O Poço é o novo filme de horror gore, ficção científica e suspense de produção espanhola lançado pela Netflix e tem dado o que falar por seu roteiro surpreendente. Mais que assustar e jogar sangue na nossa cara, porém, o filme se propõe a chocar e passar algumas mensagens, gerando diversas interpretações. É uma produção simples, mas com roteiro único e impressionante.
O filme se passa em um ambiente distópico; uma prisão vertical, toda em cimento cinza e sem portas ou grades. Ela possui incontáveis andares, cada um abrigando dois prisioneiros, cada um com uma “sentença” determinada. O protagonista é Goreng, interpretado de forma belíssima por Ivan Massagué. Ele vai para a prisão de forma voluntária e lá conhece seu parceiro de cela, o senhor Trimagasi (Zorion Eguileor), que logo conta todas as regras da prisão, mas de forma bem peculiar, “óbvio” – essa é a palavra de efeito dele, e não está lá por acaso, “óbvio”. São momentos de diálogos expositivos, construídos de forma curiosa, que servem para instigar e atrair nossa atenção.
Pois bem, cada cela é um quadrado cinzento com duas camas e um banheiro e no meio um buraco enorme (o bendito poço, “el hoyo” no original). Dele, é possível observar os andares superiores e inferiores, mas não é possível ver o fim. Por esse buraco, passa uma plataforma com um banquete que sai do nível zero e vai descendo até os níveis inferiores. Ela para uns minutos em cada andar para os prisioneiros se alimentarem, não sendo possível estocar comida, e desce até chegar ao último andar, que, a priori, ninguém sabe qual é. Dessa forma, como já é possível observar sem nenhuma explicação do Trimagasi – pois é óbvio –, nas plataformas inferiores só se comem restos, migalhas deixadas pelos dos andares superiores, e a comida não é suficiente para todos.
Cada dupla de prisioneiros passa um mês em um andar e depois é transferido, de forma peculiar, para outro andar aleatório, que pode ser mais acima… ou mais abaixo. E é nesses andares inferiores que a selvageria começa e o homem mostra sua face mais primitiva e animalesca.
Em meio à situação incomum, Goreng tenta se adaptar. O filme pode ser visto como as várias fases do protagonista e sua mudança de atitude ao longo dos acontecimentos bizarros. Cada elemento no filme é crucial para interpretá-lo. Ele entra de forma bem otimista, levando consigo seu livro de Dom Quixote, e tem boa relação com o parceiro de cela. Mas tudo isso vai mudando. Ele, que veio para ser o herói, é o retrato perfeito do processo de desumanização imposto por fatores externos. Entre as centenas de prisioneiros, ele é o único que demonstra empatia por quem está abaixo, mas isso de pouco adianta. Para transformar uma estrutura opressora e viciada, Goreng logo descobre que é preciso mais do que diálogo e boas intenções.
O Poço se trata de uma fábula sádica, e representa a nossa sociedade. A ideia de andares, níveis, deixa evidente a questão da desigualdade social no mundo capitalista em que vivemos, onde os que estão no topo têm fartura e os de baixo vivem na extrema miséria. Isso não é dar spoiler do filme, pois é a primeira das multicamadas interpretativas. Tem muito mais por vir, que separei neste outro texto, cheio de spoilers.
Em entrevista ao portal iHorror durante a exibição do filme no Festival de Toronto, questionado sobre a forte mensagem política dentro da narrativa, o diretor Urrutia afirma: “O Poço quer colocar o espectador em uma posição que o faça pensar em como ele se comportaria em certas situações em relação ao que está acontecendo no mundo real. O que você faria estando nos primeiros e nos últimos níveis? Nós não julgamos, mas fazemos o questionamento e deixamos para o público a decisão”. E ele conseguiu. Ele nos fez refletir sobre política, religião e a própria natureza humana.
O roteiro é bem inovador. E o resultado é um filme bastante diferente das produções hollywodianas, assim como Parasita, mas que agradou muito ao público, devido a essa originalidade. Os acontecimentos são um tanto chocantes, mas facilmente nos fazem pensar na nossa sociedade, de forma um tanto triste. O ritmo do filme também é muito bom. Começa lento, explicando as regras da prisão, a rotina do protagonista, o que o levou a entrar lá… Depois, muitos elementos e reviravoltas começam a aparecer e o filme vai acelerando, o que prende muito a atenção, do começo ao fim. Primeiro você fica curioso, depois precisa saber o que vai acontecer. A proposta é genial.
A estética do filme, assim como o figurino, são elementos fortes que contribuíram para seu sucesso. Ele é filmado em um só ambiente, nesse quadrado cinzento que mais lembra uma masmorra claustrofóbica. E a roupa de todos é bege, passando a ideia de falta de ânimo. Porém, destaco o elenco. Os atores não são muito conhecidos, mas trazem atuações brilhantes para compensar, principalmente o Ivan. Ele não segue os padrões de beleza esperados de um protagonista. Nenhum deles o segue, o que deixa o filme mais próximo da realidade, retratando humanos reais submetidos a situações extremas.
O Poço é um filme excelente, mas é preciso ter estômago para ver algumas cenas e sensibilidade para entender tudo, inclusive o polêmico final. Ele tem o poder de impressionar, impactar e deixar a gente pensando por horas. Vale muito a pena assistir.
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