Na segunda parte do PuxadinhoCast dessa semana do Rock, eu infiro que Mastodon é a banda que tem salvado o rock nesse momento. Um argumento forte e perigoso, mas com alguns embasamentos que mostrarei nessa Opinião Sincera sobre o megalômano álbum Crack The Skye (2009).
Mastodon não é uma banda simples. Apesar de seus três primeiros álbuns trazerem o som sludge (uma mistura de stoner rock/metal e hardcore) de modo “puro” e não terem uma característica progressiva, Remissions (2002), Blood and Thunder (2004) e Blood Mountain (2006) já traziam em si características conceituais, tendo em vista que, respectivamente, cada álbum representava um elemento: fogo, água e terra. Entretanto, esses conceitos ainda não haviam dialogado com um som progressivo e uno. Não tinha sido explorado como uma história, e sim como uma antologia de canções que tocavam no tema comum.
Nesse sentido, Crack The Skye mostra-se um marco na trajetória da banda, em sentido sonoro e de amadurecimento. Traz a complexidade de uma história e tema e a clássica experimentação necessária para toda grande banda. É a linha que separa os fãs do velho Mastodon para os do novo Mastodon. Como eu preferiria dizer, do jovem Mastodon para o maduro. E maduro não em comportamento, mas sim em criatividade musical e composição, que segue evoluindo nos álbuns seguintes, especialmente no Once More ‘Round The Sun (2014).
Como uma banda que seguiu até o quarto álbum a temática dos elementos, eles não poderiam se furtar de indicar um deles como a linha mestra das composições. Até nisso foram criativos. Escolheram o aether, a junção de todos os elementos e que não tem limites físicos e temporais. Esse conceito, que traz o álbum como a epítome do que até então fora composto, uma ideia de união do que eles já haviam experimentado, ou seja, de sua trajetória, mas ao mesmo tempo uma vontade de ir adiante.
A história é contada por um paraplégico cuja única maneira de andar pelo mundo é a partir de uma viagem astral. Ao se separar de seu corpo, seu plexo solar — o cordão umbilical que segura sua consciência ao corpo — é cortado e ele acaba se perdendo pelo aether, processo narrado pela música de abertura Oblivion. Vale prestar atenção no riff inicial da música que voltará seguidamente no disco, até vocalizado. Entretanto, nosso personagem principal é carregado para um corpo através de um processo de necromancia de uma seita russa que o prende, o que nos conta a música Divinations.
Aí vem a parte mais interessante. Quem poderia imaginar que o corpo “escolhido” seria o de Rasputin na Rússia Czarista? Esse é o processo de assimilação em Quintessence e melhor desenvolvido na faixa de 11 minutos The Czar. The Czar é dividida em 4 partes. A primeira é Usurper, onde nosso personagem se vê dentro do corpo de Rasputin quase matando o Czar. A tramóia é desbaratada e Rasputin é morto na tentativa de saída nas partes Escape e Martyr. Em Spiral, Rasputin e nosso personagem vão para o plano astral.
Rasputin, o sábio, então decide ajudar nosso protagonista a voltar para casa, pois eles percebem no aether que os pais dos meninos estão preocupados, imaginando que ele está morto. Essa decisão é contada depois em Ghost of Karelia. E nessa decisão de tentar realizar a volta ao corpo, contada também na música título Crack the Skye, eles têm de enfrentar Lúcifer, que quer pegar essas duas almas que estão de vacilo no plano etéreo. Essa batalha final é narrada em The Last Baron, assim como a tentativa de “reacoplagem” da alma ao corpo. Se deu certo ou não? Leia os dois últimos versos e tire a conclusão por si:
I was standing staring at the world
And I still can’t see it
Crack the Skye é um álbum cheio de emoção que passa de melodias leves a trechos mais pesados, que definiram a primeira fase da banda. Por conta do tema da viagem astral, o uso de efeitos de delay, chorus e reverb é bem notado, justamente para criar a atmosfera e ambiência. Vale notar que, neste álbum, apenas o guitarrista solo não canta. Os outros 3 membros têm participações vocais que perduram também nos outros álbuns. É um disco sonoramente muito unificado que, do início ao fim, tem uma lógica na composição dos riffs, seguida música por música. E o sentimento de cada verso é cantado não apenas pela voz, mas também por todos os instrumentos. Espero que, se você não ouviu, reserve 51 minutos de seu dia para aproveitar essa viagem astral e musical.
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