Tempo estimado de leitura: 11 minutos e 13 segundos
Uma das grandes apostas de 2022 da Netflix foi o k-drama de fantasia Amanhã. Embora tenha sido um fracasso na Coreia do Sul justamente por escancarar os problemas da sociedade coreana, ele teve um retorno extremamente positivo no resto do mundo. Baseado em uma Webtoon de mesmo nome, Amanhã (Tomorrow), ao longo de seus 16 episódios, acompanha a trajetória dos ceifadores que integram o setor de Gerenciamento de Risco. Com 3 membros, o objetivo dessa equipe não é guiar os espíritos para o além-vida, mas sim impedir que os humanos cometam suicídio.
A líder da equipe é Goo Ryeon (Kim Hee-seon), uma mulher que, embora aparente ser bastante fria, realmente se importa com o trabalho que realiza e está disposta a quebrar alguns protocolos para ajudar aqueles que precisam de sua intervenção. Como seu assistente, nós temos Lim Ryung-gu (Yoon Ji-on), um rapaz sério que gosta de cumprir as regras e que tenta realizar da melhor forma possível seu trabalho, mas se limita apenas às “horas comerciais”, desaparecendo assim que termina seu horário de trabalho – ainda que isso signifique ir embora no meio de uma missão.
Para completar a equipe temos o membro temporário Choi Joon-woong (Kim Ro Woon), um rapaz que se tornou meio-humano, meio-espírito por acidente e precisa trabalhar no além-vida se deseja voltar mais rápido ao seu corpo humano, que se encontra atualmente em coma.
ATENÇÂO!
Esse k-drama trata de temas bastante sensíveis, como suicídio, bullying, transtornos alimentares, abuso sexual, etc. Dessa forma, é importante frisar que não é recomendável a todos. Especialmente, aqueles que estejam passando por alguns desses problemas, que não estejam em um bom lugar mentalmente ou que apresentem sensibilidade a alguns dos temas retratados — principalmente o suicídio, que é uma temática presente em todos os episódios. Se você se enquadra em alguma dessas categorias, não é recomendado que assista a esse drama para evitar mais gatilhos.
Amanhã causou sentimentos conflitantes em muitos telespectadores, e eu admito que compartilhei desse sentimento em um determinado momento. Assim que comecei a assistir, fiquei horrorizada com a forma como a Goo Ryeon tratava as vítimas que estavam tentando ajudar, com palavras bastante duras e que tive a sensação de que apenas piorariam a situação se fosse uma situação real. Mas aí que está… não é uma situação real. É uma fantasia, uma história de ficção. Com o passar dos episódios, a abordagem da chefe do setor de Gerenciamento de Risco se torna mais empática em suas palavras, fazendo até mesmo quem está assistindo se emocionar com elas. Ela toca no ponto certo em diversos momentos. Mostra que quem chegou ao extremo de pensar em tirar a própria vida precisa receber acolhimento, alguém que te escute e valide seus sentimentos, e isso tem uma sensibilidade que eu não consigo descrever em palavras.
Dentre as críticas que esse drama recebeu, uma bem comum era “É um drama irresponsável! Acha que apenas palavras bonitas salvam uma pessoa! Deviam recomendar que ela buscasse tratamento adequado”, mas, embora eu concorde com o fato de que eles poderiam deixar um aviso indicando a necessidade de se procurar profissionais de saúde mental para auxiliar nesses casos, não acho que o que estava acontecendo era somente “falar palavras bonitas e solucionar o problema”. Afinal, validar o que uma pessoa está sentindo em uma sociedade que finge que esses problemas não existem é bastante importante e poderoso. Receber acolhimento em uma sociedade que vira as costas para quem demonstra estar fragilizado e exige que você esconda seus sentimentos, isso faz diferença. O objetivo do drama não é, nem nunca foi, resolver esses problemas sociais. O objetivo não é achar uma solução para os casos de suicídio. Acredito que tem mais a ver com a missão de escancarar a hipocrisia da sociedade coreana e fazer com que as pessoas falem sobre isso. Não por acaso a Coreia do Sul está entre os países com as maiores taxas de suicídio. Não entender isso e reduzir tudo o demonstrado como simplesmente um “drama irresponsável de palavras bonitas”, isso eu discordo.
As atuações desse drama estão simplesmente impecáveis. É muito divertido ver a dinâmica do grupo de Gerenciamento de Risco e a personalidade conflitante dos ceifadores antigos, mais sérios e centrados, com o membro honorário novato, que chega cheio de vida e energia e traz uma perspectiva bastante diferenciada em relação à conduta que a equipe costumava tomar em suas missões de evitar os casos de suicídio. A OST de Amanhã também está muito boa, com sucessos como “Still Love You” e “My Only One”.
