A preparação para o lançamento de Human. :||: Nature., nono álbum de estúdio do Nightwish, que saiu hoje, foi tão massiva quanto se esperaria dos finlandeses. Mesmo em meio a uma pandemia, os fãs têm sido presenteados com uma quantidade generosa de conteúdo novo há alguns meses: nome, capa e lista de faixas foram revelados em janeiro, o primeiro single Noise em fevereiro, mais duas músicas em março. Agora em abril, além de um bate-papo com a vocalista Floor Jansen no Spotify chamado Metal Talks, a banda fez uma contagem regressiva falando um pouco de cada faixa. São pequenos vídeos gravados pelos integrantes, cada um diretamente de seu próprio isolamento, que foram liberados diariamente nas redes sociais da banda.
O lançamento, aliás, poderia muito bem ter sido atrasado devido à pandemia, como aconteceu com vários outros, mas algo que Floor comenta no primeiro vídeo da contagem regressiva dá a entender que essa nunca foi a intenção da banda: “Fiquem saudáveis, fiquem dentro de casa. Sei que é entediante, mas em breve vocês terão músicas novas para aproveitar.”
Para aqueles que ouviram Endless Forms Most Beautiful (2015), o conceito e o som de Human. :||: Nature. retomam de onde ele parou. Os temas do álbum giram em torno justamente das palavras “human” (“humano”) e “nature” (“natureza”) e da “human nature” (“natureza humana”), e sua estrutura enquanto álbum duplo captura essas facetas: o CD 1 tem mais foco na humanidade e sua relação com ela mesma e com a natureza, e o CD 2 literalmente se chama “all the works of nature which adorn the world” (“todas as obras da natureza que adornam o mundo”).
A primeira faixa do novo álbum, Music, inclusive tem uma longa introdução instrumental que emenda certinho em The Greatest Show on Earth, épico de mais de 20 minutos que encerra o álbum anterior. Ela tem crescimento gradual e lento, e explode na marca dos 5 minutos com peso, harmonias e um refrão melódico e grudento, já ditando o tom do que vem por aí. Music fala sobre a evolução e história da música, desde os primeiros sons produzidos até os dias de hoje.
Noise, primeiro single e segunda faixa, combina um quê de Dark Passion Play, um quê de Alpenglow e algo novo. Contém quase todos os elementos que fazem da banda o que é hoje, em seu lado mais pesado e épico. O lado mais folk é representado pelo segundo single e quarta faixa Harvest, onde, pela primeira vez, o inglês Troy Donockley, responsável pelos instrumentos de sopro e algumas cordas na banda, assume os vocais principais. Neste álbum foi decidido que, se havia três grandes vocalistas, todos eles deviam ter seu momento de brilhar — uma ótima decisão.
Desde que saíram, as duas já entraram para as minhas favoritas da banda.
Noise explora a relação da humanidade com a tecnologia, particularmente as redes sociais. São ferramentas que a banda curte e acredita serem poderosas e úteis, mas que também nos fazem cair em uma teia de vício, barulho que nos impede de ver uns aos outros e o mundo lá fora. O tema poderia até ser batido se não fosse tão necessário, e já foi abordado por outras excelentes bandas de metal, como o Within Temptation e o Angra, de forma igualmente excelente. Até já falei sobre o álbum Resist e a música Black Widow’s Web por aqui. E Harvest fala da aceitação da morte e de aproveitar a vida, fazendo uma analogia com uma colheita. As harmonias são perfeitas e a música vai conquistando aos poucos. De acordo com o compositor Tuomas Holopainen:
“É uma música que fala de rir da morte. A letra é bem sombria, mas a melodia é animada e há uma longa parte dançante no meio. Nessa música, você está dançando perante a morte; está sorrindo para a foice.”
(Tuomas para a Metal Hammer)
No fim de Shoemaker, existe um dos maiores desafios vocais do álbum, de acordo com Floor: uma parte operática que tinha que ser poderosa, mas não pretensiosa. A música conta “a melhor história real que ninguém conhece”, do geólogo e astrônomo Eugene Shoemaker, que emocionou a banda inteira e foi a inspiração de Tuomas. É um dos destaques do álbum e tem até citação de Romeu e Julieta.
Pan é “uma ode à imaginação”. Citando Tuomas, que cita ele próprio Neil Gaiman na Metal Hammer: “contos de fada são mais que reais: não porque nos dizem que dragões existem, mas porque dizem que dragões podem ser derrotados”. Teatral como Scaretale, aqui há várias referências a grandes obras, a David Bowie, a outros mundos, ao desconhecido e ao contador de histórias. É também uma das participações mais marcantes do guitarrista Emppu Vuorinen no álbum, e o próprio já disse que é extremamente difícil de tocar.
