Eu lembro a primeira vez que li Pedro Páramo. Não entendi nada, mas estava tão encantada com a história e com a escrita que resolvi fazer o meu trabalho final de graduação todo sobre ele. A premissa é bem simples: um filho que vai procurar seu pai depois que a mãe morre. Parece que não vai nos levar muito longe, mas esse livro de menos de duzentas páginas me mostrou tantos níveis de leitura que, quanto mais você entende o que está acontecendo, mais fascinado e aterrorizado você fica.
A busca pelo pai é uma temática comum nas narrativas mexicanas. Como exemplo disso há as teledramaturgias que recorrem a essa proposta. E apenas com as recordações do que lhe foi contado pela sua mãe, com a voz cheia de rancor, ele chega a Comala, cidade rodeada por bosques:
Vim a Comala porque me disseram que aqui vivia meu pai, um tal de Pedro Páramo. Minha mãe me disse. E eu prometi que viria vê-lo assim que ela morresse. Apertei suas mãos em sinal de que faria isso; pois ela estava morrendo, e eu decidido a prometer tudo.
A novela de Juan Rulfo, escrita em 1955, tem seu lugar de destaque na literatura mexicana e na latino-americana e foi publicada em diversas revistas com dois títulos diferentes, Una estrella junto a la luna e Los murmullos, até ser apresentada ao Fundo de Cultura Econômica e publicada com o título que conhecemos.
Pedro Páramo se move em diferentes planos narrativos, rompendo as fronteiras entre vivos e mortos. Dentro dessa novela existem muitas outras novelas. Vai desde uma história de injustiça até uma história da realidade amarga do México, tudo isso se pautando na busca de um pai pelo filho. Existem tantos narradores dentro dessa história que é quase como se estivéssemos lendo através de um caleidoscópio. Temos um narrador pessoal, na voz do Juan Preciado, que conta sua jornada por Comala, e temos um narrador impessoal que narra outras histórias da pequena cidade. E, ainda que essas duas vozes se intercalem e se cruzem ao longo do romance, elas tomam posições de oposição e de contraste. E isso tudo fica bem claro se apenas notarmos que os personagens que personificam essas vozes têm nomes e sobrenomes diferentes e, no entanto, são pai e filho.
Há uma heterogeneidade nas literaturas produzidas na América Latina e é preciso observá-la ao tentar englobar dentro de uma totalidade a pluralidade dessas produções literárias. Afinal, estão inseridas em várias culturas e contextos, que vivem diferentes conflitos. Não dá para pensar em literatura latino-americana sem pensar a sociedade latino-americana.
Pedro Páramo é regionalista e preserva sua linguagem regional, mas, apesar desses traços, é uma obra universal. A violência e o religioso caminham lado a lado, nos mesmos moldes com que Guimarães Rosa escreveu Grande sertão: veredas, mas de forma mais inovadora no plano da narrativa. É um livro tão fascinante e com uma carga cultural tão rica que inspirou até mesmo o Nobel de Literatura, Gabriel García Márquez, que ao ler Pedro Páramo encontrou o caminho que buscava para continuar seus livros.
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