Dogtooth é um filme de drama grego de 2009 dirigido e escrito por Yorgos Lanthimos e Efthymis Filippou. Esse é o segundo drama do diretor grego que costuma criar mundos bastante específicos, paralelos à nossa realidade. Sempre criticando a sociedade e exercitando a reflexão dentro do estranho mundo mostrado em seus filmes.
O longa conta a história de três adolescentes que são criados isolados em casa e sem contato algum com o mundo exterior, e essa é a pauta base que o diretor e roteirista grego Yorgos Lanthimos usa para discorrer sobre o que ele quer expor ao mundo com essa película. Além disso, trata do tema da infância e maturidade e faz uso de parábolas, metáforas e alegorias.
O drama usa da bizarrice para escandalizar, e essa é a real vontade do diretor aqui: chocar os mais desavisados e alertar sobre temas sociais com um horror quase que existencial. Então, se você é sensível ou está procurando aqui um filme para te entreter em um domingo à tarde, fuja de Dogtooh. Mas, se juntar filosofia, psicologia, horror e perturbação mental agrada você, parabéns! Você está no lugar certo e o diretor grego vai, sem dúvidas, te recompensar ao final do filme.
É, de fato, muito difícil falar sobre Dogtooth sem tocar em alguma cena e contar spoilers, portanto, sugiro que, a partir de agora se você ainda não assistiu a esse filme, corra lá e depois volte aqui para terminar de ler essa humilde opinião.
[ALERTA DE SPOILERS]
Ao decorrer do filme nos é apresentado toda a família, que é composta por duas garotas (Aggeliki Papoulia e Mary Tsoni), um rapaz (Christos Passalis), seu pai (Christos Stergioglou) e sua mãe (Michelle Valley). O único que visita o exterior é o pai, a mãe fica em casa e certifica que as crianças não tenham contato com televisão, telefone ou até mesmo internet. Até então, eles vivem uma vida tranquila, é nessa parte que o diretor nos fala sobre a infância. Tudo vai bem e os adolescentes brincam das mais bobas brincadeiras e convivem em harmonia. O único contato deles com o exterior é com a segurança Christina (Anna Kalaitzidou) que é contratada para saciar o desejo sexual do filho. LEMBRE DESSA INFORMAÇÃO.
Yorgos Lanthimos não explicita ao espectador sobre o que ele, metaforicamente, quer dizer com aquilo tudo. O espectador é colocado no enredo de bate e pronto e começa a conviver com as loucuras da família. O começo do filme já nos mostra uma lavagem cerebral feita pelo ditado de palavras como “mar” “rifle” e “autoestrada” que são conceituadas deturpadamente e significam coisas diversas como cadeira, lâmpada, uma flor – menos o que elas realmente significam. Inclusive os aviões que são vistos pelos adolescentes como parte do “mundo exterior” são jogados em miniaturas no jardim da casa pela mãe e os meninos acreditam que são os mesmos aviões que viram no céu – mesmo porque veem os aviões em escala pequena da terra.
O pai cuida da educação técnica dos filhos falando sobre questões de matemática e ciências. Também é responsável por alertá-los sobre os perigos do mundo externo e de puni-los quando fazem algo que julga errado. O pai realiza a bizarra missão de não somente mimetizar os animais e brincar com os filhos, mas de fazerem sê-los, e o faz com o cachorro. Ele os adverte que a única maneira de sair da casa é quando um dente canino caísse – um dente canino adulto é muito difícil de cair naturalmente – e está aí a ligação com o título que o diretor grego sempre gosta de fazer em seus filmes.
Outro fato interessante do filme é perceber os momentos de criança em corpo de adulto, e adulto propriamente dito que é protagonizada pelos filhos. O diretor consegue expressar isso através do enquadramento da câmera. Ora, ela corta os pais – o que nos mostra a visão de tamanho de uma criança em relação aos pais – ora ela corta as próprias crianças, o que nos faz julgar a idade mental dela ou também a aclamação do diretor para que a criança dentro dos filhos seja vista.
