Engana-se quem ainda acha, em 2019, que ler quadrinhos é coisa de criança. O formato vem ganhando cada vez mais espaço e público, e eventos como as Comic-Cons ao redor do mundo são a maior prova: reúnem artistas consagrados e independentes, todos em um mesmo espaço.
Além das premiações específicas de quadrinhos, como o Eisner, que existe desde 1988, grandes premiações como o Hugo, de Ficção Científica, criaram categorias especiais para o formato nos últimos anos. Editoras brasileiras novas e antigas, além das que já eram especializadas em quadrinhos, também passaram a publicá-los.
E essa seleção tem de tudo: de super-heróis a monstros, passando pelo espaço, pelo Holocausto e por reflexões sobre a vida e a morte. Não são todas as graphic novels essenciais (a lista seria imensa), mas é um bom começo.
1. Maus (Art Spiegelman)
Serializada entre 1980 e 1991 em uma revista e publicada em duas coletâneas nesse tempo, a graphic novel venceu o prêmio jornalístico Pulitzer em 1992 – e foi a primeira graphic novel a receber o prêmio. Em 1993, a Pantheon Books lançou um box com os dois volumes, que é a edição vendida até hoje. No Brasil, a obra foi lançada em volume único em 2005 pela Companhia das Letras e é um dos pilares do catálogo da editora desde então.
Em Maus, o quadrinista Art Spiegelman conta a história da Segunda Guerra Mundial e do Holocausto através do ponto de vista de sua família. A narrativa alterna entre presente e passado e grande parte do “passado” vem das memórias de seu pai, que ele entrevistou para criar a obra. Os nazistas alemães são retratados aqui como gatos e os judeus, como ratos. Além deles, os poloneses são retratados como porcos e os americanos, como cães. Uma coisa até meio A revolução dos bichos (que, aliás, também tem uma adaptação fenomenal para graphic novel assinada pelo artista plástico gaúcho Odyr). Tudo é uma grande e certeira alegoria.
Hoje, quase trinta anos depois da publicação original, a obra é considerada uma das essenciais tanto para quem quer entender os horrores da Segunda Guerra quanto para quem gosta (ou quer começar a gostar) de quadrinhos.
2. Saga (Brian K. Vaughan e Fiona Staples)
É até um pouco difícil falar de Saga por ser uma história tão longa. O primeiro número da space opera escrita por Brian K. Vaughan (de Y: O último homem) e ilustrada por Fiona Staples (da nova série de Archie) saiu em março de 2012 e o plano é que seja um épico de 108 volumes, de acordo com Vaughan. O número 54, o “final da primeira metade” e início de uma longa pausa que ainda está rolando, saiu em julho de 2018. No meio tempo, a série venceu inúmeros prêmios Eisner e Harvey, especializados em quadrinhos; um Hugo, de ficção científica; e a ilustradora Fiona Staples levou vários prêmios de arte por seu trabalho na série.
O início da série acontece com o nascimento de Hazel, narradora da história. Seus pais, Alana e Marko, estão em lados opostos de uma guerra intergaláctica antiga entre povos de um planeta e de sua lua. Quando os dois se apaixonam e têm uma filha, o caos é completamente instaurado em suas vidas: passam a ser caçados e perseguidos pelos dois lados da guerra.
Então, pode-se dizer que Saga conta a jornada de uma família nada comum lutando para sobreviver no meio de uma guerra intergaláctica. Até agora, saíram nove volumes (de seis números cada) nos EUA, pela Image Comics, e sete deles já foram lançados no Brasil pela Devir.
3. Daytripper (Fábio Moon e Gabriel Bá)
Tem sido um fenômeno raríssimo nos últimos anos encontrar alguém que tenha lido Daytripper, obra-prima dos gêmeos paulistanos Fábio Moon e Gabriel Bá, e não tenha o livro entre seus favoritos. Em uma escala de 0 a 5 monstrinhos do PuxadinhoGeek, digamos que mereceria seus 13 monstrinhos.
