Estudantes universitários protestam contra medidas autoritárias do governo. São reprimidos violentamente por militares truculentos à mera menção de protesto. Alguns ainda são sequestrados, torturados e mortos. Cidadãos comuns, caso se pronunciem ao testemunharem casos de injustiça, sofrem as mesmas agressões.
Poderia ser hoje. Poderia, quem sabe, ser o Brasil. Mas é maio de 1980 na cidade de Gwangju, na Coreia do Sul.
Antes de mais nada, Youth of May não se propõe a entregar uma história leve e um final feliz. O próprio trailer diz que “se fosse qualquer outra primavera” esta seria só uma “história sobre juventude”. Mas não é qualquer primavera — e não é só uma história sobre juventude.
A primeira cena do primeiro episódio de Youth of May mostra, em 2021, uma ossada sendo descoberta na cidade de Gwangju. O drama então nos transporta diretamente para maio de 1980, onde se passa a maior parte da história. A lei marcial, que impõe uma série de restrições à população, está em vigor e o clima geral é de insatisfação e tensão com o regime autoritário e a perda de direitos. Alguns grupos universitários estão se organizando em protestos e parece que a qualquer momento algo muito sério pode explodir. Sabe o relógio do juízo final em Watchmen, de Alan Moore? Uma bomba prestes a detonar? É algo assim.
Nesse contexto, conhecemos nossos protagonistas.
Hwang Hee Tae (Lee Do Hyun) é o orgulho da cidade: foi aprovado na Faculdade de Medicina em Seul, onde mora e estuda. Ele está de volta a Gwangju temporariamente para pedir a ajuda do pai no tratamento médico de uma amiga. Kim Myeong Hee (Go Min Si) é enfermeira, mora em uma pensão e tem um relacionamento distante com a família, exceto o irmão mais novo, que protege com tudo que pode. Seu objetivo é continuar os estudos no exterior, na Alemanha.
Além dos dois, completam o quarteto principal Lee Soo Ryeon (Geum Sae Rok), melhor amiga de Myeong Hee, e seu irmão mais velho Lee Soo Chan (Lee Sang Yi). Soo Ryeon está ativamente envolvida nos protestos, mas costuma ser vista com desconfiança no meio por vir de uma família rica. E Soo Chan parece estar apaixonado por Myeong Hee.
As vidas de Hee Tae e Myeong Hee se encontram por uma combinação de fatores. O pai dele, chefe da divisão de investigação anticomunista da época, precisa sufocar rumores de que seu filho estaria ligado aos “rebeldes”. Uma solução encontrada é que Hee Tae se case com a filha de um conhecido rico e vá embora de vez para Seul, abafando todos os rumores. A pretendente em questão, Soo Ryeon, não parece estar nem um pouco interessada no acordo, então manda Myeong Hee ir aos encontros em seu lugar. E os dois se dão bem instantaneamente, o que não pode ser um bom sinal para ninguém.
É bom ressaltar ainda que o pai de Hee Tae, Hwang Ki Nam, é interpretado pelo Oh Man Seok, que você talvez conheça como o Cho Cheol Gang de Pousando no Amor…
Boa parte da trama de Youth of May é dedicada ao relacionamento dos dois protagonistas, ou melhor, à luta para que esse relacionamento exista. Embora não tenha ficado investida no romance em si, eu me apeguei muito (e muito rapidamente) aos personagens e ao pano de fundo da história. Mesmo tentando não se envolver profundamente com os protestos por medo de machucar ou perder aqueles que amam, eles não fogem do que acreditam e não deixam de ajudar.
Mas isso ainda vai muito além de Hee Tae e Myeong Hee. O desenvolvimento de personagem dos irmãos Soo Ryeon e Soo Chan é impecável. O arco que engloba Myeong Soo, irmão mais novo de Myeong Hee, e Jung Tae, irmão mais novo de Hee Tae, traz momentos memoráveis. Acompanhamos um soldado que não se identifica com a truculência e a falta de questionamento de seus colegas. Conhecemos a família de Myeong Hee, seu relacionamento turbulento e alguns erros do passado. Em certos momentos, a narrativa volta um pouco mais no tempo, contextualizando e explicando aos poucos como alguns personagens chegaram até ali.
