Lançado em 2019, primeiramente em Portugal e depois no Brasil, Torto Arado é um romance brasileiro escrito pelo doutor em estudos étnicos e africanos Itamar Vieira Junior. Um sucesso literário aclamado pela crítica, vencedor do Jabuti e indicado a várias premiações, a obra conta a história de duas irmãs que vivem no sertão baiano, próximo à Chapada Diamantina.
Belonísia e Bibiana são duas irmãs nascidas e criadas numa fazenda no sertão da Bahia em regime análogo à escravidão. Elas são marcadas por um acidente que as une durante toda a vida. É assim que somos apresentados a essas irmãs. Pretas, fortes, lutadoras e resignadas. Uma narrativa lírica nos entrega questões que existem até hoje no Brasil: racismo, escravidão rural, machismo, luta de classes e falta de presença do poder público.
Uma ferida aberta da nossa história que ainda atinge uma grande parte de pessoas é explorada de uma forma crua e verdadeira — não “cru” no sentido de naturalizar ou diminuir a dor, mas no sentido de mostrar como se perpetua desde muito antes de as nossas protagonistas nascerem. Entendemos as necessidades e o que os coloca naquela situação, quais são as estruturas que os mantêm onde estão e o que acontece com quem luta contra elas de forma mais efusiva.
Sinceramente, Torto Arado é um dos melhores livros que eu já li. Ele tem mistério, crescimento dos personagens, cultura e história preta. Ele nos faz sair dos livros de História falando da escravidão e sentir de dentro, só que numa época em que ela, teoricamente, não existiria mais. Sair dos grandes personagens e pensar em como isso afeta pequenas comunidades, pessoas reais. Isso me fez pensar sobre como a atual pandemia será descrita nos livros de História. Pois a gripe espanhola é descrita em 2 parágrafos, contada por cima, e matou pelo menos 17 milhões de pessoas. Como as pessoas da época se sentiram? O que elas pensavam? Será que vão descrever a Covid dessa forma?
O que se passou com todas as pessoas na escravidão? Torto Arado nos apresenta isso, vendo do micro. Quanto foi tirado dessas pessoas que têm nome, sobrenome, cujos sentimentos são apresentados? Aquelas imagens nos livros de História passam a ter nomes, sensações, escolhas e deixam de ser apenas estáticas.
Tive a experiência de visitar um engenho de cana-de-açúcar fundado na época da escravidão, e que hoje é uma fábrica, em duas oportunidades: antes e depois de ler o livro. E minha percepção das casas, daquela quantidade enorme de cana-de-açúcar que deveria ser colhida por mãos que eram obrigadas a fazê-lo e que às vezes consideravam a morte a melhor opção, mudou. Hoje eu tenho uma visão completamente diferente do mundo ao meu redor e de como as pessoas que vieram antes de mim são importantes para que eu tenha tudo que eu tenho.
Torto Arado é isso, é uma viagem de consciência. É entendermos que as chances de consertar os erros do passado se encontram agora nas mãos de todos nós. Como diz um ditado ioruba, “Exu matou um pássaro ontem com uma pedra que lançou hoje”.
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