Na manhã de 23 de julho, o mundo parou um pouquinho com um anúncio surpresa de Taylor Swift: seu oitavo álbum de estúdio, folklore, estaria disponível na madrugada seguinte. Na madrugada, o mundo parou mesmo.
Tão acostumada a escrever sobre sua vida pessoal que passou a ser conhecida por isso — e, porque as pessoas sabem ser horríveis, também várias vezes reduzida a isso —, aqui Taylor toma outro caminho. Durante a quarentena, ela começou a criar personagens, visualizar histórias e ter ideias que não eram necessariamente relacionadas a sua vida. Citando a própria em um texto publicado no Instagram, que faz parte do prólogo de folklore:
“Me vi não apenas escrevendo minhas próprias histórias, mas também escrevendo da perspectiva de pessoas que nunca conheci, pessoas que já conheci e aquelas que gostaria de não ter conhecido.”
O que todos pensamos com o anúncio, o nome do álbum, a descrição e as imagens promocionais foi o single Safe & Sound, que Taylor gravou com a dupla folk The Civil Wars para a trilha do filme The Hunger Games, lançado em 2012, na época do Red.
Ok, nem todos. Muitos também comentaram que a capa do álbum tinha um clima meio black metal atmosférico, talvez como algo da Myrkur. O compositor norueguês Ihsahn até disse no Instagram que a capa de folklore lembrava algumas artes de seu último EP, Telemark. Fica a reflexão.
Mas, de fato, voltando para a Taylor e esquecendo o black metal, a sonoridade geral do álbum é o que esperávamos que ela voltasse a fazer desde o Red. Inclusive lembra um tanto essa fase, mas sob o olhar de uma mulher de 30 anos completamente diferente da que era aos 22. O folklore foi criado, principalmente, em uma colaboração com Aaron Dessner, do The National, onde os dois trocavam trechos de ideias que tinham e compunham em cima deles. Dessner co-escreveu boa parte das músicas e também assina boa parte da produção, junto com Jack Antonoff, que já é parceiro de longa data da Taylor (1989, reputation, Lover). Ela mesma menciona que, em termos de música, Jack “é quase família a essa altura”.
É um álbum coeso que precisa de algum tempinho para digerir, mas à primeira ouvida já conquista. Embora eu goste muito de todas as fases da carreira dela, a Taylor narradora e contadora de histórias é a melhor Taylor, e aqui temos inúmeras provas disso.
faixa a faixa
A faixa de abertura, oportunamente chamada the 1, tem um olhar nostálgico sobre um amor perdido. Nostálgico, mas conformado: o eu-lírico está feliz, e seu amor perdido também, mas se perde pensando como “teria sido legal” se tivessem seguido juntos. É um pouco como se fosse a The One That Got Away da Taylor, tematicamente. De acordo com Dessner, a música não fala do ponto de vista dela, mas de outra pessoa, e “há um pouco do senso de humor dela ali, além desse tipo de tristeza que existe na superfície e lá no fundo”.
O single cardigan, segunda faixa, também tem um quê nostálgico e até alguns paralelos com a anterior. À BBC Radio 1, ela explica que a música fala de um “amor há muito perdido” e de todas as coisas boas e ruins que se sente ao olhar para trás.
A sensação bate mais forte nos mais familiarizados com o histórico dela com Harry Styles, ou com a relação de Rory e Jess em Gilmore Girls: é como se fosse um relacionamento que foi muito especial, mas machucou muito, há muito tempo. E que, mesmo depois de terminar, nunca de fato acabou. Sempre volta para você.
O clipe é belíssimo, dirigido pela Taylor e com fotografia do mexicano Rodrigo Prieto. Lembra bastante o clipe de Falling, do próprio Harry.
Um amigo falou que the last great american dynasty era exatamente a música da Taylor que esperava que eu gostasse no folklore e, de fato, ela tem vários componentes que me interessam: melodia gostosinha, narrativa forte e mulheres “loucas”. Inspirada na vida de Rebekah “Betty” Harkness, antiga dona da mansão de Taylor em Rhode Island, a faixa 3 é um dos destaques do álbum e tem um quezinho de The Lucky One, do Red. Várias das teorias de fãs sugerem que todo o álbum também seria inspirado nela, mas isso é conversa para outra hora.
Entra exile, com participação do Justin Vernon (Bon Iver): a favorita de Florence Welch, e a minha também. Aqui as duas vozes contam suas perspectivas sobre um término e o fato de a narradora ter seguido em frente antes do que o narrador esperava. Apesar de os dois concordarem que o clima na relação sempre foi tenso (“sempre andamos na corda bamba”), ele acredita que tudo aconteceu “do nada” (“levou cinco minutos para você fazer as malas e me deixar”) e ela sente que atingiu seu limite há um bom tempo (“segunda, terceira, centésima chance, se equilibrando em galhos finos”).
