Einstein provou no início do século passado que o tempo é relativo. A passagem de tempo para uma obra artística não é diferente e, em muitos casos, exacerba essa máxima. Existem obras que nascem já “velhas”, ou que em 2 semanas já parecem datadas, e ainda por cima temos aquelas que estão “à frente de seu tempo” ou são consideradas eternas. Completando 30 anos de lançamento neste ano, o álbum Metallica, o quinto da banda Metallica e mais conhecido como The Black Album, certamente é um caso de buraco de minhoca no espaço-tempo cultural: influente e sucesso em seu lançamento, fruto de uma geração e inspirador e atual ainda três décadas depois.
O Metallica antes do The Black Album já era um sucesso no mundo do metal. Em seu quarto álbum … And Justice for All (1989), a banda tinha emplacado o clipe da música One na MTV, realizado shows pelo mundo inteiro e alcançado uma fama cada vez maior. Entretanto, ainda no nicho dos headbangers. Essa chave virou ao começarem a compor o álbum seguinte e conhecerem o produtor Bob Rock na gravadora, um encontro que mudaria a história. Bob já era produtor de sucesso, tendo produzido o Dr. Feelgood (1989) do Mötley Crüe, Sonic Temple (1989) do The Cult e com grande amizade com a banda Bon Jovi, na época desafeto do Metallica. Os atritos foram enormes para a decisão do produtor, mas a gravadora também quis levar o Metallica para um próximo nível, o que acabou levando Bob a trabalhar com o Metallica como produtor pela primeira vez.
Para ser justo, os créditos de produção de álbuns anteriores do Metallica foram dados à banda e a Flemming Rasmussen. Ele mixou e gravou os álbuns Ride the Lightning (1984), Master of Puppets (1986) e … And Justice for All (1989), entretanto mais com um papel de mixagem e som do que de composição, algo que Bob Rock influenciou na banda.
Essa mudança de perfil de produtor — de alguém com foco mais técnico para alguém que influencia na composição — foi determinante para o que veio no álbum e a grande diferença do The Black Album para os seus antecessores. O primeiro ponto foi Bob falando que a banda compunha com uma salada de riffs, que desperdiçava muita energia e composição em passagens de trechos das músicas que poderiam ser aproveitadas como o centro de canções inteiras. E o segundo ponto é a velocidade das canções. Para ter peso não necessariamente precisa ser rápido, e Bob quis forçar a banda a compor em um ritmo mais lento, mas que ainda trouxesse peso. E um terceiro aspecto foi pôr maior melodia no vocal de James Hetfield, tanto que aqui temos um grande salto em termos de gravação e voz do vocalista da banda.
Sobre as músicas, há muitos aspectos para serem abordados, especialmente sobre os grandes hits, mas aqui seremos breves. A primeira faixa do álbum é a clássica Enter Sandman. Ela continua a tradição do Metallica de sempre abrir com uma faixa explosiva, que dá boas-vindas ao álbum e já faz com que o ouvinte tenha noção do que virá a seguir. Raramente o Metallica erra nas primeiras faixas. Vale lembrar que no Kill ‘em All (1983) temos já de entrada Hit the Lights, no segundo temos Fight Fire with Fire, no Master of Puppets temos Battery e no … And Justice for All temos Blackened. As curiosidades de Enter Sandman surgem já em sua composição. É uma das primeiras canções em que o riff é composto pelo Kirk Hammett, que geralmente compõe apenas os solos das canções. No caso, o riff inicial foi dividido em 3 partes para uma construção e suas derivações ficam semelhantes, o que evita uma salada de riffs e aproveita melhor a melodia. Outro ponto é que essa música não era para ser o primeiro single nem a abertura do álbum. A sugestão de Bob era que fosse Holier Than Thou, a faixa 3 do álbum. A banda, especialmente Lars, insistiram para que fosse Enter Sandman e daí temos um ponto para o Metallica.
Já a faixa seguinte, Sad but True, é uma que tem muita interferência de Bob Rock. Além do que já falamos de realizar riffs mais curtos, essa foi a primeira vez que o Metallica gravou uma música em uma afinação diferente de Mi, baixando 1 tom e usando em Ré. A questão veio a partir de Bob perguntar a James o porquê de as músicas da banda serem quase todas no tom de Mi, e ele responde por ser o tom mais pesado que conseguiriam. Bob então sugere baixarem a afinação e utilizarem em Ré, como o Mötley Crüe utilizou no álbum produzido por Bob. O resultado é que Sad but True é uma massa de peso sonora, gravada com mais de 3 guitarras para sentirmos o peso ao ouvir, e com o conceito de ser mais lenta, mas com notas que reverberam o espaço entre elas. O resultado é magnífico.
