ESSE CD É INCRIVELMENTE FODA E SÓ MINHA OPINIÃO IMPORTA.
Desculpem o entusiasmo. Estou ouvindo o álbum enquanto escrevo e eu fico muito empolgado, aconselho que vocês façam o mesmo enquanto leem. Eu poderia só usar a primeira frase, mas preciso justificar o porquê de dar nota máxima a esse conjunto de músicas que ficou mundialmente conhecido.
Viva la Vida or Death and All His Friends (ou só Viva la Vida) é o quarto álbum de estúdio da melhor banda do mundo banda britânica de rock alternativo Coldplay, fundada em 1996. Lançado em 12 de junho de 2008, ele é composto de dez faixas, mas não dez músicas (explico isso mais pra frente) e seu lançamento foi cercado de uma leve tensão. No ano anterior, os jornalistas tinham anunciado que a banda faria um hiato de 5 anos, pois não tinham nenhum show nem lançamento programado.
Um adendo para descrever onde estava localizado o Coldplay no fim de 2007 e começo de 2008 no cenário da música mundial: a banda já tinha ganhado 4 Grammys e sido indicada a mais 8. Já fazia turnê mundial, já tinha tocado em estádios e em alguns dos grandes festivais do mundo, como o Glastonbury, como atração principal. Já tinha feito show no Brasil. Estava longe de ser uma banda desconhecida.
Todo lançamento do Coldplay é levado como uma “Era”. Cada era tem uma temática que acompanha as roupas que eles usam, a forma como as letras são abordadas, a ambientação do palco no show e os instrumentos musicais usados. A Era Viva, como é conhecida pelos fãs, não podia ser diferente. O visual foi inspirado na Revolução Francesa, o que já fica evidente na capa do CD, que usa a pintura “A liberdade guiando o povo” de Eugène Delacroix, de 1830. Os temas abordados também trazem questões de igualdade, liberdade e fraternidade (ideais iluministas que guiaram a revolução) amor, revolução. As letras são um pouco mais complexas e ambíguas, saindo do lugar de problemas pessoais e levando a questões mais universais, e novos instrumentos são incorporados, trazendo as músicas para um lugar mais visual – quando eu fecho os olhos, eu vejo as músicas passando na minha frente.
O nome “Viva la Vida“ vem de uma pintura homônima da brilhante Frida Kahlo. Traduzindo diretamente, quer dizer “viva a vida!” ou “viver a vida”, trazendo uma mensagem de que os problemas que existem assolam a todos e, independentemente deles, nos resta viver e aproveitar ao máximo. O assunto também fica levemente presente nas letras.
Com influência direta de uma composição de Jon Hopkins (Light Through the Veins), o CD começa com Life in Technicolor, uma música instrumental, mas não um instrumental qualquer: é um instrumental grandioso, com uma pegada progressiva que começa a aquecer nosso coração para o que vem do resto do álbum. A única parte “cantada” da música é um “Ooooh” bem discreto quase no fim. Uma das propostas da banda é que as faixas fossem interligadas e tivessem o menor tempo possível entre elas e, com isso, a próxima faixa inicia no fim desta.
Cemeteries of London, como o título nos indica, vem falar dos mortos. A música começa num tom introspectivo, como se fosse um fantasma saindo de uma cova numa noite fria de Londres. À medida que a faixa avança, parece que vamos encontrando mais fantasmas nessa marcha, que representa os mortos de uma guerra buscando Deus em seu caminho. No fim da canção parece que essas almas perdidas encontram definitivamente seu lugar, num descanso tocado em leves notas.
Em Lost! a letra reflete o título. A construção poética traz algumas antíteses reflexivas sobre a natureza das ações: “só porque eu estou me perdendo/ não quer dizer que estou perdido/ não quer dizer que vou parar/ não quer dizer que eu já me entreguei”. Traz reflexões sobre nossos posicionamentos no dia a dia, quanto a saber onde estamos e o que estamos fazendo e se realmente somos A pessoa que queremos ser. Talvez apenas tenhamos nos perdido em cada rio que atravessamos. Que música.
