Esqueça Banco Imobiliário, War e até mesmo Uno. Os jogos de mesa que vêm se popularizando nos últimos anos têm pouco a ver com eles. Com mecânicas que variam das mais simples às mais complexas e partidas de 10 minutos a 12 horas (estou falando com você, Twilight Imperium), os jogos podem ser cooperativos, competitivos ou mistos e ao menos um deles vai se encaixar com você.
“Por onde começar, então?”
Todos os jogos que eu vou falar aqui estão disponíveis no Brasil. A maior editora nacional atualmente, além de gigantes clássicas como a Grow, é a Galápagos, que traduz e distribui a maioria dos grandes títulos por aqui. Ela também é a nova responsável por Magic: The Gathering e Dungeons & Dragons no Brasil. Na verdade, é ela a responsável pelas edições nacionais de quase todos os jogos que eu vou falar.
Existe, no mínimo, um jogo de mesa ideal para cada um. Existem canais (brasileiros e gringos) no Youtube que são especializados em mostrar como eles funcionam. Também existem várias lojas especializadas e alguns bares, cafés e hamburguerias que disponibilizam todos esses jogos e mais um monte para você jogar e conhecer. A imagem da capa do post, por exemplo, é uma parte do Cardápio de Jogos da Ludus, no centro de São Paulo.
Jogos competitivos
Se você gosta de treta
Não precisa gostar de Game of Thrones, a série de TV, nem de As Crônicas de Gelo e Fogo, a série literária, para gostar de Game of Thrones, o jogo de tabuleiro. É a primeira informação que vou deixar aqui porque é importante e é por experiência própria. Mas, e essa informação eu aprendi com terceiros, é ainda melhor se você já gostar da série.
Resumindo bem, o objetivo é controlar o maior número de fortalezas e castelos no jogo na última rodada. Cabem entre 3 e 6 jogadores, cada um representando uma casa e usando peões de uma cor entre Stark (cinza), Greyjoy (preto), Lannister (vermelho), Tyrell (verde), Martell (marrom) e Baratheon (amarelo). Basicamente, você vai usar as ações do seu turno para invadir territórios vizinhos, às vezes precisando lutar, às vezes vencendo… e às vezes nem tanto. Quem controlar o Trono de Ferro, a Adaga de Aço Valiriano e o Corvo Mensageiro tem certas habilidades especiais. O resto das regras é um pouco complexo de explicar em poucas linhas, e as partidas podem ser um pouco longas, mas passam voando. Se você gosta de treta e estratégia, não vai nem sentir.
Também existe o Munchkin, que foi um dos primeiros jogos de mesa modernos que eu joguei. É um jogo de cartas bem-humorado e extremamente zoeiro inspirado em universos como de RPG, fácil de explicar e de aprender, mas talvez um pouco difícil de jogar bem. Cabem entre 3 e 6 pessoas. Você começa como um humano nível 1, e seu objetivo é chegar ao nível 10. Como subir de nível? Tirando uma carta que diz “ganhe 1 nível”, vendendo itens que valham 1000 de ouro e, principalmente, matando monstros.
São 2 decks: a masmorra e o tesouro. Na sua vez, você abre a porta da masmorra (vira a primeira carta do topo do deck da masmorra) e entra nela (sofre o efeito da carta). Se cair um monstro, você deve lutar com ele; se cair uma maldição, você a sofre; se cair uma nova Classe ou Raça, você substitui a sua atual. Não caindo um monstro, você pode pegar outra carta desse deck, dessa vez fechada. As recompensas dos monstros vêm em forma de tesouros (que podem ser equipamentos, poções ou aquelas cartinhas de +1 nível) e de níveis, mas para isso você precisa matá-los. A sua força é igual ao seu nível mais os bônus de seus equipamentos, ou seja, começa em 1. No começo, o jogo pode até parecer pacífico, porque todo mundo vai subindo de nível na sua, mas dura no máximo até o primeiro jogador chegar ao nível 9. A partir daí, amizade nenhuma resiste a “eu dou +10 de bônus pro monstro”, “eu enfeitiço o monstro e ele vai embora sem te dar níveis” ou “eu que vou lutar com o monstro” (tudo isso são bônus das cartas que você tira nos dois decks).
As partidas podem ser super curtas ou super longas: podem literalmente durar entre 30 minutos e 6 horas, dependendo apenas de quanto você quiser tretar com os amiguinhos.
Tanto Game of Thrones quanto Munchkin quanto as expansões e versões alternativas de ambos saíram aqui pela Galápagos.
Se você prefere estratégia e acumular pontos
O termo Euro (ou Eurogame) se popularizou para se referir a esse tipo de jogo sem muito conflito direto e altamente dependente de estratégia, cujo objetivo principal normalmente é ter mais pontos no fim da partida. O nome vem de uma onda de jogos de mesa do tipo que foram produzidos na Alemanha e, depois, em toda a Europa, há muitos anos. Alguns deles hoje são clássicos, como Catan (Grow/Devir) e Carcassonne (Devir).
