Sabe aquela história que já virou parte do folclore brasileiro onde a mãe diz para a filha não viajar com alguns amigos para um fim de semana em uma casa de praia e ela desobedece? Daí ao entrar no carro para pegar a estrada, a mãe diz: “Filha, vá com Deus!”, a filha responde: “Só se ele for na mala, porque aqui na frente não tem espaço”. Fatidicamente o carro se envolve em um acidente e todos a bordo morrem, entretanto, só uma coisa ficou intacta: uma bandeja de ovos que estava justamente na mala. OOOOOOH! Quantos de nós não já ouvimos essa lenda urbana e passamos a instantaneamente temer todas as ordens da nossa querida mãe? Isso se fortalece também com todos os relatos contados geração após geração sobre coisas ruins que aconteceram com os filhos após desobedecerem à ordem dos pais.
Essas particularidades relacionais entre pais e filhos acontecem desde que o mundo é mundo, e, pasmem, isso também passou a figurar nos enredos dos filmes. Essa é a premissa chave do longa O Túnel, filme norueguês de suspense dirigido por Pål Øie que fala sobre um desastre em um acidente num dos mais longos túneis do país que, à época, não possuía saída de emergência. O filme teve sua estreia em dezembro de 2019 e até então é bem desconhecido no Brasil.
De cara, e foi o que gerou minha curiosidade para assistir a esse filme, você se vê intrigado pela sinopse por duas coisas: é baseado em fatos reais (a Noruega possui mais de 1.100 túneis em seu território) e porque qual o filme que você se lembra que fala sobre acidente em um túnel urbano? Aí pronto! Junta todas essas informações e a mão do play chega a tremer. Mas vamos ver porque ele entrega bem menos do que instiga.
Eu tenho um sério problema em roteirista que precisa ou ficar explicando tudo detalhadamente como se fôssemos burros ou que cria situações forçadas no arco inicial que resolverão o clímax do filme (Senhor, como isso é chato!). E é essa segunda situação que acontece aqui nesse filme norueguês. A bolsa de plástico que é a motriz do acidente citado na sinopse é convincente e não força, mas colocar uma garota que faz natação e possui habilidades em apneia em um filme que deixa claro no trailer que tem explosão, fogo e fumaça em um local fechado, é forçar muito (Não se preocupe que tudo isso tem no trailer, não é spoiler). Você consegue entender como o roteiro é pobre criando essas pontes? Acho que sim, né…
Pois bem, essa garota que falamos logo acima é a filha que desobedece à mãe na história dos ovos que contamos logo acima. Elise (Ylva Fuglerud) é uma adolescente que está bem triste por causa do aniversário de morte da sua mãe e que briga com o pai por não ter ido ao túmulo da mãe conforme combinado. Stein (Thorbjørn Harr) que é bombeiro da cidadezinha que eles moram, explica que não pode ir devido a uma ocorrência, o que gera na jovem uma raiva descomunal e uma fuga para casa dos avós. Nessa fuga, olha lá, ela se envolve no bendito acidente (dessa vez não tinha ovos) no túnel. A partir daí o filme começa com uma série de erros que eu percebi tão facilmente como encontrar um túnel na Noruega.
Se formos falar de brechas no roteiro, além da minha indignação que eu já relatei acima, acontecem eventos que são minimamente questionados pela falta de lógica. O filme se passa em uma pequena cidade do país e o desastre no túnel só movimenta um total de 3 bombeiros para ajudar no resgate de um monte de gente; além disso, na sede da empresa responsável pelo túnel (PASMEM) só uma telefonista fica em contato com os bombeiros e os sobreviventes para ajudar no socorro. Hora nenhuma se vê toda aquela equipe trabalhando, o que é comum em filmes de ação com grandes acidentes, e isso tudo simplesmente não faz sentido. Minimamente um acidente daquela dimensão mobilizaria a pequena cidade toda.
As atuações são um tanto quanto irrelevantes. Thorbjørn Harr que interpreta o bombeiro pai da menina é o mais famoso dos atores por já ter feito alguns episódios de Vikings, mas nada tão notório assim. Aliás, tem um momento do filme que ele vai aferir o pulso de uma vítima pelo pescoço e o faz mais parecendo que está agarrando o pescoço do que verificando o pulso (pessoal da saúde morre com isso). Também tem outra cena com uma mulher morta que está com o olho tão aberto e esbugalhado que parece tão na cara que é um boneco ou que muito de fato a atriz não tem noção de que, quando se morre, normalmente os olhos fecham ou ficam abertos só com a força da gravidade. No conjunto da obra, poderia se ter reduzido os personagens vitimados para trabalhá-los com mais cautela, criando camadas de personalidade.
No quesito direção, Pål Øie explora bastante as cenas externas das paisagens naturais da Noruega, o que ajuda muito a compor a estética do filme. Entretanto, os esforços de direção ficam por aí mesmo. Tem um monte de cenas (mais uma vez) apelativas dentro do túnel que subverte o sentido das noções básicas do comportamento humano. Enfim, não posso negar que ele ainda consegue criar um pouquinho de suspense dentro do arco final.
E esse é o próximo ponto a se questionar. O filme foi rotulado como sendo de suspense, o que ele não é em momento algum. O mais próximo do suspense que ele pode chegar é sendo um filme de ação com um suspense no meio, o que é normal do gênero. Até tem um pouco de horror assim meio dramático em alguns momentos, e só. Todos os elementos que forçam arcos durante o filme vão bem na contramão do que o gênero versa.
Por fim, o longa ainda conta com um arco narrativo fora do túnel que não fez sentido algum de existir, ele não desenvolve e tampouco desemboca em lugar algum. A não ser que o roteirista quisesse fazer um paralelismo oposto com a linha narrativa principal – tirem as suas próprias conclusões. Para fechar o roteiro com chave (não é de ouro), o roteiro tenta resolver o problema-mor que motivou toda a rebeldia da filha contra seu pai, e o que ele produz mesmo é um final clichê de propaganda margarina da família feliz – horrível.
Conclusão, a produção tem uma premissa muito boa na mão, mas erra em quase tudo que faz para desenvolvê-la. O que gera é, no máximo, nesses tempos de coronavírus, um gatilho para começar a sentir os sintomas de falta de ar devido à grande quantidade de gente morrendo sem respirar e de fumaça e fuligem no filme.
No mais, é isso! Até a próxima, meu povo.
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