Em um dos vídeos de contagem regressiva, Tuomas explica que How’s The Heart? nasceu da ideia de que “é muito importante lembrar de perguntar, de tempos em tempos, a sua família e amigos, a estranhos e a si mesmo, como anda o coração”. Floor foi até mais direta: a música fala sobre empatia, sobre se preocupar com os outros. Nos tempos que vivemos, eles acertaram em cheio no lembrete. A faixa se aproxima de uma balada, mas tem algumas linhas vocais inusitadas e é grandiosa e grudenta.
Procession tem uma construção curiosa. Sem refrão, ela só vai crescendo e contando a história da criação e destruição da Terra, como a nossa procissão rumo à extinção e ao fim de tudo, passando inclusive por algumas referências de músicas anteriores, como Harvest, para simbolizar a morte/extinção. Foi a primeira faixa escrita e finalizada para o álbum. Também é uma das minhas favoritas. Tuomas diz que é a faixa com os vocais mais emocionantes que já ouviu de Floor e que algumas melodias foram inspiradas pela série Stranger Things, e é possível perceber as duas coisas. No vídeo oficial que a banda publicou com a letra, vemos espécies animais ameaçadas de extinção. É uma marcha fúnebre, um grito de guerra e um pedido de ajuda ao mesmo tempo — o “we were there and will remember mankind” (“nós estivemos ali e vamos nos lembrar da humanidade”) da última estrofe é, pra mim, como uma continuação do “we were here” tão presente no álbum anterior.
Tribal foi a música que fez o baterista recentemente oficializado, Kai Hahto, precisar mudar seu kit, porque o que tinha simplesmente não era grande o suficiente para tanta percussão. Também é um prato cheio para quem gostou de Weak Fantasy, do Endless Forms Most Beautiful, mas, assim como Procession, conta a história que precisa sem um refrão para ancorar o ouvinte. A faixa mais curta do álbum é a mais agressiva, lembra algumas tradições humanas e questiona por que, às vezes, nos apegamos a uma tradição, tribo, religião ou qualquer outro grupo e só seguimos sem questionar ou mudar.
Endlessness, cuja sonoridade pesada e melódica me lembra um pouco Rest Calm do Imaginaerum desde os primeiros acordes, traz novamente um tema bem explorado pela banda no álbum anterior: temos a sorte de estar vivos e a obrigação de aproveitar isso ao máximo. Aqui, os vocais principais são do baixista da barba incrível, Marko Hietala, e Floor aparece mais a partir da ponte, que até lembra um pouco o que ela fazia no After Forever.
A quase inteiramente instrumental All The Works Of Nature Which Adorn The World, que compõe o CD 2, se divide em oito partes: Vista, The Blue, The Green, Moors, Aurorae, Quiet As The Snow, Anthropocene (Incl. “Hurrian Hymn to Nikkai”) e Ad Astra. A última já tinha sido divulgada antes em um vídeo sobre a parceria da banda com o World Land Trust, ONG britânica que luta principalmente pela conservação de comunidades em risco ambiental.
São 31 minutos de só se encostar e viajar na “carta de amor do Nightwish ao Planeta Terra”, que começa com uma citação de Lord Byron e encerra com o famoso Pálido ponto azul de Carl Sagan, ambas narradas pela atriz Geraldine James (Anne With an E). É aqui também que entra com força total a orquestra que, intencionalmente, ficou mais de lado no CD 1. Arrisco dizer que é um presente para os fãs de Lappi (do Angels Fall First), The Greatest Show on Earth (do Endless Forms Most Beautiful) e trilhas como as de Senhor dos Anéis e The Legend of Zelda, mas a ideia de estar em um disco separado ainda é bem diferente e não sei se vou acabar ouvindo com tanta frequência. Exceto Ad Astra. Ad Astra é perfeita.
Completando com o que Tuomas falou à Metal Hammer sobre a faixa:
“Nós amamos a beleza deste planeta. Dos mares às campinas, às Auroras Boreais, às paisagens nevadas, até as estrelas.”
(Tuomas para a Metal Hammer)
Human. :||: Nature. continua e estende uma sequência de álbuns excelentes e quase sem defeitos na discografia do Nightwish, que parece estar em maior harmonia que nunca enquanto banda. De certa forma, ele tem um quê de vários de seus antecessores: a temática que continua aquela de Endless Forms Most Beautiful, a teatralidade e grandeza de Imaginaerum, e até algumas melodias que lembram as que foram resgatadas dos álbuns mais antigos na turnê da coletânea Decades. Lembro especificamente de terminar o álbum vez ou outra querendo ouvir aquela versão de Come Cover Me.
Uma coisa que eles definitivamente são é ambiciosos, e sempre compensa.
Mais sobre MÚSICA
5 documentários da música brasileira que você precisa ver
Sem bairrismo, podemos dizer que a música feita no Brasil está entre as melhores do mundo. O Brasil é uma …
Opinião Sincera | Sandy — Nós, VOZ, Eles 2 (2022)
Em paralelo a seu retorno aos palcos, Sandy também lança um novo projeto: a segunda edição de Nós, VOZ, Eles, …