Criada para a Netflix por Scott Frank e Allan Scott, O Gambito da Rainha foi lançada em 2020 como uma minissérie de 7 episódios. Baseada em um livro homônimo de Walter Tevis, lançado em 1983, a produção conta a história de Elizabeth “Beth” Harmon (Anya Taylor-Joy), uma órfã estadunidense que conhece o xadrez em sua jornada da infância até a fase adulta.
A história começa com Beth Harmon com 9 anos, durante a década de 1950, sendo entregue a um orfanato-escola para meninas em Lexington, Kentucky após a morte de sua mãe em um acidente de carro. O orfanato distribui para as crianças uma pílula tranquilizante, para que as meninas fiquem permissivas ao método educacional. Durante as aulas, a nossa protagonista vai limpar o apagador no porão, onde encontra o zelador Mr. Shaibel, que, relutantemente, a ensina a jogar xadrez.
Devido à sua incrível capacidade geométrica espacial e às pílulas que toma, Beth consegue recriar suas partidas com o zelador e evoluir em uma rapidez absurda. Ao superar seu mestre inicial, ela é apresentada a novos professores, que sempre se espantam com sua habilidade no tabuleiro. Após ser adotada e mudar de escola, a enxadrista começa a ganhar notoriedade no cenário nacional e internacional.
Alguns temas aparecem e circundam o enredo. Um deles é o vício em medicamentos e em bebida. Somos apresentados a uma Beth, em sua fase adulta, dependente de álcool e dos comprimidos aos quais ela foi apresentada durante a sua infância. Esse vício atrapalha alguns avanços, tanto no campo profissional quanto no pessoal. Porém, ao invés de demonizar o vício ou de tratar como uma coisa fora da realidade, ele é tratado de uma forma profunda, realista e humanizada, como uma condição humana com altos e baixos.
O segundo tema é a Guerra Fria e a disputa entre EUA x URSS sobre a hegemonia cientifica, desportiva, bélica e econômica. Quando Beth vai para a disputa do campeonato internacional contra Borgov, que é o detentor do título mundial, isso fica evidente nas narrações das partidas. Há urgência de ganhar da União Soviética, de mostrar como é grande o poder dos estadunidenses em coisas simples como um esporte. Não é um tema importante para o andamento da série, tanto que, se mudarmos a nacionalidade dos personagens, pouco muda do enredo, mas mostra mais dessa época que ainda é uma influência ao nosso atual estilo de vida.
O terceiro tema é a luta de Beth com o fato de ser uma mulher em um esporte considerado masculino. No primeiro campeonato de que a protagonista participa, ela pede para competir com os homens e isso é colocado como uma barreira. Ela tem que ser mais inteligente e mais centrada e todas as conquistas dela são questionadas. Uma cena que evidencia isso é quando ela se afasta dos holofotes e é questionada sobre sua capacidade de continuar.
Uma coisa que eu adorei em O Gambito da Rainha foi o fato de a Beth não precisar de um par romântico. Ela não termina a série com um relacionamento por um simples motivo: ela não precisa disso. O objetivo dela era ser campeã mundial de xadrez e a história foi criada para contar isso; por mais que ela se relacione afetivamente em um momento ou outro da série, esse não é o objetivo da trama. O romantismo é sempre um clichê em histórias com protagonistas femininas e aqui essa barreira é quebrada.
Outro ponto interessante é que o xadrez deixa a série muito mais elegante. Ele é um esporte não tão difundido e considerado um dos jogos mais difíceis, mesmo que sua jogabilidade não tenha mudado em nada desde meados de 1500, quando surgiu. A série tem o nome de uma abertura, “o gambito da rainha”, que são os movimentos iniciais do jogo. Claramente o xadrez dá um ar elegante e extremamente inteligente à série, mesmo que de fato o esporte (que poderia ser dominó ou até mesmo UNO) não influencie o enredo e a mensagem que quer passar. Essa série reacendeu a vontade de muitos enxadristas de voltar a jogar e estudar o esporte.
Um ponto geral que me deixa muito feliz é que O Gambito da Rainha não se perde em tramas secundárias. A série tem um objetivo e se concentra no que é extremamente necessário para concluir a história. Os 7 episódios deixam um ar de “quero mais”, mas são suficientes para que tenha início, meio e fim bem definidos. As poucas tramas e fatos secundários apenas servem para entendermos um pouco mais da protagonista, sua família anterior e a nova.
A série é realmente muito boa; não se prende a temas secundários, é concisa, interessante e prende o telespectador do começo ao fim. Ela ainda aborda temas atuais que se passam no mundo de 60 anos atrás, mas dialogam com a nossa realidade, e conta com uma protagonista complexa que sai do básico e nos entrega profundidade, carisma e compreensão. Para mim, O Gambito da Rainha é uma série que vale a pena ser vista.
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