Destacamento Blood (Da 5 Bloods) é uma produção estadunidense da Netflix lançada em 2020. Dirigido por Spike Lee, o longa conta a história de um grupo de veteranos negros da Guerra do Vietnã que voltam ao país asiático em busca dos restos mortais de seu amigo e comandante, Norman Earl (Chadwick Boseman), e de um tesouro enterrado na região.
Apesar de o filme não fugir de sua trama principal, o que chama a atenção é como a história aborda a participação de soldados negros nas guerras que envolvem os Estados Unidos, principalmente nesse conflito específico.
Aliás, não é novidade para Hollywood tratar sobre a Guerra do Vietnã, que já foi levada para as telonas em Apocalypse Now (1979), Platoon (1986), Nascido para Matar (1987), Bom Dia, Vietnã (1987), entre diversas outras produções. O diferencial do longa de Spike Lee está justamente em jogar os holofotes sobre a temática racial, mostrando o que essa guerra significou para os soldados afro-americanos, o que acabou sendo deixado de lado nas demais produções hollywoodianas.
O filme já começa com uma fala do pugilista Muhammad Ali que evidencia o posicionamento do diretor sobre o conflito:
“Minha consciência não me permite atirar em um irmão, gente de pele escura, ou pobres e famintos, em nome dos Estados Unidos. Por que atiraria neles? Nunca me chamaram de ‘nigger’, nem me lincharam. Não me atacaram com cães nem roubaram minha nacionalidade.”
O longa utiliza mais de uma vez esse recurso, seja mostrando parte dos discursos reais de outras personalidades negras que lutaram pela igualdade racial, como Martin Luther King, Malcom X e Angela Davis, ou mesmo imagens reais da Guerra do Vietnã e do clima de tensão racial que os Estados Unidos viviam naquela época. Isso se parece bastante com o que o diretor fez em Infiltrado na Klan (2019), com o qual ganhou o Oscar de melhor roteiro adaptado.
O objetivo é mostrar que, enquanto os negros lutam pela pátria em uma guerra com motivações muito contestáveis, o mesmo país trava uma guerra interna contra os próprios negros estadunidenses.
Isso é reforçado com mais uma repetição de um recurso utilizado em outras produções de Spike Lee, como Faça a Coisa Certa (1989), em que um radialista/DJ cita alguns dados interessantes enquanto tece certos comentários que contextualizam aquele momento histórico. Em Destacamento Blood, ele utiliza uma DJ vietnamita para anunciar o assassinato de Martin Luther King e questionar os personagens por defenderem um país que comete genocídio contra seu próprio povo e assassina seus líderes mais admirados.
Por falar nos personagens, a trama gira em torno dos amigos Paul (Delroy Lindo), Otis (Clarke Peters), Eddie (Norm Lewis) e Melvin (Isiah Whitlock Jr.) — além de David (Jonathan Majors), filho de Paul, com quem tem uma relação conturbada, e que embarca na aventura dos veteranos quando descobre a existência do tesouro. A primeira parte do filme busca estabelecer a relação entre os personagens e o grau de companheirismo entre eles, o que é bem trabalhado e convence bastante. Além disso, serve para criar toda uma mística em cima de Norman Earl, também chamado de “Stormin’ Norman”, como uma forma de celebrar a sua imagem de um grande líder e o que ela representa para os ex-combatentes que conviveram com ele.
Toda essa mística é reforçada na memória dos veteranos. Norm sempre permanece jovem em suas lembranças da guerra, enquanto eles se veem ao lado de seu comandante com a mesma idade que possuem no presente, o que provoca um contraste entre a vitalidade, a força e o frescor da juventude e de seus ideais com o atual desgaste e fragilidade da velhice. Aqueles que já não são mais os mesmos sempre se recordam do que fora com um forte sentimento de nostalgia.
Norm morreu em combate enquanto lutava ao lado de Paul, que nunca superou a morte do companheiro e viveu o resto de sua vida assombrado por isso. E assistir ao filme sabendo da morte de Chadwick Boseman na vida real, além de tudo o que ele passou a representar no imaginário das pessoas após interpretar o primeiro herói negro do cinema em Pantera Negra (2018), faz com que o público acabe criando um paralelismo inevitável entre o personagem e o ator, reforçando ainda mais todo esse misticismo.
Apesar de ter elogiado como a primeira parte do filme é bem utilizada para construir a relação dos personagens, também acho que ela acaba se estendendo um pouco além da conta. Isso causa uma certa impressão de que a história está demorando para acontecer e de que o filme poderia ser encurtado, já que tem cerca de 2h30.
Acabamos presos, no entanto, pela força do elenco e pela interpretação dos protagonistas, entre os quais se destaca Delroy Lindo, que impressiona com uma atuação digna de uma indicação ao Oscar. Como Paul, ele encarna um personagem mais bruto, marcado pela dor, raiva, culpa e um constante sentimento de revolta, protagonizando um monólogo icônico enquanto conversa com o público olhando diretamente para a câmera — quebrando a famosa “quarta parede”.
Seu personagem não é nada sutil e utiliza um boné vermelho com a frase “Make America Great Again” enquanto dispara uma série de comentários e ofensas xenofóbicas a todos os personagens que não sejam estadunidenses na trama, mas principalmente contra os vietnamitas. A frase, que significa algo como “Tornar a América Grande Novamente” em tradução livre, era o slogan de campanha de Donald Trump à presidência dos Estados Unidos em 2016.
Mas sutileza nunca foi o forte de Spike Lee, que não faz questão de demonstrar qualquer tipo de imparcialidade em suas obras, e nem precisa. Essa crítica escancarada à figura de Trump e a tudo o que ele representa também foi realizada em Infiltrado na Klan, com imagens reais de manifestações de supremacistas brancos sendo associadas ao discurso de ódio do presidente dos Estados Unidos.
Apesar disso, Paul é um personagem profundo, com camadas, e que causa empatia até mesmo em quem discorda completamente de seus posicionamentos. Seu contraponto no filme é Otis, melhor amigo e padrinho de seu filho, que é mais calmo e sereno, sendo um dos representantes da “voz da razão” e muito bem interpretado por Clarke Peters.
A partir da segunda metade, o filme passa a ter mais dinamicidade e ação, além de muito sangue e violência, mas na medida certa. A maneira como as coisas são conduzidas chega a lembrar novamente Faça a Coisa Certa, em que a tensão vai subindo aos poucos até culminar no completo caos, que no caso de Destacamento Blood é motivado pelo ouro encontrado pelos ex-combatentes.
O novo filme de Spike Lee tem a cara do diretor e não fica para trás em relação às suas outras produções. Apesar de uma primeira parte bem construída, mas um pouco arrastada, o filme passa a ficar mais interessante na segunda metade, chegando muitas vezes a desfechos surpreendentes e fechando a trama em grande estilo.
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