Em dez capítulos (originalmente, dez números lançados mensalmente pela Vertigo nos EUA) e pouco mais de 200 páginas, os quadrinistas refletem sobre a vida e a morte, e como as duas coisas estão ligadas. Desde o lançamento do volume completo em 2011, também pela Vertigo nos EUA e no Brasil pela Panini, Daytripper elevou a carreira de Moon e Bá a novos patamares – isso mesmo levando em conta que já tinham trabalhado com Matt Fraction e Gerard Way antes.
De acordo com a dupla, os fãs sempre dizem que é uma história que indicam e presenteiam até para quem não costuma ler quadrinhos (achei que esse fosse um hábito só meu e do meu melhor amigo, mas não), e muitos dizem que foi a primeira graphic novel que leram. Já perdi a conta de quantas vezes vi a edição nacional esgotada ou um anúncio de reimpressão pela Panini.
Isso sem contar os três prêmios de “melhor série” que Daytripper levou em premiações especializadas de quadrinhos (um Eisner, um Eagle e um Harvey) em 2011.
4. Watchmen (Alan Moore e Dave Gibbons)
Numa sexta-feira à noite, morreu um comediante em Nova York. Alguém sabe por quê. Lá embaixo… alguém sabe.
Se gostamos do filme do Zack Snyder ou não, se a série da HBO será boa ou não, Watchmen ainda é um clássico dos quadrinhos e do gênero de super-heróis que busca satirizar e desconstruir. E se, entre as décadas de 1940 e 1960, os EUA tivessem tido super-heróis? E se alguém estivesse querendo, décadas depois, eliminar todos eles? A história se passa na década de 1980, com a iminência de guerra entre EUA e Rússia e muitos heróis aposentados… descobrindo o que fazer quando um deles é assassinado.
Entre 1986 e 1987, os doze números da minissérie foram lançados mensalmente pela DC Comics. Hoje, junto com Maus e O Cavaleiro das Trevas, é tida como uma das grandes responsáveis pela popularização das graphic novels entre adultos nas décadas de 80 e 90. A edição mais completa e em circulação atualmente no Brasil é essa em capa dura da Panini, de 2009.
O autor Alan Moore é o responsável por V de Vingança, A Liga Extraordinária e A Piada Mortal (e mais uma porrada de coisa). O ilustrador Dave Gibbons também fez uma porrada de coisa, sendo um exemplo mais recente a minissérie O Serviço Secreto (que originou os filmes Kingsman), em que trabalhou com Mark Millar. Não foi à toa que a dupla ganhou todos os prêmios Kirby e Eisner possíveis, além de um Hugo (de literatura de ficção científica).
5. Minha coisa favorita é monstro (Emil Ferris)
A origem dessa graphic novel é quase mais impressionante que a própria: Em 2002, Emil Ferris era ilustradora e designer de brinquedos. Ela contraiu o vírus do Nilo Ocidental e perdeu os movimentos da cintura para baixo e da mão que usava para desenhar. Em 2010, aos 48 anos, depois de um curso, começou a trabalhar na história para recuperar os movimentos da mão. Levou seis anos para terminar. Este primeiro volume, de 416 páginas, foi publicado em 2017 pela Fantasgraphics e saiu no Brasil pela Companhia das Letras em 2019.
A história se passa na Chicago da década de 1960 e acompanha a narradora Karen Reyes, garota de dez anos viciada em histórias de terror, no que começa como a investigação da morte de sua vizinha. A graphic novel é o diário da garota, feito com canetas esferográficas em papel pautado de caderno, e tem várias referências visuais a histórias de terror e monstros e filmes B. A própria personagem se desenha como uma “jovem lobismoça”.
Além de vários prêmios Eisner e Ignatz, Minha coisa favorita é monstro também recebeu prêmios de literatura LGBT (a autora se identifica como bissexual) e foi premiado na França.
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