Um resumo bem simples da situação é que, em seu sétimo álbum de estúdio, o Lover, Taylor Swift se supera novamente. Até os críticos deram as maiores notas da carreira dela. É uma sensação estranha e incrível ser fã de alguém que sempre entrega mais do que você estava esperando, e isso acontece comigo desde antes do lançamento de Fearless, em 2008.
Já conhecíamos quatro músicas: o felizinho primeiro single ME!, com participação de Brendon Urie do Panic! at the Disco; You Need to Calm Down, recado sincero e engraçado e muito necessário em 2019; a faixa-título Lover, balada fofa cujo clipe saiu na quinta-feira logo antes do lançamento; e The Archer, a previsivelmente arrebatadora faixa 5. Afinal, todo mundo que acompanha um pouquinho de Taylor Swift já sabe que as faixas 5 dos álbuns são algumas das mais pessoais e sinceras, desde os tempos longínquos de Cold as You, de 2006.
Porém, não existe outra forma de dizer isso: nenhuma dessas quatro mostra a sonoridade dominante de Lover. Ele continua de onde o 1989 parou, com um pop que mira no atemporal se inspirando no som de décadas anteriores, mas um pouco mais variado, quase como foram Red e Speak Now. Quase como se o reputation fosse um delírio coletivo, alimentando nossas teorias de que ele foi feito para encerrar aquele contrato dela com a gravadora antiga, mas só quase.
São 18 músicas, o que faz dele o mais longo da carreira da Taylor, sem contar as edições deluxe. Red era o mais longo até então, com 16. A maior parte das faixas fica pouco acima ou abaixo da marca dos 3 minutos, então ele mal passa de uma hora, mas, se levarmos em conta que estamos em 2019, onde a tendência é ter álbuns cada vez menores, Taylor Swift vai na contramão mais uma vez (e prova estar certíssima).
No clipe de ME!, Taylor encerra simbolicamente a era reputation com uma cobra explodindo em borboletas. No álbum, ela faz isso com a faixa de abertura I Forgot That You Existed, música animadinha sobre aqueles dias mágicos em que você esquece que algumas pessoas existem. No caso dela, uma ex-amizade que a colocava pra baixo frequentemente, mas que ela nunca abandonava porque gostava demais da pessoa e achava que faria mal se afastar.
A partir daí, o álbum é variado em temas e em som até encerrar na lindíssima e otimista Daylight, que tem diversas pequenas referências ao resto do álbum e a pedaços dos trabalhos anteriores. O prólogo do Red, de 2012, dizia: “amor de verdade brilha dourado como as estrelas (…) talvez eu escreva sobre ele se algum dia o encontrar, mas (…) este álbum fala sobre o amor que foi vermelho”. Aqui ela diz que “um dia acreditou que o amor seria vermelho vivo, mas é dourado como a luz do dia”. E, em um trecho falado no final, acrescenta que quer ser definida pelas coisas que ama, não pelas que odeia ou que a assustam. O álbum Lover não é apenas uma ode ao amor romântico, e toca muito em amor-próprio, amor familiar e amor ao próximo também.
Cruel Summer fala sobre o verão em que ela precisou esconder um relacionamento do mundo inteiro (“não quero guardar segredo só pra continuar com você”). Foi escrita com St. Vincent e o velho conhecido Jack Antonoff e é um pop gostosinho e grandioso ao mesmo tempo, ótimo para ouvir (e gritar) no carro. É unânime, não só entre os fãs. E, curiosamente, soa como uma continuação de Getaway Car, faixa 9 do reputation. Experimente ouvir as duas em sequência. Em The Man, ela brinca com a percepção alheia como fez em Blank Space: como as decisões e atitudes que ela tomou, e pelas quais foi criticada, seriam vistas se ela fosse um homem? (“Quando todos acreditam em você, como é a sensação?”)
Miss Americana & The Heartbreak Prince é um desabafo sobre a desilusão com política e os Estados Unidos em geral. É camuflada com uma espécie de romance colegial e gritinhos de líderes de torcida, mas certos trechos (“eu vi o placar e corri pra salvar minha vida”) deixam o sentido bem claro. Também tem um quê de Lana del Rey e talvez seja a melhor do álbum. Paper Rings é fofinha e animada, meio anos 90, com cara de musical, e deveria ter participação da Hayley Williams de tanto que se encaixa com Paramore. Cornelia Street é uma rua em que ela morou por um tempo, e a música transborda nostalgia da forma mais contagiante possível.
Death by a Thousand Cuts foi inspirada no filme Alguém Especial (Someone Great), da Netflix. Em London Boy, ela reconhece e brinca com a história de só sair com caras ingleses (Harry Styles, Tom Hiddleston, Joe Alwyn), fazendo várias referências a lugares, hábitos e expressões da terra da rainha. False God, assim como Don’t Blame Me do reputation, pega referências religiosas. Dessa vez, basicamente comparando a fé em um relacionamento à fé em um deus. Já I Think He Knows fala sobre ficar totalmente vidrado em cada movimento da pessoa que você gosta.
As baladas vão das mais românticas (Lover, It’s Nice to Have a Friend) a uma sobre a luta da mãe contra o câncer (Soon You’ll Get Better, com participação do trio country The Chicks, pede uma caixa inteira de lencinhos, como se fosse um episódio de This is Us). Passam por The Archer, cuja melhor forma de definir é que é literalmente um desabafo sobre ansiedade e insegurança (“acordo no meio da noite, como um fantasma/o quarto pega fogo, mas a fumaça é invisível”). E também tem Afterglow, que também tem um pouco disso de problemas da nossa cabeça (“ei, é culpa minha e da minha cabeça”), mas fala principalmente sobre estar errado em algumas brigas com pessoas que você gosta, saber pedir e aceitar desculpas e seguir melhorando.
É óbvio que um álbum de 18 músicas não vai ter 18 faixas inesquecíveis e 5 estrelas para todas as pessoas. Muita gente achou esquecível justamente o primeiro single. Para mim, nessas duas semanas até agora, as menos marcantes foram I Think He Knows e It’s Nice to Have a Friend, que ficaram justamente “presas” entre sequências de músicas muito mais interessantes e memoráveis. Por enquanto. Isso não significa que não tenha gostado delas: o Lover é o primeiro álbum desde o Fearless (!) que ouço sem pular nada.
Já entre as melhores, é até difícil escolher entre Daylight, Miss Americana & The Heartbreak Prince, Cruel Summer e Afterglow. Fico com Daylight porque era a que eu mais aguardava, desde que ela soltou a última frase (“saia na luz do dia e se liberte”) de forma bem óbvia em um artigo que escreveu para a Elle há alguns meses, e ainda superou as expectativas com folga.
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