Finalmente, depois de quase cinco anos e muitos imprevistos, o The Pretty Reckless está de volta. Death by Rock and Roll, seu quarto álbum de estúdio, é o primeiro em uma nova gravadora (Fearless Records) e com um novo produtor (Jonathan Wyman). E, mais uma vez, uma bela seleção para quem gosta de rock.
Esse é um álbum sobre morte e rock ‘n roll, como bem indica o título. Também é um renascimento, um “grito de guerra pela vida”, como disse a vocalista Taylor Momsen à NME. É um “elogio fúnebre”, segundo a The Forty-Five. A morte está por tudo, particularmente a do produtor e amigo Kato Khandwala, que se foi em um acidente de moto em 2018, e a de Chris Cornell. Talvez a referência mais óbvia a Kato seja a faixa de encerramento, Harley Darling. Mas vamos chegar lá.
Death by Rock and Roll, faixa-título e primeiro single do álbum, abre com a frase “Jenny died of suicide” (“Jenny morreu de suicídio”) — uma referência à personagem de Momsen em Gossip Girl, mas intencionalmente ambígua. A expressão em si, “death by rock and roll” (“morte por rock ‘n roll”), era uma que Kato sempre usava, como uma espécie de lema. A música explora isso por dois lados: o de viver a vida no limite e o de viver uma vida curta. A causa da morte? Ah, é só escrever “rock ‘n roll”.
O instrumental é bombástico e grudento como se esperaria que fosse e não existiria uma forma melhor de começar a contar essa história. É do tipo que não fica marcada como melhor do álbum de primeira, mas que conquista aos poucos. E conquista muito.
As referências e homenagens ao Soundgarden começam cedo, com a participação de Matt Cameron e Kim Thayil em Only Love Can Save Me Now. Taylor sempre foi grande fã da banda e de Chris Cornell e o The Pretty Reckless estava em turnê com eles em 2017. Foi ao fim dessa turnê que Cornell tirou sua própria vida, o que teve um impacto muito forte neles — e, especificamente, na Taylor. Assim que começou a se recompor, compor e planejar o que seria um próximo álbum com o amigo e produtor Kato, ela perdeu Kato também, entrando em uma espiral da qual apenas o amor pela música foi capaz de fazê-la sair.
Pode parecer clichê ver alguns músicos comentando como a música salvou suas vidas, mas às vezes é mais importante ver que os clichês são clichês por um motivo. E que bom que tenha salvado essas vidas. Como, por exemplo, Tuomas Holopainen do Nightwish no auge da depressão pós-demissão da ex-vocalista Tarja Turunen: ele disse com todas as letras que “se matou” em The Poet and the Pendulum, do Dark Passion Play (2007), “para não ter que fazer isso na vida real”.
Sobre a música em si, a melodia segue a mesma pegada da primeira, pesada mas ainda melódica. E a letra é perfeita para os tempos em que vivemos, particularmente para quem passou por algum trauma ainda maior ou tem a saúde mental ainda mais fragilizada (“Pelo som que o mundo está fazendo / Caí tão fundo que só o que achei foi mais perda”). A mensagem que fica é esperançosa, lembrando que são as coisas que amamos que podem nos salvar, como salvaram a Taylor.
And So It Went foi o último single lançado antes do álbum e conta com a participação de Tom Morello, icônico guitarrista conhecido por bandas como Audioslave, onde tocou com Chris Cornell, e Rage Against the Machine. Aqui, Momsen entrega na mesma faixa o vocal áspero pelo qual é conhecida nas músicas mais agitadas e o suave das baladinhas. É uma ótima escolha para single, aliás, com os riffs grudentos e o refrão cantado em coro — se você gosta de Heaven Knows, do Going to Hell (2014), ou de Another Brick in the Wall, do Pink Floyd, essa é para você. Considerando que a letra se trata de como a juventude tem todos os motivos para se revoltar nos dias de hoje, a participação de Tom Morello é ainda mais perfeita.
Momsen escreveu 25 quando tinha 24 anos, “quase 25”, e estava passando por todo aquele luto (a morte de Kato aconteceu poucos meses antes de seu aniversário de 25 anos, e a de Cornell quase um ano antes), então a faixa tem mais que um quê autobiográfico. Ela conta que sempre achou que fosse morrer cedo, até pelo estereótipo já conhecido do astro do rock, e estava em uma fase muito ruim da vida. Mas a faixa é reflexiva e um lembrete de que há uma luz no fim do túnel: “aos 25 e ainda estou viva”, mesmo que suas intenções e tudo que você tinha planejado tenha virado areia e se despedaçado na sua mão.
25 é um destaque do álbum, puxa para o prog, foi single promocional em 2020 e ainda rendeu o primeiro clipe da banda em muitos anos. Jon J, o diretor, já tinha trabalhado com a banda em Heaven Knows e Fucked Up World, do Going to Hell (2014).
