Aprecio filmes que reverberam após o fim, me tirando da zona de conforto e proporcionando as inquietações mais diversas possíveis em minha mente. Pensando nisso, tive a ideia de indicar 4 filmes que ocasionam essa inquietação em quem se propõe a vê-los.
1. O Sétimo Selo (1957)
Dirigido por Ingmar Bergman, O Sétimo Selo acompanha a história de Antonius Block, um cavaleiro que, após passar 10 anos nas Cruzadas, está retornando a uma Suécia devastada pela praga. Uma síntese que não promete nada demais sobre o filme, eu sei, mas, como a morte sempre anda ao lado do sujeito, ela também se encontra em O Sétimo Selo.
A morte aparece para Antonius Block e este a desafia para uma partida de xadrez, com a intenção de postergar ao máximo o momento fatal. Assim, Block tem a morte não mais apenas andando ao seu lado, mas de frente o encarando. A morte agora é um devir para ele. Sempre foi, mas agora ele não está mais alheio a isso como antes.
Em O Sétimo Selo existem bastantes ideias existenciais sendo apresentadas no decorrer do filme, principalmente a famosa ideia de Heidegger de que somos desde o nosso primeiro suspiro um ser-para-a-morte. Antonius Block, ao perceber isso, é atravessado de angústia e temor, pois o desconhecimento que há sobre esse fenômeno é deveras aterrorizante.
Ao não ser mais alheio à morte, Antonius é atravessado de inquietações, questionando sua fé e o seu deus, o qual é desconhecido e um completo estranho para ele, pois, apesar da necessidade de conhecê-lo, sequer chegou a vê-lo. O filme é permeado dessas inquietações, não só através de Antonius, como também dos outros personagens, ocasionando para o espectador debates intrigantes sobre inferno e céu; deus e diabo; religião e crenças. O escudeiro de Block é um dos personagens que proporciona um debate sarcástico e praticamente niilista acerca de tudo que permeia a vida, principalmente a religião.
A inquietação acerca dos mistérios da vida é constante ao assistir a O Sétimo Selo, pois ficamos diante da nossa temerosa finitude e das certezas frágeis que formam nossa base da vida. Assim, essa obra genial de Ingmar Bergman é uma boa forma de causar um abalo sísmico em nosso eu e suas certezas.
2. Sociedade dos Poetas Mortos (1989)
Se visto apenas da superfície, Sociedade dos Poetas Mortos é entendido como um filme com o mero objetivo de criticar o ensino educacional ortodoxo, ou, até mesmo, a relação parental ortodoxa. No entanto, o longa-metragem tem uma mensagem que vai muito além disso.
Dirigido por Peter Weir e com roteiro escrito por Tom Schulman, essa obra recebeu, merecidamente, diversos prêmios e indicações na década de 1990, tornando-se um marco da época e que transpõe gerações, se tornando atemporal.
Sociedade dos Poetas Mortos se passa em uma escola preparatória de elite para garotos, a Welton Academy. É uma escola com ensino conservador, permeada de regras que devem ser seguidas e, assim, há pouco espaço para a singularidade de cada aluno. Todavia, com a chegada do novo professor de Inglês e Literatura, John Keating, isso começa a mudar.
Keating, com seus métodos pouco tradicionais, valoriza a singularidade de cada estudante, buscando potencializá-la. No decorrer do filme, ele faz isso a partir de inúmeros conceitos e poesias de autores célebres, como Shakespeare, Walt Whitman e Henry David Thoreau. Entre os poemas citados no filme, é deste último um dos que mais me marcou.
Fui para os bosques porque pretendia viver deliberadamente, defrontar-me apenas com os fatos essenciais da vida, e ver se podia aprender o que tinha a me ensinar, em vez de descobrir na hora da morte que não tinha vivido (…)
Com isso, Keating incentiva o que Heidegger poderia chamar de ser-para-si-mesmo, ao apresentar a finitude aos alunos e apresentar a possibilidade de agir a partir das próprias convicções e ideias. Sem representar um papel, moldando-se ao outro de forma constante.
Dessa forma, Sociedade dos Poetas Mortos se tornou atemporal não apenas pela crítica ao ensino educacional ser algo ainda necessário, mas também pelo modo de abordar o outro e sua existência, suas particularidades e sua liberdade, por mais ilusória que essa última seja.