A gravação os coloca em lados diferentes no estéreo, fazendo com que essa sensação de “duas vozes conflitantes” seja muito mais forte. A melodia, a princípio calma e lenta, vai crescendo, acelerando e ganhando novas camadas, inclusive nas vozes, o que cria uma atmosfera de urgência e desespero.
A faixa 5, que os fãs treinados já sabem que costuma ser uma das mais pessoais e emotivas em todo álbum da Taylor, é my tears ricochet. Da perspectiva de uma pessoa morta, em seu funeral, falando com a pessoa que a traiu em vida, ela acusa: “se morri para você, por que está no velório? xingando meu nome e desejando que eu ficasse. (…) você usa as mesmas joias que te dei para me enterrar”. É uma metáfora forte, agressiva e triste que lembra um pouco a narrativa de Look What You Made Me Do, carro-chefe do reputation (2017).
Foi a única das 16 faixas do folklore que Taylor compôs sozinha e a primeira composta para o que viria a se tornar o álbum. Vários momentos da letra, como o fim da ponte (“quando você não consegue dormir, ouve minhas melodias roubadas”), apontam para o que ela sentiu com a venda do catálogo de sua antiga gravadora ao empresário Scooter Braun.
Um pouco feliz, um pouco triste, mirrorball soa meio sonhadora e aérea. Pela melodia, talvez fosse uma das menos memoráveis no meu gosto pessoal, mas a letra muda toda a situação. Com um quê de Delicate, do reputation, ela também mistura reflexões internas e algumas críticas afiadas.
Algo que transparece na letra é algo que Taylor já mencionou algumas vezes, como no discurso que fez ao receber o prêmio de Mulher da Década da Billboard em 2019 e no documentário Miss Americana: como ela sempre fez questão de se reinventar. Em partes, faz isso por ser “um espelho” dos que a ofendiam, sempre se esforçando para provar que estavam errados (na música, “posso mudar tudo em mim para me encaixar”). Em partes, porque sente que as mulheres na indústria precisam fazer isso o tempo inteiro para que continuem relevantes (na música, “ainda tento de tudo para que você continue me olhando”).
A faixa seguinte, seven, também é um pouco sonhadora e nostálgica e está entre as favoritas de vários fãs. Nela, Taylor nos leva direto de volta à infância na Pensilvânia, como fez no single natalino Christmas Tree Farm. Trechos como “mesmo que não me lembre do seu rosto, ainda tenho amor por você” passam bem a nostalgia dos tempos “mais simples”, e das pessoas que faziam parte deles.
A melodia de august é uma das mais gostosinhas do folklore inteiro e, em seu ápice, lembra Cruel Summer, do Lover, e Getaway Car, do reputation. Até na narrativa: a faixa fala de perder alguém que nunca foi, de fato, seu. Das falsas esperanças, promessas e ansiedades de um amor de verão que tinha outra pessoa esperando em casa. O eu-lírico é um pouco como a voz/personagem da Taylor em Babe, colaboração dela com o Sugarland e o Pat Monahan do Train.
Em this is me trying, Taylor faz algo que não tinha o direito de fazer: invadir a sessão de terapia de, no mínimo, metade dos fãs. Como em The Archer, do Lover, há uma mistura de autocobrança, ansiedade e insegurança que transborda da letra. Um dos melhores momentos da música é o trocadilho, que infelizmente só funciona em inglês, entre tomar um porre para se anestesiar do sentimento de ser um potencial desperdiçado: “they told me all of my cages were mental, so I got wasted like all my potential”.
Mas também há um quê otimista, que te diz que é bom estar tentando. A letra mistura momentos que parecem crises de ansiedade com momentos que parecem falar da pandemia e momentos que podem estar falando de um relacionamento com problemas. No caso dos problemas de relacionamento, é como uma continuação de Back to December, do Speak Now (2010), e de Afterglow, do Lover.
Já illicit affairs é bem mais direta ao tratar de traição — e relacionamentos secretos que não necessariamente envolvem traição, como ela já escreveu tanto na época do 1989 (2014), mas principalmente traição. A perspectiva aqui é parecida com a de august, de perder aos poucos alguém que nunca foi seu. A melodia também é bem folk, e os acordes do violão são hipnotizantes.
