Ninguém Sabe que Estou Aqui (2020) é um drama dirigido por Gaspar Antillo e é a primeira produção chilena da Netflix. O longa-metragem conta a história de Memo (Jorge Garcia), que se isola em uma ilha em Llanquihue, localizada em uma pequena cidade no sul do Chile, onde passa a morar com seu tio, Braulio Garrido (Luis Gnecco), após um grande trauma vivido em sua infância, na época em que morava em Miami.
Quando criança, Memo tinha um talento extraordinário para cantar, mas, por estar acima do peso e não se encaixar nos padrões de beleza da indústria fonográfica, teve que assistir a Jorge Casas (Gastón Pauls) colher todos os louros da fama.
Em um acordo feito com o produtor, seu pai Jacinto Garrido (Alejandro Goic) aceitou que Casas dublasse a voz de Memo, enquanto este apenas assistia dos bastidores a todo o seu talento sendo roubado por outra pessoa. Aliás, o falso artista-mirim explode com a música Nobody Knows I’m Here, que dá nome ao filme e traz em sua letra todos os sentimentos e sonhos que existem dentro de Memo.
A atuação de Jorge Garcia, conhecido por interpretar o personagem Hugo “Hurley” Reyes na série Lost (2004-2010), é uma coisa admirável e totalmente corporal, já que Memo tem pouquíssimas falas durante o filme, como se a sua voz houvesse sumido juntamente com o seu sonho.
Todos os sentimentos do personagem são transmitidos pelo olhar, pelos movimentos mais arrastados nos momentos de melancolia e mais ágeis quando tomado por breves instantes de alegria. Isso fica muito claro no momento em que passa a se tornar mais próximo de Marta (Millaray Lobos), uma moradora do local, que se mostra interessada em ajudar Memo depois que seu tio sofre um pequeno acidente.
Esse tipo de interpretação mais intimista dialoga inclusive com um dos trechos da canção que dá nome ao longa, que diz: “hear my voice beyond my eyes”, algo como “ouça a minha voz além dos meus olhos” em tradução livre.
Todos os detalhes estão ali. Um grande exemplo é quando Memo veste um casaco amarelo — uma cor mais associada à insegurança e à loucura no cinema — sempre que parece querer se esconder das pessoas ou do mundo. A própria fotografia do filme chega a ficar mais amarelada em determinados momentos, seja quando ele está no trabalho, ou mesmo dentro de casa.
O seu porte físico, muitas vezes intimidador, contrasta com as doçuras e sutilezas do personagem que gosta de costurar suas roupas de artista para pequenas apresentações solitárias e até mesmo pintar as unhas. Tanto é que em determinado momento da trama ele mesmo chega a se dizer inofensivo feito uma gazela. Mas Jorge Garcia também consegue se sair bem quando o filme exige do personagem momentos de fúria e explosão, revelando toda a revolta que Memo sente pela injustiça que sofreu em um passado que ainda não foi superado. Os demais atores também conseguem entregar o que é exigido de seus personagens, mas acabam engolidos pela presença de tela de Garcia, que acaba roubando todas as cenas.
Outra coisa que chama bastante atenção é como o surrealismo acaba sendo utilizado em determinados momentos do filme. Um bom exemplo é quando Memo começa a sonhar acordado com a chegada ao palco para o início de uma apresentação, tendo a fotografia tomada por um vermelho intenso, simbolizando a ardente paixão do personagem pela arte e pelo canto, além da ânsia pelo reconhecimento. Um sentimento tão fortemente sufocado que ele chega a literalmente vomitar um líquido igualmente vermelho e repleto de glitter.
Com o decorrer da história, descobrimos que a falta de reconhecimento não foi a única coisa responsável pelo isolamento de Memo durante anos, pois o motivo também está atrelado a um grande erro que ele cometeu de maneira impensada durante um acesso de raiva.
Ninguém Sabe que Estou Aqui é um filme cuja premissa a princípio soa meio clichê, mas ele sabe como desenvolver isso de uma maneira pouco convencional, apostando nas sutilezas e no silêncio de um sonho interrompido. O final do longa não foge muito do esperado, mas ainda assim consegue surpreender e gerar um efeito catártico em quem assiste. Não através das palavras, muito menos da violência, mas na fascinante maneira que o personagem coloca para fora a sua verdade, que é bastante potente e sonora.
Mais sobre FILME
Puxadinho Cast #106 | Netflix TUDUM 2023
O TUDUM é o evento realizado pela Netflix para anunciar seus grandes lançamentos, trazer artistas para ter contato com o …
Opinião Sincera | A Pequena Sereia (2023)
Após muitas expectativas, finalmente, em maio de 2023, foi lançada a adaptação para live action de A Pequena Sereia (The …