3. Divertida Mente (2015)
Com direção de um dos grandes criadores da Pixar, Pete Docter, Divertida Mente é um dos meus filmes preferidos de todos os tempos. Todas as vezes que assisto, me fascino com o modo como conseguiram abordar inteligência emocional de forma simples e dinâmica. A descrição das relações das emoções (nojo, medo, alegria, tristeza e raiva) torna-se até cômica em alguns momentos, devido a suas diferenças. Em boa parte do filme, as emoções são retratadas de forma independente, mas ao mesmo tempo dependentes da alegria. Isso ocasiona na incompreensão da importância das outras emoções, principalmente da tristeza, a qual é completamente negligenciada desde o princípio.
A genialidade do filme, dentre tantos aspectos, é demonstrar a importância que a tristeza tem no decorrer de nossa vida, dos momentos, sejam eles tristes ou não. O processamento da tristeza é o que permite sentir as outras emoções de forma pura, pois cada uma delas tem importância.
Quando há o sumiço tanto da tristeza quanto da alegria, as outras emoções acreditam que o caos está sendo causado devido unicamente à ausência da alegria. No entanto, o bloqueio emocional inicial sentido é consequência da impossibilidade da Ryle de sentir e processar a tristeza, assim projetando-a em outras emoções, como a raiva. Esse bloqueio emocional foi construído no decorrer de todo o filme, antes mesmo do seu sumiço, pois a tristeza era negligenciada, principalmente pela alegria, a qual entendia a tristeza como seu antônimo. Mas, como uma das cenas finais nos mostra, a alegria e tristeza não precisam ser antônimos. Elas coexistem e podem trabalhar juntas.
Divertida Mente permite que tenhamos um olhar diferente sobre a tristeza, não a entendendo como algo de que devemos fugir, na intenção de nunca sentir. Mas sim como uma visita que, quando bate à nossa porta, recebemos oferecendo um café, com a intenção de ter uma conversa sobre tudo que possa ter acarretado nessa visita inesperada (ou não) da tristeza. É assim que conseguimos não exatamente superar a tristeza, visto que não existe tal possibilidade, mas sim criar um espaço que possa ser ocupado também de forma genuína pela alegria.
4. Brilho Eterno de Uma Mente Sem Lembranças (2004)
A nossa identidade é construída constantemente a partir de nossas experiências, sejam traumáticas ou não, sejam felizes ou tristes. As memórias fazem parte de quem somos, moldando nossos próximos passos e a forma com que lidamos com as coisas. Brilho Eterno de Uma Mente Sem Lembranças, com direção de Michel Gondry, aborda isso de uma forma genial através da história de Joel Barish (Jim Carrey) e Clementine (Kate Winslet), que realizam a fantasia de muitas pessoas: apagar as memórias relacionadas a alguém.
Os desdobramentos a partir desse esquecimento sobre o outro são extremamente interessantes, pois fica explícita a importância das memórias (mesmo as indesejáveis), uma vez que são elas que permitem que não cometamos o mesmo erro duas vezes. Mas, principalmente, demonstram a complexidade das relações, o modo que elas são um emaranhado de acontecimentos tristes e felizes, onde suprimir a tristeza é impossível sem apagar também os momentos felizes.
Além disso, o esquecimento dos traumas ou momentos tristes ocasionam na perpetuação destes, tendo em vista que nos mantém em um ciclo vicioso que não permite o processamento desses sentimentos e, consequentemente, uma forma de lidar com isso sem que nos destrua.
Joel e Clementine vivenciam isso de perto ao tomarem a decisão de apagar o que existe em si do outro, proporcionando não apenas o esquecimento de tudo na relação que os deixava magoados, com raiva ou tristes, mas também os momentos felizes, atravessados de cumplicidade e amor. O entrelaço de momentos que construía o amor deles.
Dessa forma, Brilho Eterno de Uma Mente Sem Lembranças nos mostra de forma peculiar a forma que as memórias indesejáveis fazem parte do quadro maior, sendo também o que constrói o sujeito e suas relações. Assim, temos Joel correndo contra o tempo para manter viva a lembrança de um dia ter vivido um grande amor, que em dado momento foi o seu entrelaço mais precioso, íntimo e sagaz. E, por isso, também foi sua maior tristeza.
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