Mas talvez o mais simples seja Ticket to Ride, cujo objetivo, basicamente, é fazer pontos construindo trens que ligam certas cidades do mapa do jogo. Para isso, os recursos são cartas de trem de várias cores diferentes e peças de vagões. Cada jogador tem 48 vagões para usar, e a última rodada começa quando alguém estiver ficando sem vagões. Cada trecho entre uma cidade e outra usa um número determinado de vagões, e você vai precisar acumular esse mesmo número de cartas de trem da mesma cor para colocar os vagões no trecho. Não é possível fazer isso “em partes”, então um trecho de 7 vagões vai precisar de 7 cartas da mesma cor. São 8 cores diferentes e um coringa. E alguns trechos pedem cores específicas.
Para melhorar, além dos vagões e das cartas de trem, cada jogador também recebe outro recurso: tickets com missões de caminhos mais longos, valendo mais pontos. São essas missões que vão pautar os trechos escolhidos pelos jogadores, já que tickets não-completados geram pontos negativos no final da partida… e, é claro, vence quem tiver mais pontos.
No seu turno, só é possível fazer uma de três ações: comprar 2 cartas de trem, comprar tickets ou colocar vagões. Isso torna o jogo bem ágil depois de algumas rodadas, já que é basicamente só ver se você pode baixar vagões, se precisa de mais cartas ou se já acabou as missões que tinha e quer completar mais.
Existem várias versões do jogo, cada uma se passando em um lugar diferente, e o melhor para começar é o EUA, que não tem algumas mecânicas mais complicadas da versão Europa. As duas versões, assim como a New York, são lançadas no Brasil pela Galápagos. Também existe uma versão digital do jogo na Steam, que custa menos de 10% do valor da versão física e pode ser um bom termômetro.
Se você só quer se divertir mesmo
Um dos maiores clássicos modernos é o Dixit. Originalmente da francesa Libellud, ele eleva o formato de “jogo de dicas” a outro patamar com ilustrações complexas e uma pequena diferença de mecânica: você se prejudica se der uma dica fácil demais.
A premissa é simples. O jogador da vez é o narrador e deve dar uma dica relacionada a uma carta de sua mão. Os outros jogadores procuram em suas mãos alguma carta que possa ser relacionada com a dica. Todas são embaralhadas e distribuídas na mesa. Os jogadores então devem tentar adivinhar a carta do narrador. Se todos acertarem ou ninguém acertar, todos pontuam exceto o narrador. Se alguém acertar, mas nem todo mundo, o narrador e todos que acertaram pontuam. Vence quem chegar primeiro a 30 pontos.
Dixit já recebeu diversos prêmios no mundo todo e, desde seu lançamento, há mais de 10 anos, teve algumas versões e expansões diferentes. Traduzido e distribuído no Brasil pela Galápagos, é um party game que agrada desde os iniciantes no mundo dos jogos de mesa até quem já joga há muito tempo. Jogam de 3 a 6 pessoas na versão normal e 3 a 12 na versão Odyssey.
Jogos cooperativos
Wil Wheaton disse uma frase em certo episódio de Tabletop, seu programa no Youtube dedicado a jogos de mesa, que eu sempre repito: “já me diverti mais perdendo esse jogo do que vencendo muitos outros”.
Eis um clássico cooperativo e meu jogo favorito de todos os tempos: Pandemic.
Com capacidade para 2 a 4 jogadores na edição base, o objetivo do jogo é encontrar a cura de 4 doenças que estão espalhadas pelo mundo e ameaçando uma pandemia. Jogar é mais simples que explicar, mas lá vai. As doenças são representadas nas cidades do mapa por cubinhos de 4 cores diferentes, cada uma mais concentrada em uma área do mundo e representando uma doença. Cada cidade só pode ter 3 cubos da mesma cor. Se um quarto cubo tiver que entrar, acontece um chamado “surto”: em vez disso, a doença se espalha para todas as cidades vizinhas.
Existem 2 decks no jogo, um chamado “deck de infecção”, que representa as próximas cidades em que os cubinhos de doença vão entrar (cidades infectadas), e outro chamado “deck do jogador”, que é a base de tudo. São as cartas que começam nas mãos dos jogadores, são as cartas que cada um pega no fim de seu turno, são as cartas usadas para encontrar as curas das doenças, são as cartas que ditam o ritmo do jogo… e também são as cartas que podem estragar todos os seus planos se cair uma Epidemia.
