Não é comum nos lembrarmos de grandes filmes brasileiros de Natal, embora a data seja muito celebrada na terra tupiniquim. Ao contrário de Estados Unidos e Europa, não temos cenários tão natalinos assim, que contrastem para uma bela paisagem da festa de São Nicolau. Mesmo assim, a Netflix resolveu quebrar esse “tabu” e lançou, no último mês, um drama-comédia que parece ser apenas mais um desses filmes cômicos pastelões – especialmente por ter Leandro Hassum no elenco –, mas que esconde sob a superfície questões filosóficas, antropológicas e, até mesmo, um quê de sci-fi.
Tudo Bem no Natal que Vem conta a história de Jorge (Leandro Hassum), um pai de família que faz aniversário no Natal e que, portanto, odeia essa festa desde criança. Na noite de Natal, enquanto fazia um número para seus filhos, fantasiado de Papai Noel, ele acaba caindo da chaminé. Nessa queda, Jorge bate a cabeça, desmaia e só acorda no Natal do ano seguinte, quando vivencia todo o dia de Natal, mas ao dormir só volta a despertar um ano depois; isso se repete num ciclo ininterrupto, que perdura toda a sua vida.
É perceptível que o roteirista bebeu das águas do clássico filme Feitiço do Tempo, partindo de uma premissa muito parecida, só que desta vez, aplicada ao Natal. Outro toque de originalidade do roteiro é que Jorge não vive o mesmo dia, mas sim o Natal de cada ano subsequente. Um dia ele acorda e é Natal de 2010, no outro já é Natal de 2011, e assim sucessivamente.
Passando a vivenciar um único dia do ano desde então, cada dia em que ele acorda é uma completa novidade em sua vida. Jorge não acompanha o crescimento dos filhos, não se lembra de promoções no trabalho, não se recorda do cachorro que morreu, dentre vários outros acontecimentos. Ocorre que, nos outros 364 dias, Jorge é uma pessoa completamente diferente, com outra personalidade. Esse “outro Jorge” deixa a mulher que tanto ama, esquece dos filhos e é um tremendo de um pilantra – um miserável no sentido qualitativo da palavra.
O diretor usa e abusa do carisma humorístico de Hassum para sustentar e entreter a cada novo Natal em que ele acorda, mas, conforme os “anos” passam, o filme vai ganhando tons de dramaticidade cada vez mais pesados, diante dos acontecimentos que afetam a família de Jorge. O personagem interpretado por Hassum passa os dias de Natal tentando consertar tudo que o seu outro “eu” aprontou durante o ano, pois, ao acordar, ele sempre percebe que existem inúmeros erros (ou condutas) que precisam ser reparados durante o decorrer do dia. Eu, sinceramente, achei que o filme tomaria um outro rumo, com Jorge tentando se comunicar com seu outro “eu” para evitar os comportamentos detestados por ele durante todo o ano.
As atuações são centradas em Hassum, que é muito bom comediante, mas é péssimo em retratar qualquer dramaticidade para a obra. Mesmo assim, por incrível que pareça… até que funciona! O ponto alto da direção é fazer com que um filme de quase 2h de duração, que se passa em poucas ambientações, com os mesmos personagens, não fique monótono em momento algum. Ponto positivo para a forma como foi conduzida essa dinâmica, que é necessária em filmes de ciclos fechados que se repetem.
O propósito de Tudo Bem no Natal que Vem não é aproveitar o Natal, mas usar esse feriado como referência para trazer lições de vida. Como Jorge só acordava nos Natais, ele acabava perdendo todo o seu ano, assim como muitas pessoas que passam a vida inteira no modo automático, imersas em seus empregos, focadas demais em ganhar dinheiro, e acabam “dormindo todo o ano”: parando em datas festivas, como Natal e Réveillon, para refletir sobre o que se fez no restante do tempo. E assim são feitas novas promessas para um novo ano, que nem sempre são cumpridas, e a vida volta ao seu estado automático.
“Próximo ano eu faço!”. Quem nunca ouviu essa frase?
Embora “vendido” como um filme natalino de comédia, Tudo Bem no Natal que Vem traz o Natal apenas como pano de fundo, para te lembrar, através dos ciclos infinitos do personagem, de aproveitar cada momento e tirar um pouco o pé do acelerador para tudo aquilo que te faz perder as melhores coisas da vida.
Viva o cinema brasileiro!
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