A primeira temporada da ousada Lovecraft Country (2020) acabou e deu muito o que falar. A adaptação da série é feita por grandes nomes como J.J. Abrams (Sagas Star Wars e Star Trek), Shannon Houston (Pequenos Incêndios por Toda Parte) e Jordan Peele (Corra!, Nós) e baseada no livro homônimo do autor Matt Ruff, lançado em 2015 nos Estados Unidos pela editora HarperCollins. Aqui no Brasil o livro foi lançado em março de 2020 pela Intrínseca, com o título traduzido para Território Lovecraft.
Desde a sua estreia na HBO em agosto, a série, que mescla sci-fi e horror, cumpriu religiosamente a proposta de ser despadronizada, mas ao mesmo tempo rítmica, evolutivamente falando. Seu roteiro ascendente pode ser adjetivado como uma perspicaz válvula de escape contemporânea e didática que vozes silenciadas sempre esperam quando se veem representadas nas telas.
Ambientada entre o sol escaldante de Chicago e a Segregação Racial dos EUA na década de 1950, Lovecraft Country segue a história do recém-chegado veterano de guerra Atticus Turner (Jonathan Majors), após servir o seu país na Coreia pré K-pop. Entre uma história aqui e uma fofoca ali, Atticus descobre que o seu pai, Montrose Freeman (Michael Kenneth Williams), foi sequestrado e decide partir em busca de respostas. Junto a ele, Letitia Lewis (Jurnee Smollett-Bell), também recém-chegada à cidade e amiga da família, e George Freeman (Courtney B. Vance), tio de Atticus, decidem sair à procura do dito cujo.
A partir daí o trio descobre que o buraco é mais embaixo. Não que seja algo ruim para a história, mas para o público, que assiste ao desenrolar da coisa no conforto do seu lar, é um tanto cômodo. Ver os monstros vampirescos, uma máquina do tempo e uma loira PhD em bruxaria, que não precisa de varinha para fazer um carro dar um triplo mortal carpado no ar – e por que não torcer por eles? – é tranquilo. Somos brasileiros, já vimos coisas piores.
A questão é que, diante de tantas personificações de medos, tensões, representações vívidas e dolorosas do que é ser uma pessoa negra nos anos 1950, Lovecraft Country traz consigo a importância dos valores familiares, aventura, exercício de imaginação e lições que ainda precisam ser trabalhadas em nós como sociedade sete décadas após os acontecimentos, que, nesse recorte, ocorrem na não tão pacata Chicago.
Com a apresentação do seu último episódio, a série obteve números grandiosos, chegando à marca de 881 mil espectadores simultâneos com a TV ligada. Tudo isso para saber o que aconteceria no embate final entre Tic e Christina Braithwhite (Abbey Lee). Com esses números, Lovecraft Country já pode e deve ser considerada uma obra emblemática. Sem querer ser estraga-prazeres, mas a certeza de que a série pode ser uma grande vencedora da próxima edição do Emmy é indiscutível. Favoritem isso e me cobrem depois.
Lovecraft Country é uma série que não tem espaço para sazonalidade. Você pode vê-la hoje, daqui três ou quinze anos, e os temas que a regam serão sempre pertinentes — além dos efeitos visuais, que farão você colocar um sorrisinho no canto da boca.
Bebendo da fonte de fatos como a segregação racial, o fervor da sociedade norte-americana branca, os bastidores dos fatos históricos da época sob nova óptica e brincando com a inserção de fatos atuais (como no oitavo episódio, onde se ouve o discurso de uma garota de 11 anos proferido em 2018 num ato contra a violência armada, o “March for Our Lives” nos EUA; ou no episódio seguinte, quando o tocante poema “Catch the Fire” de Sonia Sanchez é recitado), Lovecraft Country convida o telespactador a refletir e se reeducar no que tange às questões da quantidade de melanina de um ser humano. Pautas desse calibre estão cada vez mais presentes dentro e fora da ficção. Tal questão é como a gravidade: aperta de todos os lados, mas você só percebe quando a sua cara encontra o chão.
Agora chega aqui, rapidinho. Eu falei anteriormente que já vimos coisa pior no nosso dia a dia pelo simples fato de sermos brazucas, não é? Mas, cá entre nós, Lovecraft Country está mais próxima de nós do que imaginamos e eu acho que temos que concordar que ela é também um pouco nossa. No episódio “I am.”, o famoso sétimo episódio para os que, assim como eu, não decoram os títulos dos episódios, a roteirista Shannon Houston revelou que em uma das cenas o figurino de uma das personagens é totalmente — eu disse totalmente — inspirado na nossa onipotente Elza Soares.
Nós brasileiros somos anfitriões nessa eterna festa chamada reviravolta cinematográfica, mas por essa a gente não esperava. Com o andar da nossa carruagem, daqui a pouco vai ser fácil buscar inspiração para um terror que realmente assusta. Não que Lovecraft Country não assuste, não foi isso que eu quis dizer.
Aproveite essa dica com cheirinho de conselho e veja Lovecraft Country. De nada.
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