A faixa 11, invisible string, é essencialmente um folk-pop sobre ela e o atual namorado, Joe Alwyn. Com trocadilhos que lembram um pouco Paper Rings, do Lover (“bad was the blood of the song in the cab on your first trip to LA”, falando de Bad Blood, do 1989, lembra “the moon is high like your friends were the night that we first met”, por exemplo), ela constrói uma narrativa sobre o destino.
“Não é lindo pensar que, esse tempo todo, havia um fio invisível ligando você a mim?”
Olá, Your Name, tudo bem?
A sombria mad woman, definida pelo Aaron Dessner como “a faixa gótica do álbum”, fala sobre como, essencialmente, as mulheres são levadas à loucura e depois reduzidas a loucas. Os trechos “um escorpião machuca ao revidar?” e “você cutuca o urso até que mostre as garras” não poderiam ser mais diretos. E não é à toa que é uma das minhas favoritas, como foi e ainda é I Did Something Bad, do reputation.
No âmbito pessoal, ela pode estar cantando para os homens que andaram infernizando sua vida (“é óbvio que querer a minha morte realmente aproximou vocês”) e depois a chamando de mentirosa ou louca, de Kanye West a Scott Borchetta e Scooter Braun. Às mulheres que se manifestaram para questioná-la e saíram em defesa cega deles, Taylor também tem um recado: “as mulheres também gostam de caçar bruxas, fazendo seu trabalho sujo por você, (…) uma boa esposa sabe que deveria estar louca como eu, mas ninguém gosta de uma mulher louca”.
O que eu comentei de epiphany quando ouvi o álbum pela primeira vez é que, sendo fã de Safe & Sound e do System of a Down, não tinha como essa música não me pegar. Aqui Taylor faz uma homenagem aos profissionais de saúde que estão na linha de frente no combate à pandemia de COVID-19, traçando uma comparação com a experiência pessoal de seu avô na guerra. Extremamente triste e lenta, ela faz alusões a como a saúde mental dos que sobrevivem a esse tipo de experiência fica afetada para sempre, com inúmeros casos de trauma e transtorno de estresse pós-traumático.
Não é uma mensagem tão forte anti-guerra quanto a que está presente nas letras do System — é mais um lamento pelo sofrimento dos que estão na linha de frente, seja de uma guerra ou do combate à pandemia, do que de fato um questionamento ou crítica aos poderosos que os colocaram lá. Mas o sentimento me foi bem familiar ao de Soldier Side: “Ele foi tão longe para não encontrar nenhuma esperança, ele nunca vai voltar.”
Em betty, a faixa mais animada do folklore, estamos oficialmente de volta ao country por cinco minutinhos. Ou talvez aproximamos a Taylor do Bob Dylan. Ou ambos. O que você preferir.
O narrador da música é um rapaz chamado James, que canta para Betty, a ex que traiu no verão. James não soube reconhecer os erros que cometeu. Agora, arrependido e sozinho no fim do verão, tenta implorar para ser aceito de volta.
Com peace, o que menos temos é, de fato, paz. Aqui Taylor descreve a extrema exposição de sua vida pessoal a algo que afasta as pessoas e a possibilidade de ser feliz em um relacionamento. Ela parece acreditar que é demais para qualquer um e que por isso nunca será suficiente para ninguém. É uma música sobre a pressão da exposição e a mesma insegurança e ansiedade descritas em The Archer, do Lover.
A lenta e melancólica hoax encerra a versão digital do folklore (a faixa bônus the lakes só vai ficar disponível nas edições físicas). Na letra, o eu-lírico descreve o sentimento de estar em um relacionamento sem sinceridade, ou abusivo, e se acostumar com a tristeza.
Meus destaques pessoais, até agora, foram exile (que talvez tenha assumido o posto de “favorita da carreira”), the last great american dynasty, mad woman, my tears ricochet e this is me trying. A primeira, uma favorita absoluta, e as outras quatro sem ordem específica.
teorias
Em folklore, pela primeira vez, as músicas não tratam necessariamente da vida pessoal da Taylor, e os fãs seguiram direitinho o pedido que ela fez no prólogo do álbum:
“Um conto que vira folclore é um conto que é passado adiante e sussurrado por aí. Às vezes até cantado. A linha entre a fantasia e a realidade fica borrada, e o limite entre a verdade e a ficção fica quase impossível de discernir. (…) Contei essas histórias da melhor forma que minhas habilidades permitiram, com todo amor, fantasia e extravagância que merecem. Agora cabe a você passá-las adiante.”
O que é real? O que é inventado? Onde estão os personagens, e onde está a Taylor? O álbum inteiro tem uma mitologia própria? Será que ele conta uma história só? Ou será que é todo feito de recontos de suas músicas de álbuns anteriores?
