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Existem algumas leituras difíceis de se pôr em palavras. É o caso de Tudo é rio, romance de estreia da mineira Carla Madeira, que além de escritora é também jornalista e publicitária. Lançada originalmente por uma pequena editora em 2014, a obra foi chamando atenção aos poucos ao longo dos anos; por isso, em 2021, quando foi relançada pela Record, não demorou a atingir o status de fenômeno. Foi um dos livros mais lidos, vendidos, recomendados e elogiados do ano, junto com Torto arado.
Pode-se dizer que Tudo é rio conta as histórias de três pessoas — Dalva, Venâncio e Lucy — e como essas histórias se entrelaçam. Dalva e Venâncio são considerados um casal perfeito, até não serem mais tão perfeitos assim, enquanto Lucy é a melhor e mais requisitada prostituta da Casa de Manu. Entre idas e vindas no tempo, se entende de onde eles vêm, por que sentem o que sentem e fazem o que fazem, e como se chegou ao ponto específico em que a autora escolheu começar a contar aquela história.
É um livro bem adulto, por mais de um motivo. O mais óbvio é a história de Lucy, que descreve explicitamente alguns dos encontros sexuais e tudo o que aconteceu para que ela decidisse trabalhar com isso. Mas o principal motivo de ser um livro adulto é que, embora seja possível apontar o dedo para alguns dos personagens e o que fazem em certos momentos, não é esse o objetivo. Esta não é uma história onde se escolhe heróis, vilões, certo e errado. Estão ali todas as nuances, todas as peças do quebra-cabeça que é a vida de cada um; existe uma sutileza que se percebe, e sente, muito melhor com mais maturidade. Ação. Reação. Causa. Consequência. Momento.
Tudo isso só é possível quando a escrita é tão sensível quanto foi a de Tudo é rio. Aqui, a autora consegue brincar com o idioma, com o discurso e com a linguagem do começo ao fim sem perder o leitor. Não me lembro de nenhum diálogo que tenha sido pontuado com os tradicionais dois-pontos e travessão, ou mesmo com aspas; eles correm livres, atravessam a narração e o próprio interior dos personagens. E tudo tem um sentido, dos personagens mais distantes à cena mais absurda, passando por todas as reviravoltas imprevisíveis, das quais a maior talvez seja o final — ou o próprio começo.
O prólogo de Tudo é rio canta a bola: “deguste”. Não precisa correr, nem ler de uma vez só. Mas é realmente desafiador fazer isso quando a leitura é tão envolvente e os capítulos tão curtos. Então não deixe de aproveitar a experiência da forma mais sincera possível; rir, chorar, sublinhar todas as frases que precisam ser lembradas, tomar um café enquanto lê, correr para conversar com alguém. Ou não correr. Pode levar algumas horas ou dias para digerir a leitura. No meu caso, gravar o Puxando da Estante ajudou.
Ainda falta ler Véspera, o mais recente da Carla Madeira, que foi escrito durante a pandemia e muitos dizem ser ainda melhor que Tudo é rio. Por enquanto, já me deixa feliz saber que ela foi a escritora brasileira que mais vendeu livros em 2021. Pelos últimos grandes sucessos, parece que a literatura nacional está em ótimas mãos.
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