Sobre 42, na verdade essa música tinha outro nome, “Thought You Might be a Ghost”, porém o Chris Martin pediu para a banda para mudar para o seu número favorito (referência ao Guia do Mochileiro das Galáxias). Ela também seria o primeiro single do álbum. Mais uma música com a temática acerca dos mortos, dizendo que aqueles que morreram não estão mortos, e sim vivendo na nossa lembrança, ou seja, estão vivos enquanto alguém se lembrar deles (Viva! A vida é uma festa – assistam!). É mais uma música que começa lenta e tem uma progressão incrível e uma parte entre versos com um leve “Uuuuh”. A parte após o refrão é uma das partes mais legais, melodicamente, no CD todo.
Vamos para a primeira faixa que tem duas músicas: Lovers in Japan/Reign of Love. Pra ficar mais fácil, como são duas, vou falar de uma e depois de outra.
Lovers in Japan (meu sonho é ir pro Japão e ouvir essa música com a @, mas não tenho nem dinheiro nem a @, então fica aí o sonho mesmo) é a primeira música que fala de amor, mas amor em tempos de revolução. São duas pessoas que provavelmente foram separadas e o eu-lírico está preso e sendo torturado, apesar de o poema ser bem ambíguo quanto a isso, mas tem certeza da liberdade e de que um dia vai poder ver o sol brilhar novamente.
Reign of Love, a segunda música dessa faixa, é quase uma faixa escondida e é trazida dessa forma. Ela fala sobre o fato de ser prisioneiro, mas preso no reino do amor. Quase como uma contrapartida da música anterior, essa pessoa agora está presa porque deseja, deseja amar. Parece uma declaração de amor às margens de um mar, à pessoa que está presa na música anterior. Com uma melodia muito simples e leve, nos leva a pensar na leveza que o amor nos traz.
Depois, temos mais uma faixa com duas músicas: Yes/Chinese Sleep Chant.
Yes começa com um conjunto de cordas incrível que se repete em algumas partes da música. É de longe uma das músicas que eu menos escutei do CD todo, mas agora ela me soa bem melhor do que há algum tempo. A letra é a mais ambígua de todo álbum e fala sobre expectativa e aceitar sua função. Fala sobre se esconder, fazer planos e avaliar se eles valem a pena. A melodia corrobora essa ideia de algo feito às escondidas.
Chinese Sleep Chant é uma das minhas músicas favoritas de toda a obra. Quase não tem letra, apenas alterna entre 5 palavras em alguns versos: “Fall asleep/ sleep satisfied” ou “sleep crucify”. Como o título diz, é quase uma música para dormir, apesar de trazer riffs de guitarra bem rápidos. É uma virada mais eletrônica depois de uma música com muitos instrumentos, a voz é bem distorcida e quase não dá pra entender a letra. Eu a amo e acho que é uma das músicas desse CD que mereciam mais destaque.
Viva la Vida, nome do CD, é a queridinha de muita gente, fez muitos conhecerem a banda, foi usada no Enem e é a música mais tocada em formaturas nos últimos 10 anos (pelo menos nas que eu fui, ouvi pelo menos 5 vezes em cada uma). Feita para o grande público e para tocar em grandes estádios, a música ganhou vários prêmios, inclusive o Grammy de Música do Ano em 2009. Aqui temos uma melodia grandiosa, contando até com um sino em pleno século 21, que inspira, que traz vontade de vencer – contradizendo sua letra, que fala sobre uma majestade que foi deposta e provavelmente está em vias de ser guilhotinada na Revolução Francesa. Os versos “I used to rule the world/ Seas would rise when I gave the word/ Now in the morning I sleep alone/ Sweep the streets I used to own” (“Eu governava o mundo/ Mares se erguiam ao meu comando/ Agora durmo sozinho/ Varro as ruas que eram minhas”) mostram a diferença entre a opulência anterior da majestade e sua situação futura, provavelmente antes de ser guilhotinada, pois fala que tem certeza que St. Peter (São Pedro, que tem as chaves da porta do céu e permite a entrada das pessoas) vai chamar o seu nome. Apesar de não ser a melhor música do álbum a meu ver, eu a acho incrível e até hoje me arrepio ao ouvir alguma versão ao vivo e me lembrar do show que fui em 2016. Inclusive, prefiro a versão ao vivo à de estúdio. Quem não canta o “Ooooh”, não é mesmo?
