Talvez você já tenha ouvido falar do mangá Erased. O suspense, também conhecido como Boku dake ga Inai Machi (“a cidade onde só eu não existo”, em japonês), foi serializado na revista japonesa Young Ace de junho de 2012 a março de 2016 e compilado em nove volumes. Em seu último ano de publicação, a obra de Kei Sanbe ganhou uma adaptação para anime pela Fuji TV e um filme, e mais tarde um drama distribuído pela Netflix. No Brasil, o mangá foi lançado pela JBC a partir de dezembro de 2018 e conta com tradução de Denis Kei Kimura. Mas do que se trata?
Satoru Fujinuma tem 29 anos e é um ilustrador de mangás meio frustrado, que também trabalha meio-período como entregador de uma pizzaria para ajudar a pagar as contas. O protagonista é um tanto sério e fechado e vive uma vida pouco empolgante sem se apegar muito a nada ou ninguém, sejam colegas de trabalho ou até mesmo sua mãe. Só que ele tem uma habilidade que chama de “revival”, que o faz voltar alguns minutos no tempo para impedir que algo ruim aconteça. Isso acontece involuntariamente, então ele precisa buscar e ficar atento ao seu redor para descobrir o que deve impedir.
Quando sua mãe é assassinada de forma misteriosa dentro de casa e Satoru a encontra, ele corre atrás do assassino e acaba sendo incriminado como suspeito. Ele implora por um revival que o leve de volta a tempo de salvar a mãe… e recebe um, mas não do jeito que estava esperando.
Desta vez, o revival o leva de volta para quando tinha onze anos, poucos menos de um mês antes do início de uma série de sequestros que haviam tirado a vida de três crianças da cidade, incluindo um de seus amigos de infância. Na época, um amigo mais velho dele foi preso como culpado pelos casos, o que ele acredita ter sido uma injustiça. Satoru agora precisa correr contra o tempo e descobrir como pode fazer algo para salvar as crianças.
A questão de voltar no tempo e reviver uma época de escola ou infância não é inédita. Podemos citar aqui a comédia americana 17 Outra Vez, o slice-of-life japonês ReLIFE e o reflexivo A Distant Neighborhood. Mas Erased, além de uma história sobre amizade, é um suspense: o objetivo do personagem, com memórias de quase trinta anos de vida e estando no corpo de uma criança de onze, é solucionar uma série de assassinatos. Proteger as pessoas próximas a ele, sim, mas para isso é preciso solucionar esse caso dos desaparecimentos da infância e descobrir o que pode ter levado à morte da mãe. Por que ele voltou tanto assim no tempo? Será que os dois casos estão interligados? Será que seu amigo não era mesmo o culpado? Será que a mãe descobriu alguma coisa tantos anos depois? Será que, para descobrir o que aconteceu com a mãe, ele precisa começar dezoito anos antes?
O leitor já tem parte dessas respostas, de certa forma, no primeiro volume: através do ponto de vista de Sachiko, mãe de Satoru e antiga repórter, entendemos que ela descobriu mesmo algo sobre esse caso. Ao impedir um sequestro no presente, ela reconhece o rosto do envolvido e começa a investigar — mas não chega a contar a Satoru o que descobriu, porque o sequestrador também a reconhece e a alcança antes. Então agora ele precisa ligar os pontos aos poucos para saber o que, quem e onde procurar para encontrar as respostas de que precisa.
A partir daqui, pode conter spoilers para além do primeiro volume de Erased. Não vou entregar as grandes revelações e o final, mas mesmo assim siga por sua conta e risco.