Os dois decks têm uma carta de cada cidade do mapa, e o deck do jogador tem cartas a mais: ações especiais sem custo e as temidas Epidemias. A dificuldade do jogo é determinada pela quantidade de Epidemias, que podem ser 4 (médio), 5 (difícil) e 6 (impossível). Note que não existe um nível fácil. Para encontrar a cura de uma determinada doença, é preciso juntar 5 cartas da cor correspondente e levar a um Centro de Pesquisa. “Encontrar a cura” é uma das 4 ações possíveis do seu turno. Você também pode se movimentar pelo mapa, tratar doenças removendo cubos da cidade em que estiver, construir um Centro de Pesquisa, compartilhar uma carta com outro jogador ou usar sua habilidade especial. Cada jogador tem uma função sorteada no começo da partida (são 7 ao todo), e toda função tem uma habilidade especial, desde mover os peões dos outros até impedir a entrada de cubos de doença em cidades próximas.
Existem algumas formas diferentes de perder uma partida de Pandemic: precisar colocar um cubo de uma determinada cor e não haver mais cubos daquela cor na reserva; precisar pegar cartas do deck do jogador e não haver mais cartas; e, finalmente, atingir 8 surtos. E a única forma de ganhar é encontrar as 4 curas.
Por que as Epidemias são tão assustadoras? Porque aumentam a quantidade de cidades infectadas por turno, colocam uma nova cidade em jogo já com 3 cubos de doença e à beira de um surto e, como se não bastasse, ainda fazem você reutilizar imediatamente cartas que já saíram para infectar as próximas cidades. Só por isso. E existem 4–6 delas.
Boa sorte.
Pandemic tem 3 expansões, versões Legacy, uma versão de dados, diversas versões alternativas (como a Cthulhu) e uma edição comemorativa de luxo de 10 anos. Algumas versões alternativas e expansões introduzem mecânicas competitivas, além de modos solo ou com mais jogadores. O jogo base, a primeira expansão (On The Brink/No Limite) e a versão Cthulhu foram lançadas no Brasil pela Devir, há alguns anos, mas ficaram muito tempo fora de estoque. A Galápagos assumiu a série em 2019, acabou de relançar o jogo base e disse que o resto da linha vai sair. Aguardemos.
Jogos mistos (co-op + competitivo)
Normalmente, esse tipo de jogo envolve alguma mecânica de espionagem ou traição. É o tipo que dá mais treta e/ou requer mais estratégia. Um jogo bem famoso desse tipo é Dead of Winter (Galápagos), mas é um jogo denso, rico em história, demorado e ultra difícil que eu não consegui gostar ― e definitivamente não recomendaria a quem não tem o hábito. Vou falar de um bem mais simples, ágil e divertido chamado The Resistance.
The Resistance é um jogo de cartas que acontece em até 5 rodadas e é composto de 2 times formados aleatoriamente: Resistência e Espiões. Os Espiões sabem quem são; a Resistência não sabe quem é quem. O objetivo da Resistência é fazer com que as missões sejam bem-sucedidas; o dos Espiões, que as missões falhem. Cada uma das 5 rodadas corresponde a uma missão; o jogo acaba assim que um dos times completar 3 pontos.
Em cada rodada, um jogador é o Comandante, que deve escolher os participantes da missão correspondente. Todos os participantes recebem uma carta de Sucesso e uma de Fracasso, que devem jogar em segredo e serão embaralhadas e reveladas juntas. Aí é que fica interessante: os jogadores da Resistência só podem usar cartas de Sucesso; os Espiões, de Sucesso ou Fracasso. Mas um só Fracasso dá a vitória da missão aos Espiões.
No Brasil também pela Galápagos, The Resistance comporta de 5 a 10 pessoas.
Jogos rápidos
Alguns dos meus favoritos, como Fluxx, We Didn’t Playtest This At All e Unstable Unicorns, que conheci recentemente, não foram lançados no Brasil. Mas isso não quer dizer que faltam opções.
Em Sushi Go, você tem 10 tipos de cartas ilustradas, 9 tipos de comidas japonesas e 1 carta com hashis (palitinhos), cada uma com certa pontuação. Em cada rodada, os jogadores baixam uma carta da sua mão à sua frente e passam as cartas restantes na mão para o jogador à esquerda, então você nunca tem as mesmas cartas e nunca sabe o que esperar. Vence quem conseguir fazer mais pontos no final.
Sushi Go é um jogo simples, não costuma durar mais que 15 minutos, comporta de 2 a 5 jogadores e combina com todas as idades (mas na caixa diz “a partir de 8 anos”). Também é baratinho e saiu no Brasil pela Devir. Em certo evento literário, uma editora comentou que uma de suas autoras, fã de jogos de mesa, tinha apresentado o jogo às suas filhas, pouco mais velhas que a idade recomendada na caixa, e as transformado em fãs também.
Menções honrosas: Dobble (Galápagos), Hanabi (PaperGames), Love Letter (Galápagos/esgotado) e Tesouro Inca (Grow).
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