São muitas, muitas, muitas teorias, e não vou nem me atrever a entrar em todas aqui, porque duvido que eu sequer saiba todas. Mas vou comentar duas.
A teoria de que o folklore inteiro conta uma história só é baseada em dois fatores:
- A letra de the last great american dynasty, que fala de Rebekah “Betty” Harkness;
- O “Triângulo Amoroso Adolescente” que contém a música betty.
No bate-papo da live de lançamento do clipe de cardigan, Taylor comentou que havia três músicas em folklore que falavam do mesmo triângulo amoroso, mas cada uma da perspectiva de um dos personagens. A suspeita principal é que a trilogia seja composta pela própria cardigan, além de august e betty. Mas o que acontece se a personagem principal de outra música também for Betty? Seria a mesma Betty?
Já a teoria de que o álbum seria basicamente feito de recontos de músicas anteriores veio das várias observações que os fãs vêm fazendo, e que eu mesma fiz aqui várias vezes, de como algumas coisas simplesmente lembram outras. Lembram demais. Como the last great american dynasty (ela novamente) lembra The Lucky One na história, na estrutura e em tudo. Como exile lembra muito The Last Time. Como my tears ricochet lembra até Look What You Made Me Do. Ou como mad woman lembra I Did Something Bad. É possível fazer essa correlação com todas as músicas de folklore, cada uma equivalente a uma ou mais das antigas.
sugestões pós-leitura
Até eu ter tempo de digerir ao menos um pouco do álbum e sentar para escrever o post, algumas amigas e alguns produtores de conteúdo que eu admiro já publicaram suas próprias resenhas, análises, opiniões e até algumas das teorias sobre folklore. Parece um novo favorito quase unânime entre os fãs, o que me deixa bem feliz. Minhas três recomendações principais entre eles para você abrir assim que acabar de ler aqui:
1- Texto da Duds para o Valkírias;
2- Vídeo de estreia do canal da Bruna;
3- E, obviamente, o vídeo do Anderson Vieira.
A crítica especializada também se manifestou positivamente: com média de 89 pontos no Metacritic, folklore supera com folga o Lover, que até então tinha sua melhor avaliação. Na nossa escala de monstrinhos, não teria como não ser um 5.
prólogo completo do folklore traduzido
Começou com imagens. Visuais que apareceram na minha cabeça e atiçaram minha curiosidade.
Estrelas desenhadas em volta de cicatrizes. Um cardigã que, vinte anos depois, ainda carrega o cheiro da perda. Encouraçados afundando mais, mais e mais no oceano. O balanço na árvore da minha infância. Sussurros de “vamos fugir” que nunca são cumpridos. O mês ensolarado de agosto, saboreado como uma garrafa de vinho. Um globo espelhado pendurado em uma pista de dança. Uma convidativa garrafa de uísque. Mãos dadas através de um plástico. Um fio que, para o bem ou para o mal, liga você ao seu destino.
Logo essas imagens na minha cabeça ganharam rostos ou nomes e se tornaram personagens. Me vi não apenas escrevendo minhas próprias histórias, mas também escrevendo da perspectiva de pessoas que nunca conheci, pessoas que já conheci e aquelas que gostaria de não ter conhecido. Um homem exilado caminhando pelo precipício de uma terra que não é a sua, se perguntando como foi que tudo acabou dando tão terrivelmente errado. Um amargo algoz aparecendo no funeral do objeto de sua obsessão. Um garoto de 17 anos parado na sacada, aprendendo a se desculpar. Jovens apaixonados subindo e descendo o verde vivo da High Line. Meu avô, Dean, pousando em Guadalcanal em 1942. Uma viúva desajeitada e sua merecida vingança da cidade que a excluiu.
Um conto que vira folclore é um conto que é passado adiante e sussurrado por aí. Às vezes até cantado. A linha entre a fantasia e a realidade fica borrada, e o limite entre a verdade e a ficção fica quase impossível de discernir. A especulação, com o tempo, se torna um fato. Mitos, contos fantasmagóricos e parábolas. Fofocas e lendas. Segredos escritos no céu para que todos vejam.
No isolamento, minha imaginação está solta e este álbum é o resultado, um conjunto de canções e histórias que saíram como um fluxo de consciência. Pegar a caneta foi a minha forma de escapar para a fantasia, a história e a memória. Contei essas histórias da melhor forma que minhas habilidades permitiram, com todo amor, fantasia e extravagância que merecem.
Agora cabe a você passá-las adiante.
Taylor
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