Antes de Crunchyroll e Funimation, conhecer animes era um processo mais complexo para o jovem brasileiro e exigia muita busca e arquivos rmvb. Nos anos 1990 e antes da internet banda larga, a situação era ainda pior, pois dependíamos de passar na televisão aberta ou em canais por assinatura. Apenas um desses canais foi responsável por trazer um conteúdo inovador e adulto de animações e responsável pela chegada de clássicos ao Brasil — a finada Locomotion. Responsável por trazer a solo brasileiro alguns clássicos como Akira e Neon Genesis Evangelion, a Locomotion foi também responsável por trazer aquele que talvez seja o anime mais icônico dos anos 1990: Cowboy Bebop.
Cowboy Bebop, criado por Hajime Yatate e dirigido por Shinichiro Watanabe, é um anime de 1998 que marcou época e trouxe uma revolução gráfica às animações seriadas japonesas, com uma qualidade de produção e trilha sonora que virou referência para as gerações futuras. Fruto de sua época, a obra de Yatate é carregada de referências ao cinema estadunidense e europeu dos anos 1940 a 1970, influências da música também dessas décadas (especialmente dos Rolling Stones) e uma mistura de roteiros, enredos e personagens que é uma colcha de retalhos de referências, formando algo único, uma space opera noir vagabunda. Em resumo, se Quentin Tarantino fizesse um filme espacial, seria Cowboy Bebop.
A sinopse de Cowboy Bebop é simples e clássica de obras noir. Spike Spiegel, ex-membro do Sindicato (máfia), e Jet Black, ex-policial, são dois caçadores de recompensas (ou cowboys) que viajam o espaço na nave Bebop em busca de criminosos e vivem desses bicos. Em suas aventuras, se unem por acaso — ou conveniência — com a ladra femme fatale Faye Valentine, a hacker Edward e o cachorro geneticamente modificado Ein para suas caças, enquanto fantasmas de seus passados os perseguem. Em seus breves 26 episódios, esse quinteto tem suas narrativas aprofundadas e essa apresentação que parece genérica se adensa e se torna uma das grandes histórias da animação japonesa.
O quinteto protagonista é reflexo do tema estrutural da série e do gênero: a solidão e objetivo da vida. Começando por Spike, um ex-membro da máfia que vaga sem objetivo no espaço até o momento em que tem uma pista do paradeiro de seu antigo amor. As pistas de onde Julia se encontra e como as aparições de seu passado surgem são o que dá sentido à sua vida a partir de determinado momento da saga. Já Jet tem seu destino mais bem resolvido e aparentemente já consolida em si a sua solidão. Faye busca o sentido de sua existência e uma maneira de entender quem ela é e Edward busca uma família, após ser abandonada em um lixão na terra. Na construção da história, temos o fortalecimento desse sentimento de família desses membros, especialmente em um espaço limitado. É um pequeno lugar onde eles encontram um lar.
Os episódios de Cowboy Bebop são construídos de maneira semi-individuais, mas se complementando aos poucos. Não tem um arco que ocorre unidirecionalmente em cada episódio, e sim pequenos episódios dedicados a um tema ou personagem e que, esporadicamente, se relacionam ao arco principal. E nisso temos a participação de vários vilões na série, que representam um tipo clássico de antagonista em determinado tema. Temos desde o terrorista de bomba à gangue de ambientalistas que querem causar a volta do ser humano ao estágio animal, do líder de religião fanática na televisão aos vilões mafiosos. Todos eles abordam um tema que pode ter uma discussão aprofundada em conversas sobre a série, ainda que no anime em si sejam brevemente tratados. E nisso temos o principal antagonista de Spike, Vicious, membro do Sindicato, ex-parceiro de Spike e hoje arqui-inimigo. Os conflitos rendem cenas belas como esta:
Em termos artísticos, a série é de vanguarda. Além da ambientação excelente do clima cyberpunk e noir, as lutas são maravilhosas e muito bem animadas e coreografadas. Em um ponto que até Naruto referencia a luta no confronto de Neji e Naruto na primeira parte da saga. A série hoje só é encontrada em formato 4:3, mas vale a pena ser vista em uma televisão. No celular, perde a grandiosidade e detalhes que uma tela maior pode fornecer. Sobre trilha sonora, é recomendado ver com fone ou também em sistema de som bom, pois é muito bem feito. Desde a icônica abertura até as músicas do meio do anime e a trilha específica de cada episódio, temos um desbunde de jazz e blues que dão um belo tom para a aventura que acompanhamos. Aliás, os episódios são chamados de “Sessions”, como apresentações de jazz, e os títulos dos episódios são referências a músicas de blues e de rock clássico; até o nome da nave, Bebop, é o nome de um estilo de jazz dos anos 1940.
O design de produção é sensacional. Cada planeta tem sua personalidade e mostra as consequências da presença humana após a fuga da Terra, que foi destruída após uma explosão na Lua. Há uma referência a Blade Runner e outras obras que inspiram fortemente esse clima pesado, de investigação e cheiro de cigarro. O “ar” de solidão, vastidão e peso se mantém em toda a obra e cada planeta ainda complementa, à sua maneira, esse ponto.
Como já citado, Cowboy Bebop é fruto de sua época. Um dos pontos que hoje incomodam a quem assiste hoje é a hipersexualização de Faye, que vai desde o design de suas roupas à própria característica de personagem femme fatale.Vale ressaltar que no avançar da obra temos um aprofundamento da personagem e esse aspecto é amenizado, mas é um aspecto marcadamente datado da obra. Outro personagem que é datado é a Edward, que é uma hacker bem ao estilo anos 1990, quase uma maga dos códigos. É curioso como é um estereótipo que faz pouco sentido com o maior contato com tecnologia que temos.
Cowboy Bebop é um clássico que merece muito ser visto. É uma das poucas animações que, mesmo passados 23 anos de seu lançamento, ainda impressiona em técnica e permanece atual em seus temas e debates. É uma obra que cresce à medida que avança, especialmente nos últimos 5 episódios. Se nos primeiros 5 vemos uma construção de universo que parece até “ok”, no final temos uma densidade da obra que marca e faz refletir mais sobre cada um dos personagens. Cowboy Bebop será adaptado em live action pela Netflix e o hype é real. Mesmo que a locadora vermelha decepcione, a animação original continua presente e surpreendente.
See you, space cowboy.
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