My Bones é surpreendente. A melodia e o andamento da música têm tantas camadas que é até difícil falar muito, mas alguns críticos a compararam a bandas como Thin Lizzy e Kiss. É um pouco mais pesada e “bruta” e tem uma pegada mais clássica. Já a letra parece falar dos momentos da vida em que parece não haver mais saída a não ser fugir de toda dor, custe o que custar.
Em Got So High, começa de forma mais óbvia a transição para o lado B do álbum — afinal, ele é mesmo estruturado como um disco que tem essa divisão, apesar de a transição ser sutil. O Pedro, do canal A&P Reacts, também comentou isso no vídeo que fez sobre o álbum, dividindo as duas partes como uma “mais pesada” e outra mais “introspectiva”.
Suspeito que fãs de Blame Me no Going to Hell (2014) vão gostar dessa. É uma baladinha mais acústica extremamente gostosa de ouvir, que fala sobre os riscos de perder o controle.
Broomsticks é um interlúdio que divide as duas partes do álbum e funciona muito bem como interlúdio. Ela tinha sido lançada separadamente para o Halloween e tem um quê de Disney e Tim Burton, mas o impacto não é o mesmo de ouvir no conjunto da obra.
E a maior vantagem de ouvir a faixa anterior no conjunto do álbum é que emenda em Witches Burn. Se a influência do Soundgarden pode ser sentida na maior parte das faixas, aqui ela chega a outro nível: Taylor praticamente encarna Chris Cornell cantando. A mensagem é raivosa e está mais para a de mad woman, da outra Taylor. É difícil escolher favoritas aqui, mas essa é uma delas.
A metáfora de Standing at the Wall, outra faixa mais acústica, parece bem simples de entender: o muro que construímos ao nosso redor para nos proteger do mundo, mas que acaba se tornando uma fonte de solidão e isolamento. Às vezes parece que alimentamos esse isolamento com comportamentos pretensiosos, enquanto às vezes parece que, mesmo que sejamos capazes de escalar o muro, não vai haver ninguém do outro lado.
Turning Gold é a faixa mais pesada e agitada dessa segunda metade, mas ainda soa mais leve e tem influência do country e southern. Talvez porque é mais otimista, de certa forma. Apesar de falar sobre a mortalidade e o conhecido fato de que viver é estar morrendo, parece falar do lugar de alguém que acredita que vai ficar tudo bem e que, no final, vai “se transformar em ouro”.
É oportuno que uma faixa sobre ficar tudo bem após a morte emende em Rock and Roll Heaven, que é especificamente o lado B da abertura do álbum e, talvez, o grande ápice da obra. Aqui, Taylor compôs uma grande carta de amor a Chris Cornell, a Kato Khandwala, à música, ao rock e à vida: “tudo que eu sou hoje é o que você me fez ser”. A faixa está recheada de referências e melodias que devem agradar a quem pura e simplesmente curte o rock, citando diretamente Beatles, Soundgarden, Pink Floyd, Jimi Hendrix, Janis Joplin e Jim Morrison.
Retomando a temática de 25, há uma mudança muito importante quando o refrão, que sempre diz “preciso chegar aos 27 antes de morrer”, muda para “achei que tinha cansado de viver, mas sobrevivi”. É, afinal, o tal grito de guerra pela vida que Taylor diz que o álbum representa. Aprendemos junto com ela que a música precisa continuar e é capaz de nos salvar — tema que já apareceu antes e que agora parece fechar um ciclo.
Se você não esperava que um álbum que começa tão vibrante terminasse em um belo southern, com gaita e tudo, vai se surpreender ainda mais que a jornada até Harley Darling pareça tão natural. Aqui, a “Harley querida” é, no caso, a moto Harley Davidson na qual Kato sofreu o acidente. Aquela que “tirou tudo” de Momsen e que ela personifica para pedir uma carona para a Califórnia, onde veria seu amigo uma última vez.
A faixa é um dos destaques unânimes do álbum e consegue ao mesmo tempo ser triste e otimista, com uma melodia cativante e o tipo de letra feita para cantar junto na estrada. É um encerramento incrível.
Outra coisa que o Pedro do A&P Reacts comentou é que havia um pouquinho de cada subgênero que forma o “ultragênero” rock no álbum. É uma ótima homenagem e síntese de todas essas referências que o The Pretty Reckless carrega, mas não é algo que vem de hoje. O Who You Selling For (2016), álbum anterior da banda, vai de um som mais acelerado no estilo Motörhead como Oh My God a um blues-progzão como The Devil’s Back, passando pelo primeiro single Take Me Down, que tem cara de um clássico até mais antigo. O que é certo é que a banda continua evoluindo e encontrando seu novo caminho. Death by Rock and Roll é muito provavelmente seu melhor trabalho, e Kato ficaria orgulhoso.
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