Recentemente o cinema brasileiro tem visto uma nova onda de filmes de comédia com temática nordestina, sendo o grande nome desse momento o cineasta cearense Halder Gomes. Diretor de O Shaolin do Sertão (2016) e Os Parças (2017), o ex-atleta de taekwondo chegou ao sucesso em sua obra de 2013, Cine Holliúdy, um filme em que homenageia suas duas grandes paixões: sua origem nordestina e os clássicos do cinema do século XX. O sucesso de crítica dessa sua obra, além de lhe render convites para as que foram posteriormente lançadas, deu-lhe a oportunidade de criar uma série inspirada no próprio filme do Cine, produzida pela poderosa Rede Globo para o GloboPlay, fazendo uma versão mais estrelada e longa de seu filme.
A 1ª temporada de Cine Holliúdy acompanha o cineasta (ou cinemista, como é chamado na série) Francisgleydisson — conhecido também apenas como “Francis” — na cidade de Pitombas, Ceará, e sua cruzada para a sobrevivência de seu cinema, o Cine Holliúdy. Sua luta começa quando o prefeito Olegário (Matheus Nachtergaele) se casa com Maria do Socorro (Heloísa Périssé), uma dondoca paulista que estava com dificuldades financeiras em São Paulo, e se muda para Pitombas com ela e a enteada Marylin (Letícia Colin). Essa mudança das moças paulistanas para o interior do Ceará gera um rebuliço na cidade, especialmente por Olegário trazer a primeira televisão para Pitombas, ameaçando a existência do cinema. Quem prefere pagar para ver algo a ver de graça?
Com medo de ter de fechar seu cinema, Francis tem uma ideia. Se a televisão vem pegando seu público, é porque na TV as pessoas veem tudo em português, algo mais próximo deles do que o filme repetido estrangeiro. Então, ele vai criar os primeiros filmes em cearencês e transformar Pitombas em um polo cinematográfico do sertão, uma resistência do cinema contra a “modernização” da televisão. Para isso, contará com a ajuda de seu fiel escudeiro Munízio (Haroldo Guimarães) e, curiosamente, da sua antiga rival e agora musa, Marylin. E assim começa o duelo entre cinema e televisão em Pitombas nos anos 1970, como muito bem retratado na música de abertura da série, cantada por Elba Ramalho e Falcão.
Esse enredo criado por Halder Gomes permite que ele mostre todo o seu amor pela era de ouro do cinema (1920-1960), em que temos a construção dos arquétipos de filme que vemos até hoje, como filmes de ação, suspense, terror e aventura. A estrutura dos episódios da série ocorre em 2 camadas: a paródia de filmes clássicos e o enredo pitombeiro. Na primeira, temos em todos os episódios referências diretas a filmes clássicos de Hollywood, como Rebecca (1940) de Hitchcock, Casablanca (1942), Drácula (1937) de Bela Lugosi e, é claro, O Vôo do Dragão (1972) de Bruce Lee. Na segunda, é onde a trama da cidade se desenrola, como o relacionamento de Francis e Marylin e a disputa política de Olegário e o líder da oposição (e dono do bar) Lindoso (Carri Costa). É nesta que a história realmente caminha, trazendo reflexões sobre a sociedade dos anos 1970, que infelizmente não está tão distante do que temos ainda hoje.
Como a obra foi recepcionada pela Globo, há um show de participações especiais na série — e pegamos ótimos easter eggs e referências em todos os episódios. Ver Ingrid Guimarães atuando novamente com Heloisa Périssé aquece o coração de quem já viu Sob Nova Direção. Ney Latorraca revivendo Conde Vlad também é uma autorreferência a sua participação na icônica novela Vamp e lembra também O Beijo do Vampiro, onde interpretou Nosferatu. Sem contar a participação de Falcão como o narrador Cego Isaías. E as participações não se encerram por aí, pois temos também Miguel Falabella, Rafael Infante e Bruno Garcia.
As atuações são o ponto forte da série. Halder soube muito bem escolher os atores para seus papéis, ainda que todos eles fossem caricatos. O elenco conta basicamente com atores realmente nordestinos, sendo a maioria cearense, o que dá autenticidade às falas e expressões. Quando não são nordestinos fazendo esses papéis, como Matheus Nachtergaele e Bruno Garcia, eles ainda realizam o sotaque e expressões de modo convincente ou ao menos aceitável, o que mostra uma boa direção na atuação. Edmilson Filho, que revive o protagonista Francis, está em um papel confortável, onde ele brilha como o arquétipo do herói ingênuo, mas de bom coração. Edmilson usa e abusa do humor físico e de expressões, algo em que ele é muito bom. Letícia Colin atua muito bem e a relação dela com Edmilson traz muita verdade em tela, o que mostra um bom entrosamento no elenco. Dos coadjuvantes, Gustavo Falcão brilha como Seu Jujuba, o assessor da prefeitura, e Haroldo Guimarães como Munízio, o coadjuvante tonto de Francis.
É uma série leve de comédia com temas que já vimos em outras obras, mas com o toque do cinema. Há críticas sobre a administração corrupta na prefeitura e sobre as mudanças do progresso em uma cidade no interior. Sobre essa segunda parte, a série é muito correta em não retratar como um lugar de tolos, apenas mostrando a resistência de uns às mudanças e a empolgação de outros. No tema sobre corrupção, é um discurso que se repete sobre a administração de um ser mesquinho, que pensa em sua satisfação pessoal, mas usa o nome do povo. Interessante é um episódio que critica de modo inteligente quem clama por intervenção militar, lembrando que no período em que se passa a série o país estava em regime militar. A ditadura pode se virar contra quem clama por ela.
Cine Holliúdy é uma série muito divertida e fica ainda melhor se você pegar as referências. Tem um humor rápido e inteligente, mas por vezes repetitivo para quem assiste de uma vez. O cenário, na cidade de Areias, em São Paulo, realmente parece um interior de época. A segunda temporada foi confirmada para 2021, mas com mudanças do elenco, como a saída de Letícia Colin e a entrada de Bianca Bin como par romântico de Francis. O que aguardará o futuro do Cine Holliúdy após a saída de uma de suas estrelas? Só o futuro nos dirá. Mas o que temos certeza é que teremos um pouco mais desta divertida série regional.
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