O Shonen – estilo de animação japonesa direcionada para jovens do sexo masculino – ser o principal estilo de produção de animações japonesas não é nenhuma novidade. O gênero tem tanto apelo comercial e cultural que detém editoras especializadas – a exemplo da Shonen Jump – e seus maiores sucessos passam de seu nicho e viram reais fenômenos da cultura pop global. Nos anos 1980 e 1990 tivemos Cavaleiros do Zodíaco e Dragon Ball; nos anos 2000 presenciamos os fenômenos de Naruto e One Piece, todos eles extrapolando os limites da língua e da diversidade da narrativa terminando por dominar o mundo.
E, como um estilo já consagrado, é normal que haja um desgaste de suas fórmulas, seja pela repetição das obras, seja pela falta de interesse do público. O Shonen tem uma cartilha básica exageradamente trabalhada e já esperada por muitos fãs de anime, fazendo com que aqueles mais experientes por vezes evitem consumir o gênero por já estarem saturados por essa estrutura. A cartilha do Shonen parte de alguns princípios narrativos que vão desde a Trajetória do Herói, passando por conjuntos de ensinamentos morais e de superação. Façam o exercício de analisar quantos animes vocês poderiam encaixar os seguintes elementos narrativos:
- Herói desacreditado pela comunidade em que se encontra com o objetivo de ser o melhor em algo;
- Um mestre moralmente duvidoso, mas que consegue desenvolver a técnica existente do herói e/ou ensinar um novo poder. Possivelmente aposentado e volta à ativa;
- Um rival que por vezes luta do mesmo lado, porém guarda rancor do protagonista e tenta sempre superá-lo;
- Um vilão “mal absoluto” que tem a ver com todos os problemas morais da comunidade; que tem certa relação com o mestre do protagonista e; tenta seduzir/treinar o rival do protagonista;
- Torneio de artes-marciais;
- Luta contra capitães/cavaleiros de casa/fases de chefão/etc;
- Coadjuvantes com algum passado excessivamente dramático que se sentem atraídos pelo protagonista. Geralmente uma menina carinhosa e um fiel escudeiro;
Alguns exemplos que podem facilmente nos surgir à mente: Dragon Ball, Cavaleiros do Zodíaco, Yu Yu Hakusho, Naruto, Bleach, Fairy Tale, etc e etc. Esse estilo é tão exaurido que um dos maiores sucessos recentes dos animes é exatamente uma série que ironiza todos esses clichês: One Punch Man. Entretanto, Boku no Hero não é uma série que reinventa os clichês, e sim uma série que apenas reforça esses elementos. E daí vem certa decepção à expectativa de todo o “barulho” que a série vem tendo na comunidade dos otakus.
Boku no Hero segue essa fórmula sem modificar praticamente nenhum elemento. Acompanhamos Izuku, um menino que sonha ser o maior dos heróis, mas não tem poderes. Por um acaso do destino, ele herda os poderes exatamente de seu maior ídolo: o maior herói de todos, All Might. A partir daí, pode-se imaginar toda a sequência de clichês que o anime se apropria para desenvolver sua história. Você quer rival “marrento” de personalidade dúbia? Tem. Quer menina fofinha que supera a partir de sua inspiração pelo protagonista? Tem. Quer fiel amigo? Tem. Mestre aposentado que volta à ativa? Tem. Torneio de artes marciais? Não poderia faltar. Ou seja, a única pergunta que se manteve sem resposta, até então, foi: por que tanto destaque para uma série tão banal na comunidade de animes?
Uma tentativa de resposta é a carência do público por shonens. Essa possível resposta vem à mente pois o anime não muda nenhum elemento de seus colegas de gênero e ainda fica devendo em relação aos outros. A série em si tem dois problemas técnicos que dificultam sua apreciação quando comparamos com os últimos sucessos do gênero. O primeiro desses aspectos são as lutas, a alma de um bom shonen. Elas são fracamente dirigidas e de resolução excessivamente rápida. Há pouca empolgação e, se comparamos a Naruto ou Bleach – sucessos da década passada -, a decepção é ainda maior já que, quase passados 10 anos, Boku no Hero consegue ainda ser pior. O outro ponto em que o anime peca é na fraca animação da série. Os animadores lançam mão do recurso de frames estáticos em que se movimentam apenas a boca ou parte específica do corpo para acelerar a produção do episódio. Reconhecemos que é uma tática muito usual de estúdios que tem de produzir um episódio por semana, mas, em Boku no Hero, a animação ainda fica em um nível abaixo de outras obras, contemporâneas ou não.
Mas o que mais incomoda no anime é a demora que o enredo tem para engrenar a própria história. Há histórias paralelas que só surgem e tem relevância a partir do episódio 20, outros problemas pessoais de personagens que demoram para se desenvolver e, além do mais, vilões que só surgem no final da temporada e sem desenvolvimento especial das consequências das ações.
O festival de “generalidades” de Boku no Hero ainda pode agradar aqueles que de fato amam o estilo ou são jovens o suficiente para achar algumas tramas empolgantes. Para os mais velhos e experientes nos animes, é apenas um festival de obviedades que qualquer shonen tem. Isso porque preferimos não abordar o eterno problema da hipersexualização desnecessária de algumas personagens – de 15 anos!!! – e de piadas com peitos e hormônios adolescentes, já que são cansativos em vários animes e não apenas nos shonens.
Por fim, Boku no Hero é apenas mais um em seu estilo. Diferentemente de Naruto e One Piece, que oferecem aprofundamentos de personagens intrigantes mesmo amarrados a um estilo cheio de estereótipos, Boku no Hero aponta para o comum e acerta aqueles que agora, provavelmente, serão os consumidores de anime adolescente, mas sem o charme de seus antecessores.
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