Quando Satoru volta à escola e à vida de seus onze anos, tenta trazer de volta algumas memórias que tentava enterrar para lembrar de todos os acontecimentos e da ordem deles. Entre as crianças desaparecidas, estão seu amigo Hiromi Sugita e a reclusa Kayo Hinazuki, sendo Kayo a primeira vítima. Ele decide, então, começar se aproximando da colega para descobrir uma forma de protegê-la, e logo vê que ela sofre abusos físicos por parte da mãe. Isso aumenta sua determinação de estar sempre perto. Satoru inicialmente se mostra para o leitor como alguém que não se apega ou importa muito, mas essa determinação é um indício de que ele se importa mais do que parece — não só com as pessoas à sua volta, mas com a coisa certa. Talvez tenha acontecido algo para fazer com que se tornasse tão fechado.
Na época, um amigo do garoto, Jun Shiratori, havia sido preso como único e principal suspeito desses casos. Ele não acreditou, na época, que o amigo poderia ter feito essas coisas, mas nenhum dos adultos o escutou. Isso significa que, descobrindo o que realmente aconteceu, ele também pode ter uma chance de salvar o amigo, caso não seja mesmo o culpado. É uma missão ambiciosa, de fato, e o próprio clima do mangá (e de suas adaptações) passa muito bem essa tensão constante de corrida contra o tempo. Aliás, o tempo é algo muito importante em Erased. O mangá ainda consegue misturar uma história sobre amizade e família com uma aventura cheia de adrenalina e um suspense, sem parecer deslocado ou forçado.
Ao longo dos nove volumes, há algumas reviravoltas e grandes revelações. Há também um ou outro momento em que você acha que acabou e que tudo vai dar errado. Em certas partes, o mangá ainda estende seu ponto de vista colocando outros personagens como narradores. Isso acontece para explicar algo melhor ao leitor, para marcar uma passagem de tempo ou para aproveitar um gancho de suspense de uma cena importante do protagonista. E em todas as vezes tem o efeito desejado. É muito difícil parar de ler, então talvez seja bom garantir todos os volumes e separar um dia para ler todos de uma vez, se puder.
Além do próprio Satoru, dois personagens de Erased que brilham toda vez que aparecem são a mãe dele, Sachiko, e o amigo Ken’ya Kobayashi. Sachiko era repórter e sempre teve uma veia curiosa e investigativa, além de apoiar muito todas as decisões do filho — por mais malucas que possam parecer. Ken’ya é o melhor aluno da sala em todas as áreas e, apesar de também ser muito fechado, é perceptivo e tem forte senso de justiça. A ajuda dos dois em todos os momentos é essencial para que Satoru tenha a oportunidade de fazer o que for preciso.
Enquanto isso, o professor Yashiro é visto como uma espécie de figura paterna para o protagonista, que é criado apenas pela mãe. Ele também percebe algumas coisas e tem uma ligação direta com Ken’ya, representante da classe. Embora seja menos presente que o amigo e a mãe, em vários momentos é a ele que Satoru recorre em busca de conselhos e para compartilhar uma de suas descobertas. Mas, para os adultos, o garoto nunca conta seu plano completo. Só os objetivos mais imediatos. É como se fosse apenas em Ken’ya — e, mais adiante, nos outros amigos — que ele realmente sentisse que poderia confiar.
Fim dos possíveis spoilers.
A confirmação do que realmente aconteceu, e de quais foram as consequências da interferência de Satoru, é cheia de tensão. Não decepciona e cria grandes expectativas para o que pode vir em seguida. Você torce para que os planos do protagonista deem certo e a perspicácia dele costuma corresponder às expectativas. Mas, bem, ele tem dezoito anos de vantagem, certo?
O nono volume do mangá, que leva o subtítulo Re., é uma compilação de pequenos momentos da perspectiva de outros personagens exceto o Satoru. Então o arco principal termina, na verdade, no oitavo. É uma série relativamente curta, interessante e bem-feita, que entrega o que promete e vai além.
Sem dúvidas, Erased é uma das minhas histórias favoritas e tem alguns dos meus personagens favoritos da ficção. Se você gosta de suspenses, amizades e protagonistas fortes, será uma ótima pedida.
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