The 40-Year-Old Version (2020) — ou “A versão de 40 anos”, em tradução livre — é um filme de comédia dramática escrito, dirigido e protagonizado por Radha Blank e conta a história de uma dramaturga que chega aos 40 anos em meio a uma crise pessoal e profissional.
Durante o longa, Radha interpreta uma personagem homônima que chegou a integrar uma lista de 30 roteiristas brilhantes abaixo dos 30 anos de idade com seu trabalho como dramaturga, mas que chega aos 40 distante dos holofotes e dando aulas de teatro para um grupo de adolescentes do ensino médio.
Desiludida com a dramaturgia, ela busca se reinventar no mundo do rap com a ajuda de um produtor, conhecido como “D” (Oswin Benjamin), e tem a esperança de um dia fugir do estigma de uma “promessa não-cumprida”.
Inicialmente o que mais chama atenção no filme é o seu visual, já que a diretora troca as cores pelo preto e branco, Para os mais jovens (como eu), acostumados aos filmes coloridos, isso pode gerar um momentâneo estranhamento, talvez até um incômodo, mas deixa de ser um problema com o desenrolar da trama. Ao contrário, passa até a se tornar um fator positivo e que parece indispensável para a composição da obra, dando um toque autoral e cinematograficamente romântico.
Além disso, a diretora utiliza alguns outros recursos, como a diminuição das proporções de tela ao inserir comentários engraçados de outros personagens sobre a vida da protagonista. Ela também relembra aquelas filmagens de família mais antigas, em fitas VHS, algo que também não costuma ser muita novidade em filmes de comédia.
Essa é uma das várias intertextualidades presentes no longa, que passa a impressão de ser a gravação de um documentário sobre a vida da protagonista. Como já citei anteriormente, a própria diretora interpreta a personagem principal da trama, além do fato de as duas possuírem o mesmo nome, uma profissão semelhante e idades parecidas. Tudo isso ajuda a reforçar ainda mais aquele toque autoral a que me referi.
Voltando à história, Radha nos é apresentada logo nos primeiros minutos do filme como alguém que não suporta mais a monotonia e cujo momento de maior excitação ao longo do dia é escutar, a partir de seu quarto, a transa dos vizinhos.
Enquanto dá aulas, ela acaba ouvindo piadas de uma das jovens alunas por estar ensinando dramaturgia sem conseguir deslanchar na própria carreira — justamente o motivo de ter que recorrer às aulas para se sustentar. E tudo isso é retratado de uma maneira muito bem-humorada e jocosa.
Com o desenrolar da trama, no entanto, vamos percebendo como todas essas questões realmente angustiam a protagonista. Além de precisar conviver com um constante sentimento de fracasso, isso se soma à perda recente da mãe, também uma artista que não alcançou o estrelato.
Todo o elenco do filme se sai muito bem em relação à interpretação, embora os personagens mais exigentes sejam a própria protagonista, seu produtor “D” e seu melhor amigo Archie (Peter Y. Kim). A amizade entre ela e Archie, aliás, é importante para trazer à tona questões importantes como a luta por reconhecimento no mundo da arte, tanto por parte de artistas negros quanto de outros que fujam do padrão branco e ocidental: ele é coreano e precisou passar por diversos abusos para alcançar seu status profissional.
Mas, diferentemente dele, Radha não se conforma em ter que ceder constantemente às vontades dos que podem financiar suas produções, muito menos em ter que embranquecer suas narrativas em nome da busca pela audiência das classes média e alta.
Isso faz com que a personagem busque se reinventar e seja levada a se aventurar pelo rap, descobrindo nas rimas um universo com muito mais liberdade para expressar seu ponto de vista enquanto mulher negra e gorda de 40 anos. No entanto, ela também acaba encontrando outras barreiras, que dessa vez envolvem a idade e o gênero.
No fim, ela se encontra nesta bifurcação entre a dramaturgia, onde precisa se vender caso queira se sustentar por meio da arte, e o rap, onde precisa conquistar seu espaço em um ambiente dominado por homens muito mais jovens do que ela.
A verdade é que The 40-Year-Old Version, lançado no Festival Sundance 2020 e vencedor do prêmio de Melhor Direção na Competição Dramática, é uma daquelas gratas surpresas que provavelmente passarão desapercebidas pelo catálogo da Netflix.
De uma maneira leve, bem-humorada e séria nos momentos certos, a obra traz importantes reflexões sociais e questiona aquilo que consideramos como sucesso pessoal e profissional, mostrando que essas questões transcendem a fama e o dinheiro.
Com cerca de duas horas, o filme se manifesta como um relato pessoal e intimista da diretora, transitando entre momentos cômicos e dramáticos com um roteiro inteligente e bem trabalhado, além de uma fotografia que ajuda a ressaltar a beleza que a obra carrega. Por fim, também é uma boa pedida para quem está em busca de uma comédia de qualidade, se revelando como um dos melhores filmes do gênero nos últimos anos.
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