiliza material complementar para se entender as referências e ampliar esse belo universo.
2. Caçador de apóstolos e Deus Máquina – Leonel Caldela (Jambô)
Dois mitos são criados. Um herói, outro vilão. A profecia destes dois destinos se cruza para definir o destino do mundo. Mas, quando os preceitos dogmáticos da religião não são divinos, como se sabe a linha do destino? A duologia de Urag de Leonel Caldela nos questiona permanentemente sobre destino, religião e como o ser humano pode corromper a pureza. Além disso, traz a perspectiva de dúvida da fé e como somos dominados pelos mecanismos autoritários e estamentais que definem o nosso modo de pensar e de socialização. A verdade é algo moldado. E aquele que é desenhado e determinado como inimigo pode ser, em verdade, nosso salvador. Esses pontos e mais são esquadrinhados numa bela obra reflexiva que se mescla com poderosas cenas de ação épicas e batalhas de cerco. É uma duologia 10/10, um excelente início para a literatura do Cornwell brasileiro.
3. Cemitério de Dragões – Raphael Draccon (Rocco Fantástica)
A mais recente trilogia de um dos mais aclamados escritores de literatura fantástica é um deleite para jovens leitores. A densidade da leitura da obra de Draccon não é essencialmente a questão primordial da obra. Há sim um breve debate sobre vida/morte/ressurreição, mas que não é aprofundado. Entretanto, há uma interessante discussão ao decorrer da série sobre imperialismo, racismo e redenção que, sim, é bastante emocionante. Aliás, emoção é a palavra-chave que define a trajetória desse autor. Além disso, a trilogia tem um grande efeito: você não consegue parar de ler. Os ganchos e os capítulos curtos dão uma formidável dinâmica para os leitores, que são capazes de devorar as quase 900 páginas da trilogia em menos de uma semana. A obra conta com ação dinâmica, romance e terror. Uma versão adolescente de Power Rangers e Jaspion que agrada a todos. E, se você gosta de caçar referências, as obras de Draccon são um prato cheio. Recheadas de inserções que remetem a tokusatsus, filmes de kung fu clássicos e cultura pop em geral. Um pipocão em forma de livro. Nota 4 de 5.
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