Desalma (2020) é uma série original Globoplay que transita entre o terror e o suspense sobrenatural. A trama se passa na cidade fictícia de Brígida, fundada por imigrantes ucranianos que vieram para o Brasil em busca de uma vida melhor.
O estopim da história é o assassinato da jovem Halyna (Anna Melo) em 1988 durante a tradicional celebração de Ivana-Kupala, uma festa de origem pagã ligada a ritos que têm o objetivo de atrair sorte no amor e na colheita, considerada uma das principais celebrações do calendário eslavo. A morte de Halyna causa um profundo trauma na pequena cidade, que decide parar de comemorar a festividade. Mas tudo muda 30 anos depois, quando os moradores de Brígida, impulsionados principalmente pela nova geração, decidem retomar a celebração, iniciando uma série de acontecimentos aterrorizantes e sobrenaturais na comunidade.
O que mais chama a atenção nos 10 episódios da primeira temporada da série, escrita por Ana Paula Maia (autora de Enterre seus mortos) e dirigida por Carlos Manga Jr., é a belíssima fotografia — que também impressionou os telespectadores que tiveram a oportunidade de acompanhar a exibição da obra no Festival Internacional de Cinema de Berlim. Um pouco mais escura e composta por imagens naturais belíssimas, a fotografia chega a lembrar um pouco a da série alemã Dark (2017-2020) e ajuda a compor o clima quase constante de suspense ocasionalmente sombrio da pequena cidade. Outra referência à qual ela remete é a série estadunidense Twin Peaks (1990-1991), cujo ponto de partida é justamente o assassinato de uma jovem, que muda para sempre a vida das pessoas da pequena cidade.
A produção artística é um dos principais pontos positivos da série, que mais parece uma obra cinematográfica semelhante às grandes produções estadunidenses e europeias e torna mais prazerosa a experiência para quem acompanha a trama. Outro ponto positivo da série é a própria história, que começa um pouco morna, mas vai se mostrando cada vez mais cativante e surpreendente ao longo dos episódios. Inclusive, os momentos em que a produção mais cresce são justamente aqueles em que ela se aprofunda nos assuntos ligados à bruxaria, ao folclore eslavo e às discussões sobre transmigração de almas e possessões — ou seja, quando ela encarna ainda mais a proposta ser uma série de terror/suspense sobrenatural. As reviravoltas que acontecem principalmente nos episódios finais também contribuem para essa sensação.
A série ainda conta com um elenco do alto escalão da teledramaturgia brasileira. Cássia Kiss interpreta a misteriosa bruxa Haia, mãe de Halyna; Cláudia Abreu dá vida a Ignes, mãe de Anatoli (João Pedro Azevedo), uma criança literalmente assombrada pelos erros cometidos por sua família no passado; e Maria Ribeiro interpreta Giovana, que se muda para Brígida após a morte de seu marido e passa a testemunhar fatos que parecem cada vez mais inexplicáveis.
Apesar dos grandes nomes, uma coisa que costuma ser constante nas produções nacionais — principalmente nas séries produzidas para as plataformas de streaming — e que me incomoda bastante é um tipo de atuação que não soa tão espontânea, pois os personagens parecem falar um português excessivamente formal. Isso não tira necessariamente a qualidade da obra, mas parece limitar o potencial dos atores que conseguem se destacar. No entanto, não acredito que seja um problema com o elenco em si, mas com quem ficou responsável por dirigir os atores, pois todos seguem a mesma linha de interpretação. Acredito que isso seja feito para criar uma sensação de estranhamento em relação aos próprios personagens e ao clima de que existe algo de errado com tudo naquele ambiente, mas acabou não funcionando para mim.
Outro ponto que me incomodou são os chavões que se repetem algumas vezes na série e que estamos acostumados a ver em obras de terror ou suspense, como “Agora você está em Brígida, coisas estranhas acontecem por aqui”. Seria muito mais interessante se isso fosse apenas sugerido de uma maneira menos explícita, já que colocar essas constatações na boca dos personagens pode acabar parecendo forçado. Ainda assim, a produção me surpreendeu pela sua qualidade — que, com certeza, supera outras obras nacionais do gênero que receberam muito mais holofotes, como Supermax (2016).
Desalma é uma daquelas séries nacionais que orgulham, apesar de algumas falhas, e mostram a constante evolução das produções audiovisuais brasileiras, principalmente em relação a gêneros pouco explorados por aqui, como o terror e o horror. Com a segunda temporada garantida para 2021, Desalma merece ser conhecida e acompanhada.
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