The Midnight Gospel é uma série animada de ficção que foi lançada no início da pandemia, em 2020, na Netflix. Me interessei por ela após ter visto o trailer, o que raramente faço, e ter amado a premissa. Iniciei despretensiosamente, mas quando me dei conta estava totalmente imersa no universo criado por Pendleton Ward – o mesmo criador de Hora da Aventura – e pelo comediante Duncan Trussell.
Antes de mais nada, você precisa saber que essa animação não é nada comum e é justamente isso que faz dela tão especial. A origem da série é o próprio podcast de Duncan Trussell, The Duncan Trussell Family Hour, em que ele conduz os convidados em diálogos sagazes e profundos. É uma série desafiadora para os próprios criadores – Ward e Trussell – porque os episódios são grandes podcasts transformados em uma série animada. Além disso, Ward se aventura na criação de uma série mais adulta que a Hora da Aventura, e isso é demonstrado até mesmo na forma dos elementos da animação, fazendo claramente alusões a órgãos genitais, entre outros.
Em The Midnight Gospel somos apresentados ao Clancy Gilroy (dublado por Duncan Trussell), que, através de um simulador de universos, visita planetas buscando conhecer a imensidão do universo e, é claro, das pessoas.
Em cada universo há uma pergunta. Em cada pessoa há uma resposta.
Clancy tem um tipo de “espaçocast”, em que ele entrevista as pessoas do planeta ao qual o simulador o leva no seu canal, cujo nome é o título da série. As entrevistas são atravessadas por temas que abarcam a realidade de todo e qualquer sujeito: drogas e medicação; morte e perdão; amor e medo; meditação e espiritualidade. Questões filosóficas acerca da realidade do sujeito que, ao não permanecer no senso comum, expandem a mente do espectador. Existe também claramente uma influência do budismo em cada episódio ao navegar por tais temas.
Os entrevistados por Clancy na série são especialistas nos assuntos abordados. São convidados de Duncan Trussell que, inclusive, desempenha o papel de intermediador muito bem. Apesar de o episódio sempre ter um tema central, a forma que Trussell conduz a entrevista amplia sempre o diálogo, criando ramificações que permitem um entendimento maior acerca do que está sendo tratado no decorrer do episódio.
Duas coisas que atravessam literalmente todos os episódios, de uma forma ou outra, são a morte e o autoconhecimento. Todo episódio de The Midnight Gospel se debruça sobre formas de obter o autoconhecimento e como este processo é doloroso e necessário; e sobre como tudo termina de forma inevitável na morte. A finitude atravessa todos os episódios, seja através da morte de todos os planetas que Clancy visita ou na morte do personagem de seu entrevistado.
Vale ressaltar os diferentes convidados ao longo dos oito episódios: Drew Pinsk, Anne Lamott e Raghu Markus, Damien Echols, Trudy Goodman, Jason Louv, David Nichtern, Caitlin Doughty e Deneen Fending, mãe de Duncan Trussell. São filósofos, escritores, especialistas, médicos, uma pessoa que foi condenada à prisão em um dado momento da vida, uma agente funerária. Pessoas diferentes que deixam rico o debate acerca dos temas levantados, seja ele apenas o não ser capaz de escutar genuinamente o outro ou a morte. The Midnight Gospel, que recebeu o título de “nova Rick and Morty” por alguns, entrega tudo que se propõe de forma singular, compreensível e incrível. É uma série que prende desde o início e, quando termina, você pensa: “mas já?”. Às vezes, durante os episódios, eu me sentia levando um soco no estômago, principalmente nos que eram sobre a finitude. É uma série sensível, caótica e profunda. Desbrava o universo que habita em cada sujeito de uma forma que faz com que você sinta a necessidade de ser um dos desbravadores, por mais doloroso que seja ter essa função. Recomendo assistir à série mais de uma vez para conseguir acompanhar todas as questões existenciais levantadas e os acontecimentos caóticos de plano de fundo.
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