Violet Hill, primeiro single do álbum, mostra que o Coldplay sempre traz um CD para romper com a estética do anterior. A faixa fala de um amor às vésperas de uma revolução e de como o mundo estava ao redor desse casal. Traz também uma clara referência religiosa, com uma raposa se mostrando como Deus e criticando o acúmulo de riqueza das igrejas no momento da Revolução Francesa. A última estrofe dessa música densa, tanto melodicamente quanto poeticamente, é muito clara e traz uma melodia simples de alguém que escondeu o amor em um lugar para salvá-lo.
Strawberry Swing é a penúltima faixa e minha favorita de longe. QUE MÚSICA. Ela é leve, bonita, e sua letra é um convite a rever a vida em uma das formas mais incríveis que eu já vi. Eu já ri, já me apaixonei, já chorei, já me perdi e já me achei ouvindo essa música. Ok, vou falar da música em si: a melodia tem uma influência do afropop (estilo de música tribal africana), um baixo muito presente e sintetizadores psicodélicos. Segundo um estudo britânico realizado pelo Dr. David Lewis-Hodgson, essa música está entre as 10 com maior potencial de redução de ansiedade. Ela tem um dos melhores vídeos que eu já vi na minha vida. Um stop-motion com um chão todo pintado de giz onde o vocalista interpreta um super-herói que vai salvar sua amada. O convite a rever nossa posição no mundo está na parte “People moving all the time/ Inside a perfectly straight line/ Don’t you wanna just curve away?” (“Pessoas sempre em movimento/ Em uma linha perfeitamente reta/ Não dá vontade de se curvar pra longe?”). É uma música que nos leva a repensar e aproveitar os momentos e lembrar que todos eles são preciosos. Eu tenho um real carinho por ela, ouço e vejo o clipe sempre que posso.
E agora vamos de última faixa, mais uma com duas músicas: Death and All His Friends/The Escapist.
Death and All His Friends é o segundo título do álbum e uma música que traz muito dele. Incorporando novos elementos, sua melodia inicia devagar e cresce ao longo da música, como a temática da letra. Iniciamos com um piano, falando de amor com uma mensagem incrível (“Só venha, apenas seja paciente e não se preocupe”), e no fim temos uma mensagem contra guerras: de não querer uma guerra contínua, de não querer esse ciclo de vinganças que o ódio nos traz, e de querer colocar um fim nisso. É uma composição incrível.
The Escapist, a última canção do CD, é quase como uma faixa escondida ali. Mais uma influência de Jon Hopkins e sua Light Through The Veins (ouçam essa música, sério), ela tem uma letra muito pequena, com apenas alguns versos. É incrível como um álbum tão grandioso pode acabar de uma forma tão singela. “E no fim nós despertamos e sonhamos com nossa fuga” é toda a letra da música, que foge do contexto do álbum e ao mesmo tempo tem tudo a ver com ele. Esse CD é realmente incrível, ele mostra como o Rock pode ser levado a locais absurdamente novos quando a proposta é se reinventar. Como podemos rever nossa vida e nossa existência diante de tantas possibilidades. Além de músicas muito bem feitas, bem trabalhadas e uma cacetada de prêmios, esse álbum traz um novo Rock e, pra mim, ele está entre os mais importantes do século até agora.
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