O mistério do início — de quem será a ossada? — também contribui para esse apego. Mesmo sabendo pouco sobre o massacre de Gwangju e o movimento democrático, sei que esse é um assunto muito delicado para os sul-coreanos. Seria difícil aquela ossada pertencer a um personagem sem importância, assim como seria difícil os personagens principais terem finais felizes. Não era uma primavera qualquer, como o drama faz questão de frisar.
Até por isso, ou principalmente por isso, Youth of May não foi uma história fácil de acompanhar. Não se engane pela fotografia maravilhosa: não vai ser fácil assistir aos 12 episódios de uma vez, se você for fazer isso agora. É uma obra construída com cuidado para fazer o espectador se apegar a vários personagens imperfeitos, que tentam dar seu melhor em um momento revoltante e aterrorizante. E, à medida que o fim se aproxima, vai ficando ainda mais difícil. Você se sente impotente. Com medo, até. Mas o medo vem da relação muito próxima que as violências expostas ali ainda têm com a realidade de hoje — particularmente, mas não somente, o autoritarismo e o fantasma de um comunismo que nunca existiu. O livro Atos humanos, da Han Kang, acabou de ser lançado no Brasil pela Todavia e se passa no mesmo contexto histórico. Talvez seja uma das minhas próximas leituras.
Terminar esse drama e ir escrevendo esse texto enquanto lia as notícias absurdas do dia, desde as relacionadas à pandemia até o último caso de brutalidade racista cometido pela polícia, foi me lembrando de várias coisas. Um mosaico de outras referências que talvez não fizessem sentido nenhum em contextos diferentes, ou que talvez só façam sentido na minha cabeça. Isso é você que vai me dizer nos comentários. De qualquer forma, uma delas é a frase “o fim do mundo é pior pra quem já tá na merda”, que vem deste vídeo do Ora Thiago, melhor youtuber do Brasil, sobre, justamente, Watchmen. Outra é todo o papo do Puxando da Estante sobre O Sol na cabeça, do Geovani Martins.
Tentei não entregar spoilers do que acontece mesmo, porque a história se desenvolve lentamente de uma forma bem bonita (embora triste). Mas vi que muitas pessoas começaram a acompanhar esperando algo leve, talvez pela fotografia e pelas imagens de divulgação, e ficaram um pouco chocadas com o que encontraram.
Só que existe uma diferença importante entre boas histórias tristes e histórias caça-lágrimas vazias, entre histórias realistas tristes e histórias que exageram no sofrimento em nome de uma falsa sensação de realismo. Youth of May é uma boa história triste, inspirada em um sofrimento muito real do país, e ainda ressoa nos dias de hoje. Eu diria até que é necessária para pensar os dias de hoje.
Resumindo: veja Youth of May. Mas veja Youth of May se estiver bem para isso e sabendo o que esperar. Não veja Youth of May esperando algo leve e bonitinho que vai fazer com que você se sinta bem, porque não é isso que você vai encontrar. Se ainda não for o momento, porque a vida já está suficientemente pesada, deixe para o futuro.
Mas prepare os lencinhos e veja Youth of May.
Os doze episódios de uma hora estão disponíveis, com legendas em português, no Viki e no KOCOWA.
Mais sobre A-WORLD
Opinião Sincera | See You in My 19th Life
Em See You in My 19th Life, Jieum se lembra de suas vidas passadas. Após a morte precoce na 18ª …
Opinião Sincera | Publishing Love
Publishing Love é um webtoon de comédia romântica escrito por Rosa (Yeondu) e ilustrado por Song Yi. Também conhecido como …