A quarta faixa, The Unforgiven, é a power ballad do álbum, com conceito de composição bem interessante. Normalmente, as power ballads são compostas com um verso acústico ou com guitarra limpa e refrão com guitarra distorcida, algo que o Metallica já havia experimentado em Fade to Black, Welcome Home (Sanitarium) e One. Já em The Unforgiven, o peso está no verso e a parte limpa está no refrão, uma troca perceptível e que fez da música um outro hit na MTV — com um clipe que é um documento histórico de modelo de clipes de bandas do início dos anos 1990. Outro ponto são os registros de estúdio de Kirk Hammett gravando o solo da música, com Lars ao fundo rindo dos erros e tentativas e Bob dando bronca: “esse é o solo do guitarrista do ano?”.
A oitava faixa, que também merece um grande destaque, é Nothing Else Matters. A primeira canção romântica do Metallica contou até com violinos da orquestra de São Francisco e mostrou um outro lado da banda. Foi uma música que James escreveu para sua namorada à época sobre o relacionamento à distância e a vida na estrada e embalou várias pessoas apaixonadas. É uma canção que mostra como James evoluiu vocalmente e como a banda amadureceu em termos de composição. Com certeza uma das faixas mais críticas à época por ser uma música mais fácil de ouvir e sem maiores pesos, mas que embala todo roqueiro quando está apaixonado. Já foi regravada pelos mais diversos artistas, tendo até uma versão da Shakira.
As outras faixas, como Wherever I May Roam, Don’t Tread on Me, Through the Never, Of Wolf and Man, The God That Failed, My Friend of Misery e The Struggle Within, seguem o padrão já dito anteriormente de composição mais enxuta e de peso calculado na cadência das notas e não necessariamente na velocidade. Vale ressaltar em Wherever I May Roam o uso de cítara no início da música. Em My Friend of Misery temos a primeira composição dada a Jason Newsted, baixista da banda, que foi bastante sabotado pelo Metallica após assumir a vaga de Cliff Burton, que morreu em um acidente de ônibus na turnê de Master of Puppets.
Inegavelmente, The Black Album é o álbum de maior sucesso comercial do Metallica. Foi responsável por apresentar a banda para uma nova geração e também para um público que ouvia rock, não metal. Para se ter uma ideia, é um álbum ovacionado por artistas desde Ozzy Osbourne ao cantor de reggaeton J Balvin. Entretanto, é o álbum que marca uma mudança drástica nas composições da banda, e isso trouxe muita crítica ao Metallica por parte de seus fãs mais tradicionalistas. Foi o álbum com acusações de que eles “se venderam” e, até hoje, temos fãs que dizem que só ouvem o Metallica até o … And Justice for All. Mas, como a banda recentemente afirmou em entrevistas de 30 anos do álbum, desde a composição de Fade to Black, já no segundo álbum, eles já eram acusados de se venderem. Então, sem nenhum problema, pois a venda foi bem feita.
Em comemoração aos 30 anos, a banda lançou uma versão do álbum, chamada The Metallica Blacklist (2021) e composta só de covers e versões com outros artistas cantando cada faixa. O álbum conta com: Royal Blood, Weezer, Ghost, Miley Cyrus, Elton John, Juanes, J Balvin, Cage The Elephant, Mac DeMarco, Corey Taylor e outros.
Vale a pena assistir ao documentário da série Classic Albums, realizado em 2001, com a banda revisitando as composições após 10 anos. O documentário traz muitos vídeos de bastidores e depoimentos de Bob e da banda que mostram a construção de um clássico.
30 anos se passaram e o The Black Album continua sendo histórico e atemporal. Transformou o Metallica de uma banda de metal importante para uma das mais bem-sucedidas do rock. A partir deste ponto, a história do metal mudou e trouxe ainda mais público para o estilo, sendo influente para vários estilos futuros, como o Metalcore e o NuMetal. É um álbum que não envelhece, mas se rejuvenesce com o tempo.
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