Originalmente intitulada Monster: The Jeffrey Dahmer Story, Dahmer: Um Canibal Americano é uma minissérie estadunidense original da Netflix lançada em 2022. Em apenas uma semana, a produção se tornou a série de língua inglesa mais assistida do streaming. Seria impossível não alcançar esse sucesso. Foi uma belíssima produção de uma história chocante que tratou questões sociais interessantes.
Não posso deixar de falar do criador Ryan Murphy, responsável por American Horror Story e Ratched, entre outras excelentes produções de enorme sucesso. Ele ainda escreveu e produziu Glee que, apesar de não ser do mesmo gênero, conquistou grandes fãs por 6 anos. Então já é de se esperar uma boa história no mínimo.
Dahmer: Um Canibal Americano é uma minissérie de drama, crime e terror, com 10 episódios de 50 minutos de duração em média. É baseada em histórias reais de Jeffrey Dahmer, um serial killer que matou 17 jovens entre 1978 e 1991 sem ser descoberto. 10 dos 17 eram meninos negros. Então, além de trazer os crimes violentos (que incluíam necrofilia, canibalismo e lobotomia) cometidos pelo assassino em série, a produção também expõe a impunidade sistemática, relacionada ao racismo nos Estados Unidos, o que tornou possível a atuação de Dahmer por tantos anos.
Alerta de spoilers! Infelizmente, seria impossível expressar minha Opinião Sincera sem comentar sobre algumas cenas. Então, siga por sua conta e risco.
A série é produzida de forma muito interessante começando pelo final. O primeiro episódio é o dia em que Dahmer, protagonizado pelo vencedor do Emmy Evan Peters (“American Horror Story” e “WandaVision”), foi pego pela polícia. Ele foi à uma boate LGBTQ+ e atraiu um jovem negro, Tracy Edwards (Shaun Brown), a seu apartamento, onde as coisas começaram a ficar estranhas, violentas e perturbadoras. Por sorte, o jovem fugiu e, com muita dificuldade, conseguiu a atenção de dois policiais que foram até o apartamento e descobriram restos humanos recentes e antigos. A partir desse momento, a série faz uma mistura da linha temporal dos fatos, mostrando a infância, juventude, os homicídios e toda a vida de Jeffrey até o momento de sua morte na prisão em 1994. Essa forma de narrativa pode parecer confusa, mas cumpre o objetivo principal: prender a atenção do início ao fim.
Nos primeiros segundos do primeiro episódio, Glenda (Niecy Nash) está dormindo enquanto passa na TV a notícia onde 5 policiais brancos são acusados de espancar um outro policial que estava a paisana: o policial era negro. E esse é o grande contexto da série: o racismo sistêmico em ações policiais nos anos 90. Os detalhes usados pela produção, que utilizou noticiários e gravações reais em várias cenas, são espetaculares.
O fato é: Jeffrey era loiro, branco, de “boa aparência” e vivia em um prédio em uma comunidade pobre e majoritariamente negra, numa região esquecida e criminalizada pela sociedade. A estratégia de se “esconder” da polícia funcionou. Mesmo com várias denúncias de sua vizinha Glenda sobre o mau cheiro, gritos e barulhos estranhos, ninguém foi ao local. No segundo episódio, que foi bem emblemático, a polícia entregou uma das vítimas (um adolescente asiático) de volta a Dahmer, após sua tentativa de fugir dopado e com graves ferimentos na cabeça. No final do episódio é mostrada a gravação real da ligação que Glenda faz à polícia sobre esse caso e, mais uma vez, é ignorada. É um episódio totalmente chocante.
No sexto episódio intitulado Silenciado, a vítima é Tony (Rodney Burford), um homem negro gay e surdo que tem o sonho de ser modelo. A série criou esse episódio de forma bem mais romantizada, focando na vida e emoções da vítima e sua família, bem como o descaso policial, o que deixou tudo muito mais emocionante e doloroso de assistir.