Além disso, se prepare para se emocionar e derramar muitas lágrimas enquanto estiver assistindo aos episódios. Com diversas histórias sendo contadas, é difícil não nos identificarmos com a dor de algum personagem. A dinâmica dos episódios, inclusive, é muito boa nesse sentido, porque, embora em alguns momentos você possa ficar com o coração apertado pelas coisas que estão acontecendo, no final de todo episódio tem um epílogo cômico ou fofo. Isso funciona para aliviar a tensão do que acabamos de assistir e mudar o nosso estado de ânimo, fazendo com que a sensação que fique no final seja a de um sorriso, não a de peso pelas coisas tensas que estavam acontecendo. Essa estratégia é muito boa, porque tira o nosso foco da parte “ruim” e permite que a sensação dominante ao final seja algo bom e quentinho.
Um ponto que eu achei bem interessante em relação a Amanhã são as consequências do suicídio em um nível mais profundo de conexão da própria alma. Pessoas destinadas estão conectadas por um laço vermelho na alma delas e, a menos que elas mesmas rompam esse laço, se encontrarão novamente, não importa quantas vezes renasçam. Quando alguém comete suicídio, esse laço é rompido e a pessoa é punida com a separação de quem está ligada a elas pelo destino (famíliares, amigos, seu parceiro romântico). É uma punição dura essa de romper os laços com as pessoas que deveriam estar na sua vida e que você nunca mais irá ver. Isso causa efeitos e afeta não só a pessoa que fica, mas vale também para quem vai embora.
Com essa perspectiva, entendemos mais o porquê de a equipe de Gerenciamento de Risco se esforçar tanto para ter um resultado positivo em suas missões. Ao mesmo tempo em que nos aventuramos nas missões que vão ocorrendo no desenrolar dos episódios, vamos entendendo mais sobre a história dos ceifadores mais antigos e o porquê de eles se importarem tanto com o trabalho que estão executando.
Falar de suicídio é um grande tabu, e sociedades mais conservadoras como a sociedade coreana tendem a tratar dessa temática como sendo consequência de uma pessoa “fraca mentalmente”. Esse entendimento se reflete no além-vida, onde o setor de Gerenciamento de Risco é um setor de que a maioria dos ceifadores não gosta — é por isso que tem apenas 3 membros, enquanto outros setores como a escolta (com os ceifadores encaminhando as almas para o além) têm MUITO mais. Amanhã mostra a dicotomia presente entre os próprios ceifadores: a grande maioria acredita que suicidas não devam ser salvos, pois se tratam de pessoas “fracas” que “não aproveitaram a chance que tiveram e não merecem outra chance de viver”, ignorando completamente o contexto envolvido em uma decisão extrema assim. Também acompanhamos a luta do setor de Gerenciamento de Risco para ser reconhecido, porque o olhar deles para essas pessoas é o de empatia, seguindo o lema “pense em como essas pessoas estavam se sentindo quando escolheram a morte. Posso te garantir que ninguém escolhe a morte sem motivos”. É como uma disputa entre o pensamento conservador da sociedade sul-coreana, que serve apenas para continuar perpetrando mais e mais números de suicidas ao se evitar tratar sobre esse problema, com uma perspectiva mais empática que entende o problema de forma mais estrutural e social do que individual.
Amanhã é um drama de fantasia que não é adequado a todos os públicos – evite assistir se tiver gatilhos com os assuntos tratados, principalmente com questões relacionadas a suicídio. Ainda assim, é um excelente drama que nos faz refletir sobre uma temática que é considerada tabu, não só na Coreia do Sul, mas no resto do mundo também. Seus 16 episódios são pesados, mas há sempre um sentimento de satisfação ao final das missões. É impossível não se emocionar com a dor de algum dos personagens, então prepare os lencinhos quando for assistir. Embora um pouco apressado, o final do drama me deixou com um sentimento de realização por acompanhar uma história que terminou com um final bem feito e coerente, fechando um ciclo de forma bem satisfatória. Eu recomendo esse drama, é um dos melhores que vi no ano até agora.
Mais sobre A-WORLD
Opinião Sincera | See You in My 19th Life
Em See You in My 19th Life, Jieum se lembra de suas vidas passadas. Após a morte precoce na 18ª …
Opinião Sincera | Publishing Love
Publishing Love é um webtoon de comédia romântica escrito por Rosa (Yeondu) e ilustrado por Song Yi. Também conhecido como …