Dark (2017–2020) é, de longe, a melhor produção de ficção científica original Netflix. Caí nela por puro acaso quando já estava na terceira e última temporada. Depois de tantas indicações e de não entender absolutamente nada dos memes e dos comentários alheios, fui vê-la com meus próprios olhos e tirar minhas conclusões. A série nem é tão confusa assim se você presta atenção, mas muuuita atenção mesmo.
Se você ainda não assistiu, vai uma dica! Não pisque, não pense em outra coisa e memorize os detalhes; Dark tá cheia de referências e metáforas que vão sendo explicadas aos poucos e é importante que você guarde algumas informações. Se você ainda tá no meio, calma, vai fazer sentido, eu prometo! Se você já viu, pode prosseguir. O texto tem alguns spoilers, vou compartilhar um pouco do que eu vi e senti assistindo a essa obra.
Dark é a primeira série original Netflix inteiramente alemã. Ambientada em Winden, uma cidadezinha do sudoeste da Alemanha, que tem como principal fonte de renda o trabalho numa usina nuclear, já começamos com o sumiço de Erik Obendorf (Paul Radom). Cidade pequena, adolescente sumido, floresta por todo lado, enredo perfeito para algum louco sequestrador, né não? Mas não é bem isso.
Dark traz a história de um acidente que ocasionou uma fenda no tempo, que permitia que as pessoas viajassem 33 anos para o passado ou para o futuro. Como a caverna que permite fazer essa viagem está dentro da propriedade da usina nuclear, relacionamos imediatamente a ela, mas a coisa é bem maior. Vou adiantando que minha intenção aqui não é explicar a série, mas falar sobre a minha experiência com ela. Já existem muitos guias e árvores genealógicas que vão te fazer entender melhor — ou nem tanto — a trama.
A série nos alerta para os danos que a energia nuclear pode trazer. O acidente que ocasionou a abertura da passagem no tempo ocorreu em 1986, mesmo ano da tragédia nuclear que ocorreu em Chernobyl. Aproveitando isso, Dark aborda também o desligamento das usinas nucleares, planejadas para terminar em 2038 na Alemanha, e a busca do país por fontes de energia limpa e que agridam menos o meio ambiente.
Com o sumiço de mais dois garotos, as pessoas começam a procurar explicações e, descobrindo essa fenda no tempo, tentam mudar o passado, o que pode ser — e quase sempre é — catastrófico. Com o sumiço de Mikkel (Daan Lenard Liebrenz), Jonas (Louis Hofmann) recebe uma visita do seu eu do futuro, o que desencadeia diversos eventos esquisitos. Ele tem a missão de fazer com que as coisas ocorram como devem para quebrar o looping temporal em que Winden está presa e restabelecer a harmonia do tempo.
Por ser ambientado em uma cidade pequena, em que todos se conhecem desde sempre, cada um tem os seus próprios segredinhos. Esse é um ponto que tanto a Martha (Lisa Vicari) quanto a Franziska (Gina Stiebitz) enfatizam muito durante toda a narrativa. Contudo, no final percebemos que, mais do que traições e negócios obscuros, todos fazem parte do grande quebra-cabeças que são as viagens no tempo. Todos mantêm segredo de algo que todos sabem. O diálogo inexiste entre eles nesse sentido, o que gera bastante desconfiança entre os envolvidos. Em um certo ponto, eu não sabia mais em quem acreditar e só segui o fluxo para ver o que ia acontecer em seguida.
Nas primeira e segunda temporadas de Dark, estávamos acompanhando apenas as viagens no tempo. As pessoas do passado, do presente e do futuro transitavam livremente e até encontravam seus pais quando jovens ou elas mesmas de outras épocas. E, ainda que elas tentassem mudar as coisas, tudo acontecia como já estava predestinado a acontecer. Ou seja, o tempo era o senhor dessa história e as coisas estavam fadadas a acontecer sempre das mesmas maneiras, não importava o que fosse feito.
Até aí eu achava a Martha só mais uma peça nisso tudo, mas, no final da segunda temporada, já percebi que a coisa não era bem assim. Na terceira temporada de Dark, somos apresentados a um mundo paralelo em que ela tem o mesmo papel do Jonas: é ela a viajante encarregada de fazer com que tudo ocorra como deve. Em uma referência clara ao mito criacionista, Martha representa Eva e Jonas representa Adam (Adão).