Outra sacada de câmera interessante do Yorgos Lanthimos é quando aparece uma cena onde está a família toda reunida. A câmera nunca pega os filhos com a face virada para a câmera, ou eles estão de lado ou de costas. Acredito que o autor quis retratar o medo pela figura paterna – que sempre está com o rosto virado para a câmera.
Os meninos seguem com a premissa de estarem em um corpo de adulto, mas agirem como criança. Isso é mostrado, em partes, quando eles estão descobrindo a sexualidade – o irmão começa a apalpar os seios da irmã, mas sem intenção erótica alguma, somente a curiosidade de uma criança – ou na cena onde o rapaz adolescente vai dormir na cama dos pais.
Continuando alheios à realidade do mundo, os pais forjam as mais diversas maneiras de entretê-los e acabam conseguindo até que, por um deslize, tudo vira de cabeça para baixo. Aí começa a conexão do filme com a alegoria da caverna de Platão. “No interior da caverna permanecem seres humanos, que nasceram e cresceram ali” – perceberam a relação entre os meninos e a casa? Pois é! E a história continua…
Christina (Anna Kalaitzidou), a única pessoa do mundo externo com quem os meninos têm contato é o ponto de inflexão do filme. Ela completa a segunda parte do mito das cavernas de platão. “ Podemos nos libertar da condição de escuridão que nos aprisiona através da luz da verdade”, e ela é a luz (ou, pelo menos, o que ela faz) que vai promover a mudança na caverna. O pai descobre que a segurança leva para as crianças fitas VHS de filmes. Imagine alguém que nunca viu nada do mundo assistir Scarface ou O Poderoso Chefão pela primeira vez. Essa é a forma com que o diretor nos mostra que uma simples interferência em um mundo repressivo pode fazer um enorme barulho.
Lembra que eu falei para vocês guardarem a informação acerca do relacionamento sexual do menino com a segurança? Esse é mais um tema-chave que o diretor quis retratar nesse filme. O sexo, para o diretor, também é visto como meio de repressão e de prevenção à rebeldia. O garoto tinha seus impulsos sexuais controlados e então ficava menos inquieto, mas, ao mesmo tempo que o sexo repreende, ele liberta, porque foi através dele que a abertura ao mundo externo começou e a liberdade – mesmo que parcial – chegou até os meninos.
O filme chega ao fim quando uma das garotas – a que assistiu ao filme – quebra os seus dentes caninos (olha a ironia aí hahaha) e se esconde no carro do seu pai, única maneira de se libertar da casa caverna. Pela manhã, o pai vai ao trabalho e ficamos sem saber se a menina que sairá de lá será a adulta que ajudava a irmã com tratamentos médicos, ou a criança que brincava na piscina com os irmãos. Mais uma reflexão para o pós filme, que é milimétrico ao testar a fio os limites de uma educação repressiva.
Esse filme do Yorgos Lanthimos concorreu ao oscar de melhor filme estrangeiro e foi eleito melhor filme da mostra Um Certo Olhar do Festival de Cannes de 2009. É claro que, por se tratar de um filme metafórico, existe abertura para diversas interpretações, e essa é a graça da sétima arte, cada um retira uma visão do que ela nos tem a oferecer. Há quem fale que esse filme retrata o fascismo e etc, então se delicie com o que você achar a melhor representação desse filme!
Só por curiosidade, esse filme faz parte de um movimento chamado pelos críticos de Greek Weird Wave. As motivações para abordagem desses temas têm origem lá nas tragédias gregas da mitologia e se apoiam na atual crise financeira grega, então, se você gostou de Dogtooth, vale a pena assistir a mais filmes desse movimento.
A cena da tradução para os garotos de Fly me to the moon é bizarra demais, né?! Também me assustei muito!
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