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Se a História do cinema italiano dá alguma indicação das renovações e inovações constantes do audiovisual na Itália, Guia Astrológico para Corações Partidos (2021-2022) vem para mostrar que o país também consegue apresentar uma obra de comédia romântica com apelo universal, nos moldes genéricos estadunidenses de seriados da Netflix. Sem perder, é claro, o clássico romantismo italiano e o brilho do gênero.
Baseada no livro de mesmo nome de Silvia Zucca, a série apresenta a vida e pensamentos de Alice Bassi (Claudia Gusmano), uma assistente de produção de televisão de trinta e poucos anos. Com narração em primeira pessoa, um recurso que pode parecer exaustivo em outras obras, Alice se mostra uma personagem interessante e envolvente, fazendo com que o público pouco registre que está sendo guiado por ela. Ambientada na cidade de Turim (Torino), no norte da Itália, Guia Astrológico para Corações Partidos tem pouco de realmente italiano: poderia se passar em qualquer cidade interiorana do mundo. Porém é exatamente esse aspecto que faz com que a conexão com a série seja imediata.
Após ser convidada a presenciar Carlo (Alberto Paradossi), seu ex-namorado e melhor amigo, pedir a atual namorada em casamento em um restaurante, Alice inicia uma espiral de incidentes no dia seguinte: manchar sua saia; insultar seu novo chefe, Davide Sardi (Michele Rosiello), sem saber quem ele é; e receber a notícia de que precisa inventar um novo programa ou está demitida. Desesperada e já imaginando a futura caça a um novo emprego, Alice conhece Tio (Lorena Adorni), um ator de telenovela interessado em astrologia, no banheiro dos estúdios. A amizade entre Tio e Alice é imediata, principalmente depois de ele identificar corretamente o signo da moça (Libra) e adivinhar o péssimo dia que estava tendo. Encantada pelo poder da astrologia, Alice decide começar a reger sua vida através das ideias astrológicas do novo amigo. Para esquecer a situação em que se encontra, ela aceita ir a um encontro com um colega da melhor amiga Paola (Esther Elisha), mas dá errado. O que acaba acontecendo é que ela termina a noite pegando uma carona na moto de Sardi, bêbada, inventando um novo programa: “Stars of Love”, onde Tio guia um convidado pelos 12 signos do zodíaco para encontrar seu amor ideal.
Guia Astrológico para Corações Partidos não tenta fugir dos clichês do gênero de comédia romântica; ao contrário, os abraça confortavelmente, o que traz uma sensação de familiaridade. A série é empática em sua comédia trivial, às vezes boba, e apresenta personagens completos e carismáticos. Torcemos para Alice encontrar o amor e triunfar profissionalmente, embora inicie sua jornada perdida em ambos os aspectos. É uma personagem que teria tudo para cair em um irritante clichê de gênero abobalhado, mas que, por ser altamente relacionável, acaba por fazer com que o espectador tenha empatia por ela e entenda seus motivos.
Apesar da astrologia superficial de Guia Astrológico, que não interfere no brilho da narrativa até mesmo para crentes mais fervorosos, na verdade o tema principal é a agência sobre a própria vida. Tanto Alice quanto Davide estão presos ao passado, sem tomar decisões por si mesmos. Porém, enquanto Alice deseja essa ruptura com o passado, Davide é indeciso em relação a mudar drasticamente de vida. Alice toma decisões, acima de tudo, com base em racionalidades da vida real, sendo esse um dos pontos altos da trama: a emulação da vida real, incorporando com leveza algumas características de comédia romântica, usadas de forma sutil. Ao não se levar tão a sério, a série também nos pressiona a não levá-la a sério, nos mantendo entretidos do primeiro ao último episódio.
As duas temporadas de Guia Astrológico para Corações Partidos têm um ritmo de desenvolvimento que sempre impulsiona a trama para a frente, sem enrolações, de forma dinâmica. Não existe um episódio sem que algo importante aconteça e faça Alice amadurecer. Mesmo que o gancho do final da primeira temporada pareça “quebrar” a trama, ele funciona quando se observa as duas temporadas juntas. No geral, a segunda temporada amarra pontas soltas deixadas pela primeira, principalmente no relacionamento de Alice com Carlo (além da resolução romântica entre os protagonistas).
As brigas entre Alice e seus amigos completam as complexidades da série. Tanto a de Alice e Tio na primeira temporada quanto a de Alice com Paola na segunda mostram que Alice tem suas próprias opiniões e não tem mais receio de emiti-las. Já o “embate” entre Alice e Barbara (Euridice Axen) é calcado demais em ser “diferente” das outras séries com rivalidade feminina, e assim parece fora da realidade, absurdo para uma série tão preocupada em mimetizar a vida real. A representação de minorias fica, mais uma vez no gênero comédia romântica, com os personagens secundários. Porém, por ser uma série de 12 episódios, Paola e Tio são personagens igualmente complexos, talvez mais complexos que Alice, e têm histórias bem desenvolvidas e apresentadas, mesmo com menos tempo de tela.
Apesar de a série apresentar a Itália como um país moderno e jovem, o casamento LGBTQIA+ existe apenas como união legal (o que dificulta a adoção) e o aborto, legalizado desde 1978, é dificultado pela forte religiosidade católica. Nada disso é abordado em Guia Astrológico, o que é vantajoso para o mercado externo, mas limita a obra à generalização estadunidense. Ainda mais pelo fato de a série estar recheada de referências a clássicos românticos, como A Princesa e o Plebeu (1953), 10 Coisas Que Eu Odeio em Você (1999), Norte e Sul (2004) e Jerry Maguire (1996).
Apesar da generalização, a criadora, roteirista e diretora Bindu De Stoppani, juntamente com o roteirista Fabrizio Cestaro e a co-diretora Michela Andreozzi, proporcionam ao espectador de Guia Astrológico Para Corações Partidos uma empatia e nostalgia satisfatória, além de entretenimento garantido com a vida de Alice.
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