A série Dahmer: Um Canibal Americano vai além de um entretenimento bizarro. Ela é relevante por abordar não apenas os crimes chocantes de Jeffrey Dahmer, mas também as questões sociais do racismo e da impunidade nos Estados Unidos. Ao destacar a identidade racial das vítimas e a falha do sistema de justiça, a série nos convida a refletir sobre as desigualdades e a importância de dar voz às vítimas e às suas famílias.
Em alguns episódios, a família de Dahmer entra em ação: uma família bem problemática. Sempre que há um assassino em série existe esse interesse em investigar sua família e infância no intuito de justificar ou tentar entender o motivo. Assim, a série dramatiza bastante esses momentos. Mostra que a mãe, Joyce, sofria de depressão pré-natal e pós-parto; que seu pai, Lionel (Richard Jenkins), trabalhava muito e ensinava taxidermia ao pequeno Dahmer. Após muitos anos de brigas, divorciaram-se e literalmente abandonaram o jovem Jeffrey por alguns meses.
Isso quase virou um erro fatal da produção. Um possível dano cerebral na infância, família desajustada e o interesse em taxidermia não justificam a morte de 17 pessoas. Nada justifica. Mas, como falei, explorar o passado e possíveis sucessões de acontecimentos que “transformaram” a pessoa em um assassino atrai o público. De uma forma geral, nós temos o fascínio por assassinatos em série. Tanto que tem o canal Investigação Discovery que só tem esse tipo de programa. Esse fascínio é retratado na série de forma crítica. Enquanto Dahmer estava preso, ele recebia muitas cartas de amor e admiração de seus fãs. Uma verdadeira perversão de valores.
Houve muitas críticas negativas em relação a como os fatos não foram fiéis à realidade e que muitas cenas foram acrescentadas para dramatizar e romantizar certas situações. Trata-se de uma minissérie baseada em acontecimentos reais. Portanto, não é um documentário histórico fidedigno à realidade. Na verdade, nem documentários conseguem tal proeza. A meu ver, essa discussão sobre as imprecisões na série é infrutífera.
Apesar das polêmicas e da repulsa de muitos espectadores, é inegável que a série foi bem elaborada. Passando para a parte mais técnica da produção, é de se notar a qualidade do roteiro em sua forma de narrativa não linear. A construção dos personagens é simplesmente perfeita, principalmente a de Glenda e Tony, que foram os fatores mais “romantizados” que trouxeram equilíbrio a uma série que tinha tudo para ser apenas violenta. Devo comentar sobre o show de atuações de Niecy Nash, Richard Jenkins e, obviamente, Evan Peters com sua atuação minimalista e intensa. Inclusive, Peters recebeu o Prêmio Globo de Ouro de Melhor Ator em Minissérie.
Esteticamente, ela é sombria e perturbadora, com uma iluminação meio escurecida e vintage, contribuindo para o clima de suspense e terror. Os elementos visuais, trilha sonora e direção colaboram para a criação dessa atmosfera. É inevitável não falar sobre o audiovisual dos assassinatos em si. O som produzido pelo ato de Dahmer de cortar as vítimas é bem realista e apavorante. Para muitos críticos, esse toque de extremo realismo deixou a série muito violenta. Do meu ponto de vista, é parte importante do sucesso da obra de arte.
Sendo assim, dou os 5 monstrinhos com toda certeza. A série é bem elaborada e prende muito a atenção. Sou suspeita para falar, pois amo o gênero. Mas, sem dúvidas, essa é uma das melhores séries originais da Netflix. No dia 01/03/2023, a Netflix anunciou em seu twitter que a próxima série da antologia de assassinos famosos será Monstros: Irmãos Menendez: Assassinos dos Pais, que será lançada em 2024. Ficarei no aguardo.
Mais sobre SÉRIES
Puxadinho Cast #110 | One Piece (Netflix)
A Netflix finalmente lançou a adaptação em live action de One Piece. Em meio a desconfianças, a série conseguiu superar …
Puxadinho Cast #108 | BBN Especial: Indicados Emmy 2023
Neste Beyblade News especial, nós comentamos os indicados do Emmy 2023 e quais são nossas expectativas para essa premiação. Dá …