Comecei a leitura do livro Eu receberia as piores notícias dos seus lindos lábios, de Marçal Aquino, após uma amiga comentar sobre ele e o nome me remeter a uma música que já tinha escutado. Não consegui lembrar qual era até ela falar o nome de um dos personagens principais: Lavínia, que também nomeia a música de Lucas Guido. Esta que repete o nome do livro de Aquino várias vezes.
Dessa forma, iniciei a leitura porque queria entender o que levou Lucas Guido a escrever uma música, que amo, sobre essa obra. Pude compreender o porquê já nas primeiras páginas, ao me perceber presa ao enredo incrível que Aquino desenvolve juntamente a uma escrita genial. Ele até cria um personagem, o professor/filósofo Benjamim Schianberg, autor do livro O que vemos no mundo, citado várias vezes ao decorrer da estória pelo personagem principal Cauby. Esse filósofo fictício do amor vai dar um tempero a mais ao enredo.
A trama é desenvolvida no interior do Pará, a partir da visão de Cauby, e a narração é baseada no saudosismo sobre os dias passados ao lado de Lavínia — às vezes também conhecida como Shirley, o nome que a representa quando está em dias ensolarados. Uma dualidade de pecado, que Cauby faz questão de viver porque “nenhuma vida está completa sem um grande desastre, como afirma Schianberg”. E existe desastre maior que o amor?
“A grande desgraça é que as lembranças não bastam para confortar os amantes. Nunca aplacam. Ao contrário: servem só para espicaçar as chagas daqueles que foram condenados à lepra do amor não correspondido.”
Lavínia-Shirley é uma mulher cheia de dualidades, autossuficiente, confiante e sem medo algum. Paradoxalmente, é também acanhada, com traumas e culpas visíveis em seu rosto. É aquele abismo em que você pula sem pensar duas vezes, porque a força gravitacional nele te atrai como nenhuma outra. Ela é detentora de olhos negros arrebatadores, capazes de derrubar qualquer muro que possa estar entre ela e quem deseja.
Cauby é fotógrafo, e talvez isso seja o motivo que o faz ser tão observador, sempre notando os mínimos detalhes do que está ao seu redor. Principalmente quando as particularidades são as de Lavínia. Ele é quase um apaixonado incorrigível, disposto a entregar tudo de si para viver o amor avassalador que ela proporciona.
“O professor Schianberg diz que a natureza do amor, de não nos permitir escolher por quem nos apaixonamos, é uma rota que pode conduzir à ruína.”
O amor sentido por Cauby é real, selvagem e obsessivo. Aquele que sentimos só uma vez na vida e que nos conduz à ruína. É aquele tipo de amor que nunca abandonará o nosso objeto de desejo, sendo este sempre o nosso ponto fraco. A relação construída por Cauby e Lavínia está longe de ser um romance; é insolente e sem clichês. Beira o proibido e o devasso, sem escrúpulos e filtros. O amor sentido na sua forma mais brutal, desesperadora e ambígua. Atravessado por coragem e impulso, porque até o amor mais insolente precisa disso para acontecer.
A intensidade colocada por Cauby em cada descrição dos momentos vivenciados por ele é surreal, permitindo que eu me sentisse representada por ler sobre alguém que está apaixonado intensamente por outra pessoa. Uma paixão que é ardente, dolorida e dominante. Nada racional, porque, se fosse, não seria paixão.
Como amante das obras literárias internacionais — e, admito, tenho uma leitura escassa de livros de autores nacionais —, foi ótimo ler algo tão minuciosamente brasileiro, com dialetos tão específicos do Nordeste que, como sergipana, não tinha como não amar. Aliás, ele inclusive cita Sergipe rapidamente em uma passagem. Adentrei facilmente na cultura que o livro apresenta, porque os cenários são descritos pelo o autor com zelo e de uma forma natural, então não foi difícil me perceber imersa no enredo. É impossível não se prender a essa trama que ele nos apresenta, permeada de saudosismo e particularidades. Os personagens ditos secundários são construídos tão bem que não passam despercebidos, tendo bastante impacto na história. Com certeza, Eu receberia as piores notícias dos seus lindos lábios é um livro que não pode faltar na prateleira de nenhum amante da leitura.
“Faço parte de uma ínfima minoria (…) um clube de dementes de categorias variadas, malucos de diversos calibres. Gente esquisita, que vive alheia nas frestas da realidade. Só assim conseguem se entregar-se por inteiro àquilo que consagraram como objeto de culto e devoção. Para viver num estado de excitação constante, confinados num território particular, incandescente, vedado aos demais. Uma reserva de sonho contra tudo que não é doce, sutil ou sereno. É o mais próximo da felicidade que podemos experimentar, sustenta Schianberg. Não sei que nome você daria a isso.
Bem, não importa muito.
Chame do que quiser.
Eu chamo de amor.”
Eu também, Cauby. Eu também.
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