Criada pelo mestre dos quadrinhos Alan Moore, conhecido por outras obras como Watchmen e Monstro do Pântano, e por David Lloyd, V de Vingança (V for Vendetta) é uma graphic novel publicada originalmente na finada Warrior 17 e posteriormente pela DC Comics entre 1982 e 1989. Amplamente inspirada nas obras distópicas de George Orwell, Ray Bradbury e Aldous Huxley, a HQ conta a saga de um misterioso e excêntrico revolucionário intitulado como “V” que empreende uma busca para punir seus algozes e derrubar o governo fascista que controla a Inglaterra.
Dentro da história, a Terceira Guerra Mundial finalmente ocorreu e o mundo foi devastado pelo conflito nuclear. A desordem na Inglaterra criou um espaço para a fundação de um partido de cunho fascista chamado Norsefire, que persegue opositores, subversivos, esquerdistas e todos aqueles que não estejam dentro da uniformidade branca, cis, heterossexual e cristã. Dentro desse contexto, o país entra num estado Orwelliano, onde todos estão sob constante vigilância pelo partido. Seu líder é Adam Susan, o autointitulado “Líder dos Perdidos”, que acredita e prega o fascismo. Ele, que é um homem frio, que acredita que nenhuma liberdade será tão doce quanto uma vida sem paixão, tem apenas um amor: seu supercomputador “Destino”, que através dele se torna uma espécie de Grande Irmão que tudo sabe e tudo vê. Nesse cenário desolador, onde ninguém pode confiar em ninguém, o terrorista “Codinome: V” começa a perseguir determinados membros do alto escalão do Partido e minar as estruturas do velho e do novo Estado inglês.
O termo “Vendeta” que intitula originalmente a obra é uma expressão italiana para indicar uma sucessão de ações bem arquitetadas por um longo período para pôr a cabo uma vingança. V é um vingador que busca eliminar aqueles que torturaram não apenas ele, mas todos que não estavam dentro da uniformidade da Norsefire. Para isso, ele resgata Evey Hammond, uma jovem órfã de 16 anos que estava prestes a ser estuprada e morta pelos oficiais do Dedo, nome dado para a polícia política do regime. Ela logo se torna sua pupila e é através dos olhos dela que vamos entendendo a narrativa.
V de Vingança está longe de ser uma obra desconhecida. O filme criou todo um fenômeno pop e político, que resultou na aparição da icônica máscara de Guy Fawkes (revolucionário inglês do século XVII que foi preso, torturado e executado após tentar matar o Rei James I durante a revolta do 5 de novembro) em atos por todo mundo. Entretanto, ao falar tanto do filme como do símbolo político, temos que entender seu autor, Alan Moore.
Alan Moore é uma figura tanto lendária como polêmica e complexa. Ele é um anarquista e essa obra reflete totalmente suas ideologias. Na verdade, a própria graphic novel é um manifesto anarquista e uma profunda crítica a extensão dos regimes conservadores na Inglaterra dos anos 80. Entretanto, o próprio Alan diz que ele era ingênuo nessa época. Ele diz que achava que apenas coisas extremas como guerras nucleares poderiam levar a ascensão do fascismo em seu país, mas como ele mesmo comenta numa entrevista em março de 1988:
Falam de um governo ininterrupto de conservadores, tabloides acalentam campos de concentração para pessoas com AIDS, tropas de choque com visores negros. O governo expressa sua vontade de erradicar homossexuais até como conceito abstrato. Só posso especular qual será a próxima minoria a ser alvo.
Como podemos ver, essa HQ é um material extremamente politizado que reflete a visão de mundo de seus criadores e a época que eles lançaram. E é exatamente por isso que Alan Moore odeia a adaptação cinematográfica de 2005. No filme, termos-chave para o desenvolvimento da história, como “Anarquia” e “Fascismo”, são totalmente apagados, até mesmo distorcendo essa lógica. Como Moore não é hipócrita e não se importa em ganhar rios de dinheiro, ele não recebeu um centavo sequer pelo filme, tanto que seu nome nem aparece nos créditos (o mesmo ocorreu com as adaptações de Watchmen).
Para mim, ler V de Vingança foi uma experiência diferente. Moore é um escritor fantástico e não dá nada de mão beijada para seus leitores, tornando suas obras coisas que devem ser sempre relidas para conseguirmos entender determinadas passagens. Eu li em 2014 e agora, ao reler, minha cabeça explodiu com coisas que só agora tive a maturidade para absorver e entender. Além disso, possui momentos que eu sempre terei em minha mente: o discurso do Líder sobre como seu único amor é uma máquina fria; o monólogo de V indagando a traição da Madame Justiça; uma viagem de LSD em um campo de concentração onde o personagem (não darei nomes pra não spoilar) vê todos aqueles que foram perseguidos e mortos pelo regime e surta numa tentativa de perdão; a carta de Valerie (um dos únicos momentos bem adaptados no filme).
Concluo indicando V de Vingança para todos aqueles que são contra o autoritarismo. Eu vejo essa obra como atemporal e, de tempos em tempos, sempre merece ser relida.
Lembrem, lembrem o cinco de novembro. Que traição, que artimanha. Por isso não há por que esquecer uma traição tamanha.
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