Em muitos momentos, somos levados a acreditar que o romance entre Martha e Jonas e as consequências deste são a “Origem”, a causa dessa irregularidade no tempo. Porém, como quase tudo nessa série, o buraco é bem mais embaixo.
Dark nos traz diversos conceitos que, se você gosta de explorar as possibilidades e as teorias do universo, deve conhecer. Somos apresentados à partícula de Deus, a discussões sobre matéria escura, da qual são feitos os buracos negros, a buracos de minhoca, ao experimento com o gato de Schrödinger, etc. Como cada coisa se encaixa em cada lugar? Nem me atrevo a dissertar sobre isso, só vendo a série mesmo. Até sabermos que existe também um mundo paralelo, muita coisa parece simplesmente impossível ou sem explicação. Depois daí, tudo começa a fazer mais sentido.
Há também diversas referências a passagens bíblicas com o grupo de viajantes no tempo que se autodenomina “Sic Mundus”, que vem de “Sic Mundus Creatus Est” (“E assim o mundo foi criado”). Eles têm a obrigação de alterar diversos acontecimentos para que tudo possa convergir para um lugar comum, para aquilo o que já está escrito.
Outra referência clara é ao mito do Minotauro, que tem uma peça encenada na escola, em que Martha é Ariadne, que usa um fio “vermelho como sangue” para escapar do labirinto. Há também diversos fios vermelhos espalhados: o que envolve as moedas que são enviadas junto com os garotos sumidos; o que marca o livro do H. G. Tannhaus (Christian Steyer); o que guia as pessoas na caverna para a passagem, etc.
No livro “Uma viagem no tempo”, de H.G. Tannhaus, o relojoeiro de Winden, a editora é a “Mino Tauros”. O livro é fictício, mas pode ser adquirido pela Amazon no formato de caderno, clica aqui e dá uma olhada. Você pode usá-lo para não se perder nas suas próprias viagens — no tempo ou só no espaço mesmo.
Depois de muito procurar a “Origem”, ela não está na conexão entre Jonas e Martha, eles são apenas viajantes de seus próprios mundos, originados por uma terceira pessoa. A Origem é fruto de algo mais profundo, de uma dor que não pode ser esquecida e pela qual os protagonistas dos outros dois mundos também tinham passado: perder alguém que se ama. E o causador era alguém que eu nunca imaginaria: o relojoeiro de Winden, H. G. Tannhaus.
Eu gostei muitos dos efeitos especiais das viagens no tempo e dos dispositivos construídos para permitir tais viagens. Confesso que achei o apetrecho para viagem entre os mundos mais legal e moderno. Só achei engraçado o efeito quando eles viajavam, me lembrou muito o pó de pirlimpimpim do Sítio do Picapau Amarelo. A trilha sonora também não deixa nem um pouco a desejar. A harmonia das letras das canções com as cenas era incrível, e as versões de algumas casaram perfeitamente com os momentos.
Os efeitos sonoros também nos ajudam a manter a tensão o tempo todo, já que, a qualquer momento, algo novo e revelador pode acontecer. O efeito base para a sonoplastia foi o efeito Doppler. Já viu esse nome em algum lugar? Pois é, é o sobrenome de um dos personagens principais da trama, Helge Doppler.
A semelhança entre os atores que compõem o elenco de Dark e interpretam o mesmo personagem em épocas diferentes também é assustadora. Para mim, as mais impactantes foram as escolhas dos atores que interpretaram Ulrich Nielsen e Aleksander Tiedemann. Peter Doppler também, mas aí teve uma trapaça: o rapaz que interpreta o ator mais jovem é, na verdade, seu próprio filho.
Dark tem somente três temporadas — e ainda bem, viu! Com a quantidade de teorias e conteúdo que poderia aparecer, ela provavelmente ficaria monótona, confusa e chata. Tem algumas coisas que ficaram no ar, como o que aconteceu com o olho do Woller, mas tudo bem, não é nada que tire o nosso sono à noite. Acredito que foi muito inteligente finalizá-la agora com a história bem fechada e com um desfecho satisfatório.
Curiosidade: Achou o chocolate Raider, favorito do Helge, familiar? Com certeza você já provou ou viu por aí. É o Twix, que tinha outro nome até 1991.
Curiosidade 2: Uma coisa que me deixava agoniada é que os personagens estavam o tempo todo no meio da floresta, mas descobri que isso é muito comum, mesmo em grandes centros como Berlim. As cidades costumam ser cortadas por florestas e andar por elas é bastante comum a passeio, ou mesmo para ir para o trabalho ou para a escola.
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